sábado, 1 de maio de 2010

O QUE ACONTECEU COM A IGREJA?

Como dizia W.Churchill, "Pode-se enganar todo mundo um certo tempo, mas não se pode enganar todo mundo, todo o tempo..." Há um momento, tanto na vida de um homem, quanto na vida de uma instituição, que a invisibilidade da túnica termina, e o menino, daquele conto de Hans Christian Andersen grita: "o rei está nu!"
Os escândalos sexuais que desabam agora sobre as catedrais, é o resultado de uma política de tolerância com padres que destroçaram a credibilidade e mancharam a dignidade de uma instituição. Sabemos que a nódoa de uma túnica, e no caso de muitas túnicas, contaminam as demais, por imaculadas que sejam. E os escândalos denunciados em todo o mundo, agora mancham também a credibilidade do Vaticano, de sua imagem maior, o Papa, e pode marcar uma revolução na Igreja.
Quando em 1996 o padre americano Lawrence Murphy, acusado por colegas de hábito, de práticas sexuais com crianças, a Congregação para a Doutrina da Fé, uma espécie de corregedoria interna do Vaticano, que decide que punição adotar para o crime ou ato denunciado, o comando da Congregação optou pelo silêncio e pela omissão. Segundo o New York Times, o homem do comando era nada menos que Joseph Ratzinger, que nove anos depois, tornar-se-ia o Papa Bento XVI.
O desastre da pedofilia ganha uma proporção desmedida, porque atinge a maior religião do mundo, com cerca de um bilhão de fiéis e quatrocentos mil sacerdotes. E a imprensa internacional não cala. Vem de longa data as denúncias de pedofilia contra padres católicos. Em 2009 veio à tona na Irlanda um dossiê relatando o abuso de 15.000 crianças, em mais de 250 instituições da Igreja no país, entre 1930 e 1990. A maioria meninos...
Aí o circo pegou fogo: 350 denúncias na Holanda; 300 na Áustria e na Alemanha...
Um relatório encomendado pela Conferência de Bispos Católicos dos EUA, apurou que 4% dos padres foram denunciados por abuso sexual de menores no país, entre 1950 e 2002. No resto do mundo, ainda segundo o relatório, a média estaria entre 1,5% a 5%. Enfim, pelos índices apontados, parece que o Vaticano admite que a proporção de pedófilos entre padres é maior do que na sociedade leiga.

O ano de 1976 assinala, diante dos fatos, o início de uma mudança dentro da Igreja: ocorria a transferência da questão, da ordem espiritual para a científica, admitindo-se que tais comportamentos eram frutos de distúrbios psicossexuais, o que apontou para a necessidade de avaliações psicológicas dos candidatos ao celibato religioso.
Mas a principal mudança veio agora, em 12 de abril, quando o Vaticano instruiu os seus Bispos, a tratar a pedofilia como um caso de justiça comum.
Se realmente isso acontecer, será uma revolução, considerando que a Igreja sempre se manteve afastada do poder do Estado.
O silêncio sobre os crimes internos foi ratificado até o século XX, No documento Crimen Sollicitationes, 1962, o Papa João XXIII, determinou que os abusos de crianças deveriam ser tratados pela Igreja em segredo total, sob pena de excomunhão.
Preservava-se o espírito corporativo da Igreja, com a destruição de todos os documentos que apresentavam provas, caso a denúncia fosse considerada infundada.
Em 2001, o cardeal Joseph Ratzinger ratificava o poder da Congregação para a Doutrina da Fé que continuaria a ter competência exclusiva em relação aos crimes de pedofilia.
Não se ventilava em hipótese alguma, a intervenção do Estado laico nos assuntos internos da Igreja.

Agora, ao admitir a intervenção da Justiça do Estado no crime de pedofilia, Bento XVI deu um pequeno grande passo, ao tirá-lo do jugo da divina justiça e passá-lo a justiça dos homens.
Será que a Igreja saberá lidar com a justiça dos homens, depois de milênios, apenas respondendo diante das leis divinas?
Acredito que será feito um grande projeto de remodelação do cânone católico, para salvaguardar a própria sobrevivência da Igreja... Resta saber se o projeto dará certo...
Lembro-me de Voltaire: "écraser l'infâme!"
Alguma coisa muito próxima daquele senador romano, Catão, que em toda sessão do Senado bradava: "delenda Cartago! "
"Há mais coisas entre o céu e a terra, do que sonha a nossa vã filosofia..."

M. AMERICO