Ah! As emoções! Hoje elas são o 'prato do dia' dos psicólogos de RH. Pragmáticos, para atender as exigências das relações funcionais, das relações empresariais, direcionam suas análises para a 'utilidade' das emoções. "De que modo podemos melhor usar as nossas emoções?" - perguntam-se os psicólogos de plantão. E eles mesmos respondem: "dominem suas emoções! Façam-nas trabalhar a seu favor!"
"Façam-nas gerar estados produtivos e úteis de relações funcionais!" - digo eu.
Gosto de ver como as coisas ficam simples nas mãos dos 'especialistas'. É tão fácil dominar as emoções!!! Parece que estão nos pedindo para bebermos um copo da outra: viu? Como desce redondo?
Ah! as emoções... Hoje elas ganharam importância, na medida em que a relacionam com a inteligência. A tal inteligência emocional.
Como disse, gosto de ver como as coisas ficam simples, quando olhadas de um ponto de vista reducionista. Afinal, a complexidade das emoções não pode ser tratada assim, já que nos acompanham desde o nascimento. Nascemos com elas e iniciamos nossa aprendizagem com elas, muito antes de sabermos usar a terceira inteligência. Começamos com ela e será ela o signo mais importante das inteligências motora e cognitiva. Nunca mais nos abandonará e será a nossa "marca registrada". A nossa imagem diante dos outros. A nossa cara, a que estará sempre exposta para quem souber ler.
Nascemos com as emoções e delas dependerá o nosso futuro. Começamos débeis, frágeis, porque nascemos inocentes. A vida diante dos nossos olhos, que mal vislumbram contornos, ainda é uma paisagem de sombras. Sentimos apenas. Emoções apenas nos empurram, nos ensinam a respirar, a buscar o calor do corpo materno, na abundância do seio que nutre os primeiros sinais da vida. E ainda será ela, a fonte primodial que nos permitirá viver, porque será pelo amor que atravessaremos a ponte entre as duas escuridões silenciosas, os dois infinitos: antes da vida e depois da vida.
Será pelo alento recebido que construiremos a nossa vida afetiva, que definiremos um modo de ser, que faremos as nossas escolhas. E será a emoção, essa energia, essa força que transcende a razão, a fonte básica dos nossos maiores prazeres.
A razão acontece em nossa vida, quando as emoções já nos ensinaram a andar, a olhar, a denominar as coisas do nosso mundo circundante, a descobrir a realidade do nosso corpo. A razão acontece tardiamente, quando já conhecemos o caminho do coração. E repetindo Pascal, o velho Pascal: "o coração tem razões que a própria razão desconhece."
Depois, quando a vida ja se organizou, quando já conseguimos automatizar padrões e organizá-los em modelos repetentes, salvam-se apenas aqueles que são capazes de despertar a fonte das emoções, de alimentar as paixões que possam conduzir aos caminhos insólitos do descobrimento de veredas não trilhadas.
A Arte, o caminho das nossas percepções mais sutis, manifestação profética do espírito, nossa maneira de admirar o mundo, é parte fundamental e a mais rica da nossa humanidade. Através dela descobrimos a realidade adjacente, invisível a razão. A razão organiza a realidade em modelos projetados a partir das nossas percepções.
As emoções podem levar-nos a descobrir um sentido maior para a vida. Mas também será pelas emoções que descobriremos a angústia, o 'nonsense', a perda da grandeza humana, a perda da nossa humanidade.
A razão escamoteia a paixão, mas não consegue escapar ao seu sortilégio fascinante. Engendra mil artifícios, mas não nos convence e não nos demove da paixão.
Navegantes dos mares insólitos da vida, marinheiros despreparados para atravessar a procela das emoções!
Modificamo-nos pela paixão, porque é dela que recebemos o fogo da criação. Porque a paixão é o amor incontido, o amor sem limites, o amor que devasta o bom-senso, que anula o cartesianismo.
Falo do amor que recria a realidade, que modifica o homem, que o incendeia. O amor em seu sentido maior, aquele que confere grandeza e dignidade ao ser humano.
Pela paixão pode o homem avançar por caminhos desconhecidos, sem se preocupar com a volta, porque na paixão não há retorno possível.
A nossa história será sempre a história comovente dos grandes apaixonados e dos seus seguidores, porque nada se renova senão pela paixão.
A paixão requer o amor em grau amplíssimo. Trata-se de uma dimensão ainda desconhecida por muitos. Trata-se da perpetuação do sonho de liberdade, do sonho de ampliar os limites da realidade, cujos ciclos tendem sempre a fechar o homem em espaços reduzidos, não permitindo que se renove o sentido maior da vida. Modernamente, o amor se fez em Tereza de Calcutá...
A doença é a resistência à mudança, é a 'mineralização' dos sentimentos proféticos, impedindo que possam expandir-se e romper os limites impostos pelo bom-senso.
Podemos adoecer de muitos modos. Na dimensão macro, impedindo que a transformação aconteça, bloqueando o devir histórico. Na micro, reprimindo nossos impulsos de afetividade, nossas emoções; retraindo nossos desejos de mudança, nossos sonhos, nossa grandeza, amordaçando o corpo. Somos grandiosos quando nos permitimos ser. Somos pequenos, quando aceitamos nossas limitações.
Lidar com as emoções não é tarefa fácil. Sempre usamos a razão para procurar as respostas.
Ocorre-me aquela cena teatral de B. Brecht: a personagem procurava alguma coisa que havia perdido, sob um poste, no clarão de sua luz. Passa alguém e fica a ajudá-lo. Depois de algum tempo, resolve perguntar o que perdera e se fora naquele lugar. A personagem responde que perdera uma chave, mas não ali. A luz do poste, no entanto, facilitava procurá-la. E assim estava tentando encontrá-la onde lhe parecera mais fácil. Um artifício da mente!
Não permitimos que nossos sentidos extraordinários encontrem respostas. Caminhamos sempre em direção à mente. Nela procuramos nossos placebos, embora já saibamos que ela continuará a nos enganar. A mente é traiçoeira, dominadora, velha como o planeta, antiga como o nosso corpo; sobretudo impostora. Sufoca mais do que nos permite respirar.
Pretender encontrar com a mente as respostas de que precisamos para a vida, é uma ilusão! A mente pertence ao mundo, a geometria, ao tempo. Nada tem a ver com a vida!
Deixar fluir a vida, permitir que o corpo repouse, sem tensões, relaxado, é a primeira chave. Aquietar a mente, permitir que as energias vitais fluam livremente, essa a maneira de nos aproximarmos dos estados diferenciados de percepção. E a meditação também é um caminho para a libertação. Um caminho para equilibrar o fluxo energético do corpo, deixá-lo livre dos nós cegos.
São os truncamentos, os embaraços, que quebram a unidade psicossomática. São as emoções desequilibradas, e por isso perigosas, que nos adoecem.
Quando falamos em emoção estamos entrando num universo complexo, no reino das pulsões, das tensões.
Emoção é tensão, é conflito, é energia transbordante. A vida é tensão, é conflito, é superação de estados contraditórios. Essa a razão porque lidar com emoções é sempre perigoso. Pretender usá-las como 'utensílios', é desconhecer a sua natureza.
Como dizia Guimarães Rosa, "viver é perigoso." Não se pode sofisticar a vida.
M. AMERICO