A ironia terá sempre o seu lugar no planeta do riso. Sim! É um lugar privilegiado, de onde podemos sorrir de nós mesmos, sem constrangimentos, já que todos à nossa volta estão fazendo o mesmo, silenciosamente ou espalhafatosamente. Seria assim, uma espécie de iniciação a seriedade do riso! Algo profundamente místico e esotérico, a que só alguns poucos beatificados teriam acesso (inclusive de raiva!), depois de longas peregrinações por dentro de si mesmos.
Aff! Que o caminho é difícil todos concordamos, afinal já faz parte da sabedoria popular que moleza só em colchão d'água ou pudim de coco. Versões mais modernas apontam para a gelatina diet. Quero dizer apenas, que a ironia é uma grande porta de incêndio, por onde sempre conseguimos escapar. Sócrates que o diga!
A minha amiga Miloca (apelido carinhoso e pouco esnobe do nome Mildred), ponderava comigo sobre a dificuldade de dietas saudáveis, mergulhados que estamos no paraíso do paladar exacerbado. Macarrão ouvia, olhar de soslaio, mas sem interromper a fala da Miloca, que dividida entre a consternação e a fúria, esbravejava por ter de abandonar seus chocolates e chantilys, além da 'saborosa gordura' dos torresmos e feijoadas à mineira. Sem falar da caipirinha...
Lembrando-me do nosso papo, resolvi prescrever recomendações aos exacerbados que tombaram (tombam e tombarão) heroicamente no campo de batalha
Depois da esbórnia, do espalhafato, do estandarte verde-amarelo com plumas azuis, não adianta arrependimento nem consternação. Resta-nos, deploravelmente, abdicar do reino da comilança e da "beberança", e adentrarmos, quixotescamente, contra todos os moinhos de vento, no mundo da escassez de prazeres, a essa altura considerados mórbidos.
Olhar de frente, redimir-se ou esforçar-se por redimir-se dos pecados da gula escancarada; encarar a dieta e bater no peito como um Tarzan urbano, pendurado num 'cipó-frasco', cheio de pílulas para a inapetência, é pura covardia!
O negócio é encarar sozinho, mãos espalmadas, vazias, olhar duro, do tipo vilão do faroeste, pronto para sacar; encarar destemidamente, aquele ronco assustador que sobe das entranhas, que vem lá do fundo das tripas, quando a memória nos trai mafiosamente e joga à tona dos nossos olhos, imaginárias e deliciosas visões da abundância cheirosa dos filés, com amplas lapas branco-amareladas de gordura, dos frangos xadrezes boiando em puro 'pequim' de estranhos odores de condimentos e sabores agridoces; da 'gordurama' que se derrama daquele pedaço esplendoroso de picanha gaúcha ou argentina - a essa altura da fantasia não perdemos tempo com reles detalhes do tipo Maradona ou das cacetadas que os argentinos dão na gente, quando a pelota passa entre as canetas.
Mergulhamos de cabeça! Doces lembranças do passado recente, tormentosas lembranças... Estapafúrdias!
Aí acordamos, como aquele sujeito de uma antiga propaganda da pizza Perdigão, dando uma bocada no espaço vazio, lambendo o nada, olhos esbugalhados, como quem busca a salvação! Deus é fiel! Aleluia, irmãos!!!
Mas não adianta. Nada dessas fantasias adianta. O negócio é sério. Temos de aprender a sonhar com a alface, o jiló, o chuchu, o repolho, a couve (santa couve!), Deixar de lado esse maldito malte escocês e a p... da cerva gelada e partir para um delisioso suco de melancia com gotinhas de limão. Nada daqueles estranhos e misteriosos salgadinhos, que como menininhas de programa, teimam em acompanhar o maldito escocês e o alemão da Bavária.
O negócio agora é aprender a sonhar o insosso, como um monge tibetano. Disciplina, exercícios e água fria. Por exemplo: falar "inconstitucionalissimamente" com a boca cheia de lêvedo de cerveja em pó (não precisa ser gelado, para não despertar a concupicência!). Eis aí, um tremendo exercício para a purificação!
(Falando nisso, por onde andarão os monges tibetanos? Será que descobriram o Ocidente e se ocultaram em alguma churrascaria ou pizzaria e estão fazendo a festa?)
O negócio agora é aprender os deliciosos devaneios vegetais. Mergulhar no reino verde da esperança e almejar um dia voltar a ter a oportunidade de lambiscar um petisco envenenado de malagueta no Boteco do Libório, aqui e acolá; um "golinho" aqui e outro aqui também e depois ali, e por aí afora.
Nada daqueles haréns prazerosos, de carnes gordas e fartas... Pernil pra todo lado... Nada de lambuzados e "escorrelentos" néctares paradisíacos do reino dos chocolates e achantilysados. Fora! "Vade retro satanás!"
Inevitavelmente, um dia chega o tempo da parcimônia, o tempo do silêncio. Temos de aprender novos sonhos e o convecimento de que até mesmo é preciso inovar oniricamente, sob a pena de resvalarmos para as profundezas pagãs dos banquetes de todos os tipos.
Não adianta blasfemar contra os almeirões e os alhos. Na santa e recatada humildade, eles vão fazendo a faxina, assim como quem não quer nada.
Não adianta espernear! Olhemos com seriedade o licopeno e o magnésio do tomate, o manganês do espinafre, o zinco da couve, o cálcio do repolho... Permitamos que eles "faxinem" os arredores do nosso corpo, meta a escovinha naquele canto meio "obscurecento" e malcheiroso.
Deixem que o silício da vagem faça uma varredura, pô! Eles estão preparando o salão para as novas "furdunças"!
Na vetusta Inglaterra, o chá ocupa a mesa dos monarcas e dos súditos. Há toda uma reverência, um ritual, um salamaleque, uma mística envolvendo o prazer da "bebericagem".
É preciso aprender com os ingleses! Não só a sua pontualidade (que eu já ouvi dizer que é um mito!) - no que já demonstramos uma incapacidade inata - mas aprender também o prazer dessa "bebericagem". E cairmos em cima do quebra-pedra, da camomila, da erva-tostão, da abútua... Pararmos com essa frescura de ficar assim, meio arredios, meio envergonhados, do cara que chega e pergunta com deboche: "Que m... é essa, bicho? Pô cara, que cheiro esquisito! Não tem uma cerva, não?"
Aprendermos a ter respostas céleres, rápidas como quem rouba, para essas emergências, do tipo, por exemplo: "deve ser o seu nariz, cara, "olfatando" alguns dos seus poucos neurônios! Isso aqui, bicho, é pura arginina, saca?" (Ainda se diz "saca", ou já estamos em outra?)
Coisa rápida, até mesmo mais criativa, se for possível, é claro, porque no início ficamos assim, meio inibidos, já que a gente também não põe muita fé...
Aliás você já reparou que ficamos sempre "meios", né? É de ficar pela metade, que advém uma certa dificuldade para as coisas imediatas, que nos requerem sempre por inteiros.
Mas enfim, já que é para encarar, encaremos! Sem dó nem piedade, principalmente se for o próximo.
Vale tudo para curar a esbórnia de tantos anos, e voltarmos renovados para o Reino da Abundância e da anarquia, o que nesse Brasil é uma toca rara. Refiro-me somente a abundância...
Machado de Assis apregoou as batatas ao vencedor; apregoemos nós o chazinho de "todo-o-dia", aos que precisam se tornar vencedores. E não esqueçamos as vagens!!! E mais uma coisinha: nada de depressões e pessimismos! Nada de sonhar com colchões d'água, porque isso quebra a temperança. Agora, depois da esbórnia (foi bom enquanto durou!) é sonhar com o joelho no caroço de milho! Aff!!! E como dói!
M. AMERICO