segunda-feira, 10 de agosto de 2015

AS CRISES DA VIDA E O CAMINHO DA REALIZAÇÃO DO SER HUMANO



01

Tudo o que vive é marcado por crises: crise do nascimento, da juventude, da escolha do parceiro, da escolha da profissão etc. Por fim, advém a grande crise da morte, quando passamos do tempo para a eternidade. O desafio posto a cada um não é como evitar as crises. Elas são inerentes a nossa condição humana. A questão é como as enfrentamos, que lições tiramos delas e como podemos crescer com elas. Por aí passa o caminho de nossa autorrealização e de nossa maturidade como seres humanos.
Toda situação é boa, cada lugar é excelente para nos medirmos e mergulharmos em nossa dimensão profunda, deixando emergir o arquétipo de base que carregamos (aquela tendência de fundo que sempre nos martela) e que quer se mostrar e fazer sua história. Cada um de nós está só. É a tarefa fundamental da existência. Mas, sendo fiel nesse caminhar, a pessoa já não está só. Construiu um centro pessoal a partir do qual pode se encontrar com todos os demais caminhantes. De solitário, faz-se solidário.
A geografia do mundo espiritual é diferente daquela do mundo físico. Nesta, os países se tocam pelos limites. Na outra, pelo centro. É a indiferença, a mediocridade, a ausência de paixão na busca de nosso eu profundo que nos distanciam de nosso centro, e assim perdemos as afinidades.
MELHOR SERVIÇO
Qual é o melhor serviço que posso prestar às pessoas? É ser eu mesmo como ser de relações e, por isso, sempre ligado aos outros.
A realização pessoal não consiste na quantificação de capacidades pessoais que podem ser efetivadas, mas na qualidade, no modo como fazemos bem aquilo que a vida nos cobra. A quantificação, a busca de títulos, de cursos sem fim, pode significar em muitas pessoas a fuga do encontro com a tarefa de sua vida: de se medir consigo mesmo. Foge no acúmulo do saber inócuo que mais ensoberbece e afasta dos outros do que nos amadurece para poder compreender melhor a nós mesmos e ao mundo.
A realização pessoal não é obra da razão, que discorre sobre tudo, mas do espírito, que é a capacidade de ser todo em tudo o que faz. Espiritualidade não é uma ciência ou uma técnica, mas um modo de ser inteiro em cada situação.
A primeira tarefa da realização pessoal é aceitar a nossa situação com seus limites e suas possibilidades. Em cada situação está tudo, não quantitativamente distendido, mas qualitativamente recolhido, como num centro. Entrar nesse centro de nós mesmos é encontrar os outros, todas as coisas e Deus.
O ÚLTIMO LIMITE
Outra tarefa imprescindível para a realização pessoal é saber conviver com o último limite, a morte. Quem dá sentido à morte dá sentido também à vida. Quem não vê sentido na morte também não descobre sentido na vida. Vamos morrendo lentamente, a prestações, porque, quando nascemos, começamos já a morrer, a nos desgastar e nos despedir da vida.
Essa despedida é um deixar para trás não apenas coisas e situações, mas sempre um pouco de nós mesmos. Temos que nos desapegar, nos empobrecer e nos esvaziar. Despojamo-nos de tudo, até de nós mesmos, no último momento da vida, na hora da morte, porque não fomos feitos para este mundo nem para nós mesmos, mas para o Grande Outro que deve encher nossa vida: Deus! Quem conseguir incorporar as negatividades, mesmo injustas, em seu próprio centro alcança o mais alto grau de hominização e de liberdade interior.
As negatividades e as crises pelas quais passamos nos dão esta lição: de nos despojarmos e nos prepararmos para a total plenitude em Deus.

10 de agosto de 2015
Leonardo Boff

"MÍDIAS SOCIAIS REDUZEM A CAPACIDADE DE APRENDER"


Richard Sennett, historiador e sociólogo norte-americano, é considerado atualmente um dos maiores intelectuais em sociologia urbana. Ele concedeu uma entrevista ao repórter Leandro Colon, correspondente do jornal Folha de S.Paulo, em Londres, publicada hoje. Para Richard Sennett, as redes sociais “tiram espaço para a surpresa e reduzem a inteligência do público”. Vale a pena conferir.
Richard Sennett

O sociólogo americano Richard Sennett, 72, afirma que a onda das mídias sociais tem reduzido a capacidade das pessoas de adquirir conhecimento externo.
Em entrevista à Folha, ele diz que o modelo cada vez mais customizado da internet cria um cenário sem elemento "surpresa" no cotidiano.
Um dos sociólogos mais prestigiados, Sennett publicou em 1977 o clássico "O Declínio do Homem Público", em que aborda, entre outras coisas, as mudanças de comportamento do homem desde o século 18, sobretudo em relação a intimidade, individualismo e exposição.
O que escreveu há quase 40 anos, diz ele, ainda se aplica hoje, agora num contexto do mundo eletrônico da web.
Nascido em Chicago, Sennett recebeu a reportagem na London School of Economics, onde leciona. É professor também da New York University e entre seus livros está "Juntos", obra de 2012 em que defende o conceito de cooperação entre os indivíduos.
O sociólogo, que integra a comissão de reorganização urbana de Atenas como parte da conferência da ONU de 2016 sobre o futuro das cidades (Habitat 3), diz que a criação de cooperativas informais é fundamental para países como Grécia e Brasil reagirem às turbulências econômicas.
Na entrevista, Sennet critica os shoppings no Brasil e as "cidades inteligentes".
O sociólogo estará em Porto Alegre no dia 24 de agosto e em São Paulo no dia 26 para palestras no evento Fronteiras do Pensamento.

FOLHA - Como o sr. vê as mudanças no comportamento das pessoas tantos anos depois de publicar "O Declínio do Homem Público"?
RICHARD SENNETT - Há 40 anos, havia muitas questões sobre a transformação da presença física das pessoas em público, e agora temos os mesmos problemas: perguntamo-nos sobre a presença na web. As mídias sociais aumentam a discussão entre o público e o privado.
Não tínhamos nada parecido nos anos 70 e fico impressionado como ainda nos atingem questões sobre a noção do uso de espaço público para autoexposição e interação real. Como analista social, é deprimente para mim que esses problemas persistam, agora no espaço eletrônico.

O sr. acha que atingimos o ápice da falta de privacidade?
O mais triste sobre o ciberespaço é que há cada vez menos chance para a surpresa.
Quando você caminha na rua, coisas que não espera podem acontecer. Quando está no Facebook, isso é feito tão sob medida que fica difícil a ideia de aprender alguma coisa que não soubesse, afinal, tudo é customizado, feito para seu perfil. Isso é um tipo de redução de quão inteligente o público a minha volta pode ser.

Por que o sr. critica as "cidades inteligentes"?
Elas removeram o elemento indutivo de aprendizado sobre o entorno. Como um dos líderes do Habitat 3, uma de nossas discussões é como evitar o mau uso da tecnologia que envolve a liberdade das pessoas. Essa tecnologia tem feito as pessoas ficarem sem pensar sobre isso.
Os governos autoritários, por exemplo, amam essas cidades, porque sua capacidade de vigilância é incrível. Há cidades americanas que usam os sensores de tráfego, de velocidade para coordenação, para identificar o número de motoristas negros e brancos. Isso acaba usado de forma diferente de seu propósito [original], vira um instrumento de dominação.

Recentemente, o sr. criticou o conceito de shoppings das cidades latino-americanas.
Fiquei impressionado com tantos estacionamentos nos shoppings no Brasil ocupando espaços públicos. São espaços cosmopolitas mal utilizados. Não há nada para fazer a não ser parar carros, as crianças não podem entrar nem usá-lo. Como na China, são espaços que separam a nova classe média dos pobres. Se você é pobre na China, não pode ir ao shopping.
O que os shoppings também fazem é destruir os negócios locais, isso é um grande problema aqui no Reino Unido, pois os centros das pequenas cidades não podem competir com grandes redes.

Qual sua opinião sobre a cidade de São Paulo?**
É uma cidade muito avançada, com muito capital humano. O grande desafio é como colocar essa capital para trabalhar para todos. Eu adoro São Paulo, é uma cidade de torres, mas também tem problemas de segurança. O trânsito nem me incomoda (risos), porque sou muito paciente, posso ver meus e-mails, ouvir música clássica, um violino de Wagner.

O sr. trabalhou na organização dos Jogos Olímpicos de Londres. A próxima Olimpíada será no Rio. Qual seu conselho para as autoridades?
Eu me envolvi no planejamento dos locais dos jogos, o que fazer com eles depois da Olimpíada. Queríamos evitar o que ocorreu com a Grécia em 2004 [após os Jogos, várias arenas foram abandonadas]. Os lugares precisam ser utilizados imediatamente após o evento. Se você espera cinco, seis anos, eles começam a se degradar, e é isso que tentamos evitar em Londres.

Passamos por uma crise econômica no Brasil, na Europa temos o exemplo da Grécia nos últimos cinco anos. O sr. acredita que seu conceito de "cooperação" entre as pessoas poderia ajudar esses países a superar tais problemas?
Não creio que possa ajudar a superar, mas acredito que pode ajudá-los a enfrentar os problemas. Conheço muito bem a questão da Grécia, por causa do Habitat 3. Lá, o governo tem falhado em apoiar isso, e a União Europeia basicamente criou um cenário de punição para o país.
Na Grécia, há cooperativas informais de família dividindo recursos. Uma delas, em Atenas, foi criada para garantir que as crianças tomem café da manhã antes de ir para a escola, porque uma das consequências da austeridade é que muitas famílias não conseguem garantir isso. O governo grego não faz nada.
Uma imagem global é sobre a necessidade da cooperação no local de trabalho. Mas na política econômica, se a estrutura formal de apoio falha, gera situações como a de Grécia, Itália, Portugal.
A cooperativa é a única medida de defesa. Um coisa terrível no liberalismo [econômico] é que as pessoas são cada vez mais donas de indivíduos em detrimento da cooperação informal.

O sr. acredita que haja uma solução para a Grécia?
Em 1953, 50% da dívida alemã foi abolida pelo governo grego, mas hoje isso é [usado como] um tipo de hegemonia, uma punição cruel. A Alemanha tem bloqueado qualquer tipo de alívio [aos gregos]. O país nunca vai se recuperar se toda hora tiver que pedir mais dinheiro para pagar dívida. Isso nunca deixará o país ser saudável.

Como vê o drama imigratório da África para a Europa?
É uma política de combate, sem muita esperança, porque estão mirando nos barcos, nos imigrantes que tentam chegar a Itália e Grécia. Entristece-me ver que a União Europeia está em colapso, não sabe o que fazer com um problema humanitário, como a imigração, e econômico, como as políticas de austeridade que estão falhando.

O sr. defende que as pessoas deveriam cada vez mais ter ações das empresas que trabalham. Isso não é uma contradição do modelo capitalista?
É um tipo de social capitalismo que contradiz o capitalismo liberal. No Reino Unido, na loja de departamento, John Lewis, os empregados têm ações. Depende de como se manuseia, do quão preocupada a empresa é com isso. Não se espera que o vendedor seja o dono dela, mas que o direito de ter ações lhe dê voz.
No regime liberal, o círculo de controle se reduz, cada vez menos pessoas tomam as decisões. Eu gostaria de ver o monopólio de empresas como Microsoft, Google, Amazon quebrado. Mas quando elas têm um competidor, compram-no ou fecham-no.
Quando começou a crise de 2008, achei que haveria um movimento para destruir isso, mas essas empresas se mostraram mais resistentes e sobreviveram.

10 de agosto de 2015
LEANDRO COLON
DE LONDRES