Jorge e Zélia, duas pessoas extraordinárias
Li recentemente aqui na Tribuna da Internet um impressionante relato da psicóloga Paloma Amado, filha dos escritores Jorge Amado e Zelia Gattai, e recordei um extraordinário acontecimento que me marcou para sempre. Foi na parte da tarde. A cidade, Amsterdam. O local, o museu Van Gogh. O ano, 1974. O mês, agosto. Lá estávamos nós, o modesto e sofrido industrial brasileiro João Mello da Costa e seu recém-formado advogado, Jorge Béja. que tinham viajado, graciosamente, pela companhia aérea KLM para uma consulta com o maior sensitivo do Século XX, o holandês Gérard Croiset, na tentativa de desvendar o sequestro e localizar o pequeno filho de João, chamado Carlos Ramirez da Costa, o Carlinhos.
Gérard, que um ou dois anos antes indicara com acerto o local da queda do avião que levava uma equipe de rugby do Uruguai e desapareceu no lado chileno da Cordilheira dos Andes, aceitou receber o pai de Carlinhos, sequestrado no Rio em 2 de agosto de 1973, tirado de sua casa na Rua Alice, bairro Laranjeiras.
O encontro com Gérard Croiset foi na casa do sensitivo em Utrecht, cidade vizinha a Amsterdam. Havíamos viajado de graça, porque o então presidente da KLM tinha muita gratidão pelo sensitivo, que havia descoberto o paradeiro de seu filho, também vítima de sequestro. Daí a preocupação do dirigente da companhia aérea e seu interesse em nos prestar ajuda.
ENCONTRO NO MUSEU – Mas não é sobre o caso Carlinhos que escrevo. A finalidade é contar à psicóloga Paloma Amado um encontro que nessa ocasião tivemos com seus pais, Zélia e Jorge Amado, que não conhecíamos pessoalmente e foram amabilíssimos conosco.
No museu Van Gogh, enquanto João Mello e eu admirávamos uma das obras do famoso pintor, alguém tocou no ombro do industrial. Viramos para trás e imediatamente identificamos: era o casal Jorge Amado e Zélia Gattai. E o escritor foi logo dizendo, dirigindo-se a João Mello:
“Conheço o senhor, sei do seu sofrimento, soube da sua viagem até aqui para consultar um vidente. Conte com toda a minha solidariedade, minha e de minha esposa e mais meu filho João Jorge que aqui está (e apontou para o rapaz a seu lado). Se for preciso, posso encabeçar e promover uma campanha nacional lá no Brasil para descobrir seu querido filho Carlinhos”.
CAÍMOS NO CHORO – Calados, surpresos e emocionados, ouvimos o famoso escritor fazer esse oferecimento. Quando terminou, João Mello chorou convulsivamente. Eu também comecei a chorar.
Nós sabíamos o significado daquele encontro, que parecia fortuito, por acaso, acidental, mas não era. Fora do Brasil, a mais de 14 mil quilômetros de distância, encontramos o maior escritor brasileiro e sua esposa. E partiu dele o diálogo de carinho, as palavras de conforto, de solidariedade e de oferta. Tudo aquilo que havia sido negado a João Mello aqui no Brasil, principalmente no Rio, onde a TV Globo o perseguiu tanto que quase o colocou na cadeia como mentor do sequestro do próprio filho.
SOPHIA LOREN – Foi uma viagem de ida e volta de sete dias. Tudo pago pela KLM. Na primeira noite, no Hotel Hilton de Amsterdam, fomos jantar. Já era tarde, o restaurante estava quase vazio e chegou um casal. Ela era alta, encantadora e ele, baixo e quase calvo. Sentaram-se próximo à nossa mesa. Eu senti que a conhecia, mas sem certeza. João Mello também. Então perguntamos ao garçom e ele respondeu que era a atriz Sophia Loren, com seu marido Carlo Ponti.
Não perdi tempo. Havia um piano no restaurante, fui até lá e toquei uma tarantella. Ela gostou, aplaudiu e me perguntou se eu era o pianista do hotel. Disse que não. Que éramos brasileiros. E que ali estávamos numa missão dolorosa. E explicamos todo o caso Carlinhos ao casal. Sophia e Ponti se emocionaram e até perguntaram se havia uma forma de nos ajudar.
DOIS DIAS DEPOIS – O encontro com Jorge Amado e Zélia Gattai foi dois dias depois. E lá se vai perto de meio século. Jorge Amado já faleceu. Zélia Gattai, também. Hoje, João Mello beira os 90 anos e eu já completei 70. Carlinhos nunca apareceu. Mas o gesto do pai de Paloma Amado foi um bálsamo para o coração de meu cliente e amigo João Mello da Costa.
Naquela época, ainda não existiam celulares nem selfies para registrar o encontro. No entanto, é certo que havia muito mais amor e solidariedade entre as pessoas de boa vontade.
13 de agosto de 2016
Jorge Béja