terça-feira, 30 de junho de 2015

CORDELANDO 120: MANIHOT ESCULENTA



Muitos não vão conhecer,
A personagem da vez.
Chamando assim em latim,
Não vai despertar vocês.
Mas vamos aqui tratar,
Duma conquista importante.
Falamos da mandioca,
Nem sempre tão elegante.

Como é uma raiz,
Formas estranhas assume.
Diferente do normal,
Causando muito queixume.
Parece coisa do mal,
Escondida até moer.
Que ensinados pelos índios,
Aprendemos a colher.

Macaxeira ou aipim,
Também se chama a danada.
Come cozida ou frita,
Com bode ou carne assada.
Delícia e nutritiva,
Barata, serve até pobre.
Pelo sabor e o cheiro,
Anda na mesa do nobre.

Mas dessa vez ressurgiu,
Na imprensa despontou.
Quando nossa governANTA,
No palanque mencionou.
Elevando a tema nobre,
Num discurso atrapalhado.
Agradecendo aos índios,
Por conta desse legado.

Fez até uma mistura,
Esquisita qual o que.
Misturando com espiga,
De milho pra se comer.
A duplinha não é ruim,
É nutritiva demais.
Mas na fala da dentuça,
Sentido quase não faz.

Tem uns usos esquisitos,
Que às vezes se faz dela.
Aplicando em orifícios,
Sem  nenhuma churumela.
Vão parar em hospital,
E sempre se envergonhando.
Respondendo pro doutor,
Por que estava enfiando.

No caso da soberana,
Esta questão não teria.
Pois se ela não fizesse,
Muita gente até faria.
Com raiva do que se passa,
Dentro e fora do Brasil.
Enfiavam até o talo,
Bem na porta do covil.

Fêmea sabida danada,
Da espécie a evolução.
Homo Sapiens no topo,
Acima até do leão.
Achando pouco o que fala,
Darwin o pesquisador.
Criou até mulher sapiens,
Chocando todo orador.

Depois daquele episódio,
Do cachorro escondido.
Achei que ninguém passava,
Por mais um grande perigo.
Mas nunca se subestima,
A dona que nos governa.
Ela diz outra besteira,
Na hora que não se espera.


30 de junho de 2015

VIDA MIMIMI: PESSOAS QUE TÊM MEDO DE VIVER


Eu não entendo, realmente não entendo essas pessoas que tem medo de viver.


O que é medo de viver? Medo de se relacionar, de amar, medo de relaxar, de curtir, medo de sentir prazer e gostar, medo de descer pro parque da vida e brincar!

Conheço vááááááárias pessoas assim!

Confesso que sou um tanto quanto kamikaze, sempre fui, aliás, já fui mais até, hoje ainda dou uma refletida antes do salto. Mas não deixo de pular.

Dia desses, uma colega me contou que dando uns amassos com um gostoso-da-vida, veio uma vontade repentina de gozar, e ela cortou o rapaz! E eu perguntei: Mas porquêeeeeeeeeeeee porraaaaaaaaaaaaaa??? Segundo ela, não podia gozar porque ia perder a cabeça. Oi??? Na hora pensei: Imagina quantas oportunidades ela não está perdendo na vida? Porque quem se priva de um orgasmo, faz coisas muito piores consigo na vida.

"Fazemos uma coisa, como fazemos todas as coisas". T. Harv Eker.

Nessa pegada de relacionamento eu vejo gente com medo de quase tudo: de se apaixonar, de amar, de se envolver (esse então!), de dar no primeiro encontro, de ligar, tudo por causa do medo do tal do sofrimento! E com isso, perde-se a estupenda chance de viver um grande amor, ou não. Uma só noite de prazer intenso, ou não. Aventuras-sexuais-românticas-sem-noção, ou não. Enfim, pode ser que sim, pode ser que não, só se sabe quando desce pro play.

Mas tem também os medos de se aventurar no negócio dos sonhos, de largar aquele emprego infernal, de sair da casa dos pais, de separar, de investir em si mesmo, de mudar a aparência e uma infinidade de etc. É aquele apego infernal à tal da segurança. E, a única coisa certa e segura na vida, é que nada é certo e seguro. Nós fazemos o momento. Agora se você perder timing, fudeu! Sabe o quê é o timing? É aquela coisa que bate lá dentro e diz: Vai!

Então, vou te contar:
Não sei quantas pessoas já desvirtualizei de bate papos virtuais e todos são grandes amigos, ex-namorados ou ficantes. Ops, o atual, é namorado! Mas começou com uma pegação das boas.
Não sei quantos projetos malucos já meti as caras sem saber se ia dar certo.
Não sei quantas vezes me mudei e morei em todo tipo de lugar, pensionato, quarto, apartamento, vaga, tudo isso em busca da liberdade.

Mas, me falta muuuuito ainda no currículo:
Turnê de festas (sou muito caseira), sair para viajar sem rumo, trabalhar pelo mundo de forma remota, conhecer culturas diferentes e uma infinidade de experiências que dão luz à alma da gente.

A vida é feita disso: de paixões, tesões, alegrias, tristezas, baixos e profundos, altos e esfuziantes. Mas morno? Mais ou menos? O nome disso é Vida Mimimi.

Causada obviamente, pela enormidade de regras de conduta social que cada um se impõe a viver. Regras loucas, metas de vida malucas, desejo de ser exemplo de conduta, santa(o) ou ser aprovada(o) por esse e aquele, pai/mãe ou amigos. Não somos obrigados a seguir nada, ninguém é. A gente compra a idéia e se fecha nela. É a coisa do pecado, do errado, e do ostentoso viver em absoluto prazer e divertimento.

Mas tudo na vida é uma via de mão dupla. Da mesma forma que tais regras entraram na sua e na minha cabeça, nós temos a escolha pessoal de simplesmente mandá-las embora. É uma questão de escolha. Viver a vida como ela deve ser vivida, ou ser medíocre consigo mesmo(a)?

Meu conselho:
Se joga!
E nunca, em hipótese alguma, se arrependa de nada!
Antes viver, do que deixar a vida como uma folha em branco.


30 de junho de 2015
Monik Ornellas

O MUNDO ENCANTADO DO CRIME

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Três andares de pura bandidagem

Falta de museu em Washington é que não era. Há mais de 100 anos a capital americana se orgulha de abrigar o mais grandioso complexo museológico do mundo - a Smithsonian Institution, que hoje engloba, além da majestosa National Gallery of Art, dezoito outros museus de grande porte, todos com entrada franca, sem falar nos nove centros de pesquisa atrelados à entidade.

O que, então, veio fazer na cidade o Museu Nacional do Crime e do Castigo, cujo ingresso custa 18 dólares e é criação de um forasteiro chamado John Morgan, que veio de Orlando, Flórida, a terra da Disneyworld? "Nós americanos somos fascinados por crime e não havia nada no país que contemplasse direito esse nosso fascínio", explica o empreendedor sulista, que investiu 21 milhões de dólares no projeto. A idéia lhe ocorreu durante uma viagem a São Francisco, na Califórnia, quando tentou conhecer a ilha-presídio de Alcatraz, hoje desativada e vazia. Descobriu, com espanto, que havia uma espera de oito dias para conseguir ingresso. Tratou de furar a fila mediante o repasse de algumas notas de 100 dólares, e chegou à conclusão que ali havia um filão a ser explorado.

Apostou certo. Desde a inauguração, em maio passado, o prédio de três andares e aparência velhusca, situado a treze quarteirões da Casa Branca, tornou-se uma das atrações turísticas mais populares da cidade. Aberto 12 horas por dia, sete dias por semana (com exceção do Dia de Ação de Graças, Natal e Ano-Novo), o Museu do Crime espera comemorar a marca dos 700 mil visitantes ao completar um ano de vida. Estava particularmente abarrotado na véspera do dia da posse de Barack Obama devido ao influxo de turistas de outros estados.

Já no saguão de entrada, junto à bilheteria, está exposto - ou melhor, escancarado, com suas quatro portas abertas ao fascínio do visitante - um dos troféus mais reluzentes do acervo: o opulento automóvel Terraplane de 8 cilindradas bordô metálico com o qual John Dillinger empreendeu uma de suas fugas mais espetaculares da cadeia. O mesmo Dillinger, cuja folha corrida de assaltos a bancos e escapadas teatrais fascinou a América da Grande Depressão, tem direito a uma ala própria no 2o andar. É ali, também, que repousa a máscara mortuária em gesso do gângster que tanto trabalho deu ao diretor do FBI da época, o igualmente lendário J. Edgar Hoover.

Mas é o lado parque temático do museu, que convive sem conflitos com o acervo histórico, o grande responsável pelo sucesso do empreendimento. Para começar, metade dos mais de 700 artefatos, peças e objetos espalhados pelos 2 600 metros quadrados do casarão de três andares é réplica. Passa- se, assim, do autêntico canivete Bakelite utilizado pelo Estrangulador de Boston para aterrorizar mulheres (matou 13), para o Ford V8 cravejado de perfurações usado não pelo casal de salteadores Bonnie e Clyde, mas por Warren Beatty e Faye Dunaway no papel da dupla, no filme de Arthur Penn. A impactante cadeira elétrica em carvalho claro e correias de couro gasto, fabricada pelos presos da penitenciária de Nashville, no Tennessee, e batizada de "Churrasquinho" (Old Smokey), é autêntica. Foi aposentada em 1960, após eletrocutar 125 condenados à morte. Já a sinistra câmara de gás em tamanho natural, com cadeira no mesmo tom gelo metálico, é falsa. O visitante é informado que, devido a seu alto custo de fabricação (cerca de 300 mil dólares a unidade) e ao perigo de vazamento, esse método de execução sobrevive em apenas quatro dos 50 estados americanos.

Para narrar a história do crime na América, o curador Paul Burns, egresso do programa de televisão Acredite se Quiser, atirou para todos os lados, amealhando fatos e artefatos que nem sempre têm relação com o propósito original, mas que acabam alimentando a curiosidade dos visitantes. Famílias inteiras podem ser vistas preenchendo sofregamente um questionário que testa conhecimentos sobre a última refeição pedida por vilões famosos. Saddam Hussein? Acerta quem responde frango cozido, arroz e água com mel. Timothy McVeigh, o terrorista americano que em 1995 explodiu um prédio em Oklahoma City, matando 168 pessoas? A resposta correta é 1 litro de sorvete de chocolate com menta. Ele era vegetariano.

As 28 estações interativas do museu, nas quais se pode brincar de bandido ou mocinho, costumam ter fila de espera. Algumas delas são curiosas, como o simulador de situação de tiro - em que momento dar o primeiro disparo? - utilizado no treinamento de agentes do FBI. Ou o simulador de perseguição policial, empregado nas academias de polícia. Para quem se habituou às cenas de faroeste urbano no Brasil, a mesura americana parece estranha.

O museu também ensina a arte de quebrar o segredo de um cofre por meio do uso científico do som, e demonstra quão precária é a nossa memória no momento de reconstituir uma cena testemunhada poucos minutos antes. Em outro andar, uma detalhadíssima cena de crime, montada numa réplica de quarto de casal, serve para mostrar as várias etapas de uma investigação policial.

As salas reservadas à ciência forense também são interativas: balística, toxicologia, impressões digitais, reconstrução facial e dentária, aplicação de teste de DNA, autópsia com direito a um "cadáver" do sexo masculino estendido numa maca de necrotério, nada falta.

Para garantir o caráter edificante da empreitada, o setor dedicado ao castigo e às consequências do crime tem pretensões educativas. É possível, aí, sentir o desconforto diante de um polígrafo, submeter-se à simulação de ser preso numa delegacia ou admirar a galeria dos heróis do combate ao crime. Para a criançada há caixinhas com perguntas-surpresa instaladas por todo o museu. Exemplo: Quando eu incluir um nome na minha lista de amigos, o que é importante? a) Botar muitos nomes para mostrar que sou popular. b) Só botar quem conheço. c) Botar quem pedir para entrar na minha lista, para eu parecer bonzinho.

As crianças, claro, preferem correr para o estande de tiro da seção faroeste, fornida de carabinas de época e marcada por uma trilha sonora de tiros, cavalgadas e relinchar de cavalos.

O museu criado por John Morgan em parceria com John Walsh, o idealizador do programa America's Most Wanted (que há vinte anos dramatiza crimes não solucionados e já ajudou na captura de mais de mil fugitivos), é sob medida para uma sociedade que toca a vida carregando o peso de ter o maior número de presos do planeta. Pela primeira vez na história do país que tem 5% da população mundial e 25% de todos os presos do mundo, quase 1 em cada 100 americanos está atrás das grades
30 de junho de 2015
 Dorrit Harazim

VENDE-SE UMA VIDA

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Quando o golpe é duro, dê adeus a si mesmo

Ian Usher sempre foi turrão. Entre amigos, o inglês se vangloriava do dia em que insistira tanto em ter desconto num notebook em promoção, que acabou levando uma impressora de brinde. 
Desde 22 de junho do ano passado - quando leiloou sua vida na internet -, Usher se deu conta de como a arte de pechinchar pode ser irritante. Foram sete dias de ofertas e contrapropostas até a martelada final nos 243 mil euros, um deságio de 18% na sua auto-estima. Dias antes, depois de sopesar cada detalhe de sua vida e olhar-se no espelho de frente e de lado para avaliar desde a harmonia do rosto ao vigor da barriga tanquinho, Usher concluíra que o pacote todo valia 296 mil euros - por baixo. Mas mercado é mercado, e, como o dele era escasso, aceitou o preço minguado e livrou-se de si mesmo. 

A história correu mundo, mas poucos sabem como acabou. 

Prólogo: Usher, o homem-mercadoria, nasceu numa tarde chuvosa de 1963 pesando invejáveis 4,1 quilos, sinal incontornável de que viera ao mundo para ficar. Levou uma infância pacata em Barnard Castle, vilarejo de 5 mil habitantes onde o romancista Sir Walter Scott costumava passar férias. Cresceu, trabalhou num kibutz em Israel, formou-se em pedagogia em Liverpool, ganhou dinheiro à frente de uma loja de jet ski e viajou a turismo para a Austrália. Ali, numa visita às Cataratas de Hopetoun, foi arrebatado pelos dourados cachos rebeldes da nativa Laura Weeb, encarnação celestial da mulher com que sempre sonhara. 

Regressou à Inglaterra de mãos dadas com a australiana. Seguiram-se doze felizes anos de namoro que culminaram em casamento. Àquela altura, cansada de tanta chuva, a solar Laura Weeb pediu para voltar a seu país. Sempre apaixonado, Usher não hesitou.

Instalaram-se numa casa de bom trato na cidade de Perth, no sudeste da Austrália. A felicidade se estendeu por mais cinco anos, e podia ser aferida em cada cômodo da residência, dotada de suíte, dois quartos, salas espaçosas e uma jacuzzi no terraço. 

Foi em águas borbulhantes que a casa caiu. Um dia, ao chegar mais cedo da habitual corrida vespertina, Usher deparou-se com Laura na hidromassagem. Infelizmente, não estava sozinha. Pior, trocava beliscões concupiscentes com um companheiro de borbulhas. 

Laura foi embora, o lar duplicou de tamanho e Usher foi apanhado pela depressão. Dali a poucas semanas, decidiu vender a casa, mas nem isso lhe pareceu suficientemente radical. Para encontrar alguma paz, precisava livrar-se de tudo. Tudo mesmo, inclusive de sua vida. Criou então o endereço eletrônico alife4sale.com, um jogo de palavras que significa "uma vida à venda".

Empacotou tudo para um leilão de um lote só. Quem desse o maior lance levaria não apenas a casa, mas também o Mazda cinza 1989, a motocicleta Kawasaki Ninja 1996, o jet ski Kawasaki 1995 e a bicicleta de quinze marchas. E mais: 1 pára-quedas, 1 videoprojetor com som surround, 1 câmera fotográfica, 1 filmadora, 1 televisão, 1 coleção de filmes italianos trash, 1 churrasqueira portátil, 1 barraca, 1 telefone sem fio, 1 aspirador de pó novinho em folha, 1 sofá de canto para cinco pessoas e 1 tapete em tons de bege comprado no Nepal. 

Isso, em relação aos bens materiais. Restavam os imateriais, também levados a leilão. A amizade era um deles. O lote incluía uma carta assinada pelos quatro melhores amigos de Usher, na qual afiançavam que o afeto pelo amigo em vias de desaparecer poderia ser transferido ao novo proprietário. "Caro comprador", escreveram eles, "fazemos parte da vida do seu comprado. Éramos amigos de Usher e, agora, somos amigos seus." 

Enfim, para os interessados que carecessem de personalidade própria, o produto adquirido vinha com uma vida inteirinha pronta para uso, ou seja, suas características podiam ser imediatamente incorporadas: gosto por esportes radicais, gentileza, deferência especial com os mais velhos etc.

Ian Usher não foi o pioneiro dos leilões de si. Em 2001, por exemplo, Adam Burtle, de 20 anos, vendeu a alma por 400 dólares, só não embolsando o dinheiro porque o site eBay avisou que ali só se vendiam bens tangíveis. Ainda assim, Usher se destacou. Durante algum tempo, de CNN a BBC, todos falaram do caso. Passada a euforia, entretanto, o fato caiu no esquecimento, como tantas bizarrias mundo afora. (Ou alguém sabe que fim levou aquela pobre senhora alemã que em 2007, um pouco dura de ouvido e ruim dos olhos, cozinhou o gato de estimação no lugar do pernil que descongelara na noite anterior?) 

No terceiro dia da oferta, Usher vibrou ao ver na tela que um interessado registrado como "Milionaire" (sic) oferecia-lhe um milhão de euros. Em poucas horas, veio a desilusão: tratava-se de um farsante. Na verdade, a chance de virar Ian Usher não chegou a despertar maiores entusiasmos. As ofertas do público foram modestas, variando entre mil e 20 mil euros. Porém, como nos filmes, a poucas horas do encerramento do leilão, surgia um certo Mslmcc que se dispunha a bancar o lance de 243 mil euros. Usher pensou um pouco e, admitindo as baixas vibrações do mercado, aceitou o desconto. Em 5 de agosto, 45 dias depois de se pôr à venda, recebia de um intermediário a segunda parcela do pagamento. 

Livre de si, Usher embarcou para Dubai - sem outra razão a não ser o desejo de ver um camelo ao vivo - e desde então viaja pelo mundo em esquema pingue-pongue, a bordo de um projeto intitulado 100 Objetivos em 100 Semanas - ou seja, está por aí, realizando todas as idiotices com que sempre sonhou, nas asas do dinheiro recebido pela venda de si mesmo. Já viu um vulcão ativo no Havaí, participou da guerra de tomates em Valência e, em Vancouver, foi voluntário num sopão para mendigos em pleno Natal. Ainda não tem data definida para visitar o Rio de Janeiro e as Cataratas do Iguaçu, mas ambos os destinos estão na lista. 

Em outubro do ano passado, em Chicago, enquanto se surpreendia com seu reflexo distorcido numa escultura convexa de Anish Kapoor, Usher recebeu o telefonema que tanto esperava. Fazia meses que vinha ligando para o único número deixado pelo homem que o comprara; ao ouvir a secretária eletrônica, deixava recados insistentes, dizendo que, se não fosse um abuso, gostaria muito de conhecer a pessoa que se tornara dona do seu passado. Agora a pessoa finalmente aparecia. A voz, simpática, identificou-se como um australiano de 46 anos. Marcaram para dezembro um encontro em Sydney. 

O abraço entre os dois foi afetuoso. Usher deixou a vaidade passar na frente e se deu a liberdade de comentar que o comprador tinha feito um bom negócio. O comprador, que continua a preferir o anonimato, respondeu com uma piadinha: tinha sido injusto não incluir a ex-mulher no pacote, a título de brinde. 

Não havia mais o que dizer. Usher trocou mais algumas palavras, inventou uma desculpa e se despediu. "Ele não devia ter brincado com a Laura", disse. "Ainda estou me recuperando do que aconteceu."
30 de junho de 2015
Bruno Moresch

POST HATERS, OS DITADORES DE OPINIÃO

Estamos vivendo a ditadura da Opinião.
É proibido tê-la, como também é proibido, não tê-la.


A não ser que você seja altamente, totalmente politicamente correto, um ser mamão-com-açúcar, um morde-assopra ou qualquer coisa que agrade à todos e não mexa com nenhum grupo sei-lá-do-quê, tu tá fudido amigo!

Vivemos o momento da segregação, você precisa optar por um lado, o significa não ser do lado oposto, muito embora, em qualquer um dos lados que escolha, fatalmente, você será ser atacado de todos os lados.

Se você gosta de comida vegana, será repudiado por quem não gosta de legumes, não necessariamente, por quem é carnívoro, mas também;
Se gosta de sertanejo, será repudiado pelos pseudo-culti-musicais;
Se gosta de funk, depende, porque está moda odiar funk, como também está na moda venerar o funk;
Se não gosta de MPB, os pseudi-culti-musicais também vão te crucificar e assim sucessivamente para Rock, POP, Música Clássica ou seja qual for o gosto musical que tiver;
Se gosta de Paulo Coelho, 50 Tons ou Crepúsculo, se mata!
Se não curte lances radicais, tu é um merda sedentário-da-porra;
Se curte skate, é odiado por quem curte bike;
Se curte bike, é carcado por quem é pedestre;
Se gosta de golf ou tênis, tu é um riquinho-metido-de-merda;
Se, se amarra em Marte, você é hippie-sem-noção ou será tachado por quem curte Júpiter...
E não tem fim.

Embora todos queiram e tenham uma opinião, é proibido tê-la, a expor, beira a crucificação. Pessoas perdem emprego, são excluídas de redes sociais, marginalizadas virtualmente e em muitos casos, fisicamente.

Sim, existem pessoas que de tão radicais em sua opinião, são intoleráveis. Mas não é sobre isso exatamente que estou falando, e sim sobre esse fechamento mental para a verdade e a realidade que é do outro.

Os haters, nada mais são que uma resistência, 
à qualquer coisa que não faça parte do seu "mundinho".

Rola uma incapacidade em lidar com o novo, o diferente e o externo, pois estes abalam suas convicções pessoais. Fora que, a resistência nos tira do fluxo das coisas.

Embora eu e você tenhamos o direito de achar aquela música uma merda, é melhor fazer off-topic, sem ninguém saber, porque divulgar gostos e desgostos anda sendo quase um suicídio virtual. É bem provável, os fãs da música/cantor te massacrarem. Ao mesmo tempo, se você gostar muito de algo que não é senso comum, ou que esteja fora do poder de alcance de pelos menos 50% da sua rede, tu também se fode, e muito!

Vivemos uma guerra de opiniões, retratada na violência virtual, nos ataques, nos posts de repúdio.

Nossas guerras todas se trataram sobre quem estava certo ou não, e continuamos nessa pegada, só que agora num mundo globalizado, onde ao invés de aprendermos com o universo do outro, o atacamos.

Não podemos ser crentes, nem macumbeiros, nem sem religião, nem homo, nem hetero, nem bi ou trissexual, nem de cor, nem sem cor, nem porra nenhuma, porque ser de um "tipo", significa não ser de outro "tipo", e um não aceita o outro, daí rola uma porradaria porque estamos vivendo uma sociedade hipócrita pra-caralho, onde todo mundo deseja um mundo bunitim, limpim, organizadim, mas tasca-lhe porrada pra todo lado quando alguém não se enquadra na fôrma. E mesmo quem se contorce para se enquadrar na maldita fôrma, sofre represálias de quem tá fim de ser "livre".

E minha pergunta é: Mas que porra de liberdade é essa que precisa do ok do mundo para ser livre?

Cara, vive a tua vida! Com maestria, com presença, com beleza! Dá um trabalho da porra viver a própria vida, e se fizer isso com total abandono, não sobra tempo para essas merdas todas.

Beije quem quiser, faço o quê e como fizer, não importa se de esquerda, direita ou do meio, só faça o que te apraz, e se, cada um fizer o seu, sem ficar comparando com o tamanho do pau do outro, ficaremos todos leves e tranquilos dentro das nossas próprias escolhas.



A Terra é um planeta de diversidades. Imagine se a tundra, competisse com o deserto que quisesse acabar com as calotas polares que estão em guerra com as savanas? O planeta implodiria. Qualquer coisa diferente do que não é igual, nos levará à extinção, seja por um DNA monótono em criatividade para expansão, seja pelas mãos daqueles que se matam, por terem escolhas e opiniões adversas.

Simplesmente viva a tua vida! Não só fale de paz, mas seja a paz. Começando pelo respeito ao outro sob todos os aspectos, mesmo aqueles de difícil compreensão. Se possível, permita-se aprender sobre as diferentes nuances de escolhas e realidades que esse planeta pode te oferecer, temos hoje em dia a oportunidade fenomenal de compartilhar tudo isso em tempo real.

São mais 7 bilhões de realidades simultâneas, 7 bilhões de verdades, de certos e errados. Existe alguma melhor que a outra? Pensa aí, reflita e vê se abre a mente.


Abraços!
Monik Ornellas

30 de junho de 2015

segunda-feira, 29 de junho de 2015

O CINEMA DA TELEVISÃO



Em O Bem Amado, Guel Arraes reafirma uma das tendências centrais da cinematografia brasileira atual


Desde 1915, quando estreou O Nascimento de uma Nação?- clássico dirigido por D. W. Griffith?-, e o cinema se tornou entretenimento de massa, várias tentativas são feitas para descobrir a pedra filosofal. Como os alquimistas na Idade Média, a opus magna dos produtores passou a ser transformar metais inferiores em ouro, melhor dizendo, roteiros em filmes lucrativos. Devem restar poucos sábios à procura da transmutação da matéria e do elixir da longa vida. Produtores em busca da equação do sucesso comercial, porém, se multiplicam em progressão geométrica, mesmo o cinema sendo, na definição de René Bonnell em La Vingt-Cinquième Image (inédito no Brasil), uma "indústria de protótipo"?- objetos únicos com características artesanais que costumam fracassar quando fabricados em série.

A fórmula de O Bem Amado, dirigido por Guel Arraes, contém diversos ingredientes que podem parecer promissores: uma marca consagrada em três versões?- telenovela, exibida em 1973, seriado com 220 episódios, de 1980 a 84, e, finalmente, peça reencenada a partir de 2007?-, todas baseadas em Odorico, o Bem-Amado, de Dias Gomes, escrita para o teatro em 1962. Ao texto de origem foram adicionados condimentos escolhidos a dedo: roteiro escrito por Guel Arraes e Claudio Paiva, autor de programas humorísticos; Marco Nanini no papel do prefeito Odorico Paraguaçu; canção inédita de Caetano Veloso; e belas praias, além de outras substâncias menos determinantes.

Essa receita foi capaz de atrair recursos suficientes para produzir O Bem Amado com orçamento generoso?- o valor de captação aprovado foi de 9.827.055,25 reais?-, um dos mais altos do cinema brasileiro. Beneficiadas por incentivos fiscais, empresas estatais e particulares patrocinaram a produção sem correr risco, por não investirem recursos próprios. Apostaram, mais uma vez, acreditando que o resultado reluziria como ouro. E tranquilos, pois ninguém os acusaria de heresia ou satanismo se não acertassem, e nem seriam queimados na fogueira.

Além do canto dos cifrões, a mística do cinema continua a influir, seduzindo profissionais da televisão. Para eles, os filmes preservam uma certa aura que suas produções televisivas não teriam. Querem prestígio e reconhecimento pessoal em setores que, por preconceito, não valorizam seu trabalho. Parecem ignorar que chegam atrasados a uma forma de expressão artística considerada, por muitos, decadente há décadas. Nessas condições, o máximo que conseguem fabricar, de maneira geral, são subprodutos de linguagem híbrida?- televisão filmada que pode ou não obter sucesso comercial. O Bem Amado confirma essa tendência do cinema brasileiro de se tornar uma subsidiária da tevê, produzindo filmes simplórios que se diferenciam pouco uns dos outros.

Passada a Copa do Mundo e as férias escolares, saberemos se a combinação de ambições e talentos feita em O Bem Amado resultou em elixir equivalente ao procurado pelos alquimistas, capaz de atrair milhões de espectadores, justificar o alto investimento, e fazer a felicidade da produtora e de seus sócios. A demora da estreia não parece um bom presságio. Será por falta de confiança nos atrativos comerciais do filme que o lançamento vem sendo adiado desde o final de 2009?

Contrariando a intenção declarada por Guel Arraes de atualizar a novela O Bem-Amado, o que a adaptação para o cinema faz é justamente o contrário. Ao situar o período exato em que a ação se passa?- do dia da renúncia do presidente Jânio Quadros, em agosto de 1961, ao Comício das Diretas Já, em janeiro de 1984?-, a sátira política e de costumes passa a se referir ao passado, não aos nossos dias. Desaparece por completo, dessa maneira, o tênue viés crítico do original de Dias Gomes, que retrata um prefeito provinciano, corrupto e demagogo?- como tantos do período da ditadura e muitos ainda atuantes.

Pelo fato de aludir à conjuntura política do início da década de 70, auge do regime repressivo, e tratar de personagens que não se pautavam pelos ditames da moral e dos bons costumes, a novela foi considerada "desaconselhável para menores de 16 anos" e liberada apenas a partir das 22 horas. Com os meios de comunicação submetidos à censura prévia, a percepção de que o texto tinha um viés crítico incomodou os censores. Para eles, a difusão da sátira de Dias Gomes, no fundo ingênua, parecia representar uma ameaça. Hoje, com a tragicomédia cotidiana da vida política brasileira estampada nos jornais e noticiada pela televisão, as ironias do roteiro perderam qualquer teor transgressivo.

No caso de O Bem Amado, o uso de imagens de arquivo ao longo do filme, em vinhetas que fazem referência a fatos históricos ocorridos há mais de 25 anos, torna duvidosa a possibilidade de o espectador ser induzido a fazer conexões com a atualidade. Eliminadas as referências contemporâneas, o potencial satírico se esvai. Fracassa, assim, a intenção de fazer a cidade de Sucupira representar o Brasil dos nossos dias, explicitada no final, de forma didática, por uma trucagem.

Além de situar a ação do filme em época que parecerá distante para quem tenha menos de 30 anos, O Bem Amado retrata comportamentos tirados do fundo do baú. E o elenco, formado por excelentes atrizes e atores, não consegue despertar interesse pela galeria de personagens estereotipados. Jovem repórter idealista, matador arrependido, irmãs casadoiras, jornalista venal, filha namoradeira, bêbado dizedor de verdades, funcionário exemplar, recém-casado que fez voto de castidade etc.?- são caricaturas conhecidas demais para que, diante delas, se possa esboçar um sorriso. Reincidindo em um conjunto de lugares-comuns, a comédia de costumes acaba resultando meio sem graça.

Projeto eivado de contradições e arcaísmos, O Bem Amado oscila entre a sátira e a paródia, sem se definir por nenhum dos gêneros. Indefinição que parece provir da timidez em tentar ir além da mordacidade original, parodiando o texto de Dias Gomes. Esse caminho é esboçado em algumas sequências, seria rico de possibilidades, e teria sido mais coerente com o trabalho inovador feito por Guel Arraes na televisão, onde tem sido responsável por inúmeros programas de qualidade que rompem o padrão rotineiro. Sendo um dos guardiões da inteligência na Rede Globo, curiosamente, ao filmar O Bem Amado, Guel Arraes se revela um realizador convencional. O que explicaria essa transformação de ouro em chumbo?

A transmutação invertida talvez decorra da dificuldade que alguns profissionais anfíbios podem ter para fazer filmes. Sem o mesmo domínio dos requisitos específicos das duas linguagens, tendem a incorporar ao cinema características próprias da televisão. É o que ocorre, por exemplo, com a fotografia de O Bem Amado. Padronizada, ilumina tudo por igual, sem contribuir para criar imagens expressivas, dignas da tela grande.

Por outro lado, ao dirigir um filme de grande orçamento, Guel Arraes se dá o direito de fazer planos que as condições normais de produção para a tevê não costumam permitir. Sua insistência nos movimentos de grua, em que a câmera se desloca para o alto e passa por cima do que está sendo filmado, lembra o deslumbramento de um menino brincando com seu trem elétrico.


29 de junho de 2015
por Eduardo Escorel

SARCASMO E REVERÊNCIA


A mordacidade de Mamute como contraponto ao fascínio de Meia-noite em Paris

os dois filmes, o personagem principal faz uma viagem ao passado. Fora isso, mesmo sendo comédias situadas na França, Meia-noite em Paris e Mamute têm pouco em comum. O humor de um encanta, o do outro é agressivo.
Escrito e dirigido por Woody Allen, Meia-noite em Paris narra a volta ao passado de Gil Pender – insatisfeito roteirista de sucesso em Hollywood. Mamute, realizado por Benoît Delépine e Gustave de Kervern, acompanha Serge Pilardosse – empregado recém-demitido de um frigorífico – ao retraçar seus próprios passos nos trinta anos anteriores.
Woody Allen desenvolve uma visão mítica de Paris, enquanto Benoît Delépine e Gustave de Kervern fazem um retrato impiedoso de um segmento da sociedade francesa. O diretor americano idealiza a cidade, a dupla de franceses flagela seus conterrâneos.
Tipos físicos opostos, Owen Wilson e o imenso Gérard Depardieu interpretam personagens simplórios com uma missão a cumprir – escrever um romance, no caso do roteirista Gil Pender; conseguir comprovantes de antigos empregos que assegurem sua aposentadoria integral, no do desempregado Serge Pilardosse. Crédulos e desastrados, ambos são seres em extinção, e parecem remanescentes de mamutes soltos numa cristaleira.
A viagem de Meia-noite em Paris é harmoniosa; a de Mamute, pontuada por conflitos. Gil Pender é acolhido de braços abertos ao entrar em contato com celebridades de outras épocas. Serge Pilardosse é humilhado, agredido e roubado ao longo do caminho.
Realizando quarenta filmes nos últimos 45 anos, com a impressionante média de quase um por ano, o septuagenário Woody Allen adquiriu rara naturalidade na maneira de filmar, além de ter se livrado das amarras do realismo. Fazendo incursões regulares pela fantasia desde, pelo menos,Sonhos de um Sedutor, de 1972, dotou seus filmes de linguagem translúcida, deixando de lado qualquer preocupação em problematizar os pressupostos dominantes da narrativa cinematográfica. Fazendo humor ingênuo e atraente, embala e conduz Meia-noite em Paris com maestria, transitando pelo presente, anos 20 e Belle Époque, chegando ao Antigo Regime sem causar estranheza.

enoît Delépine e Gustave de Kervern, por sua vez, embora estejam na faixa dos 50 anos, são cineastas novatos, cujas carreiras foram iniciadas na televisão. Mamute é apenas o quarto filme da dupla, que estreou no cinema em 2004. Conhecidos por paródias e sátiras, tomam o sarcasmo por princípio, articulando tons e formas heterogêneos.
Longe de serem autodidatas, Delépine e Kervern almejam, porém, algo semelhante à arte bruta, definida como a das obras feitas por pessoas alheias à tradição e ao sistema artístico – solitários, crianças, pacientes de hospitais psiquiátricos etc. que buscam inspiração na subjetividade, e não na arte clássica ou na moda.
A pista para identificar essa filiação de Mamute, antagônica em tudo à linhagem de Woody Allen, é dada pela sobrinha de Serge Pilardosse, Solange, interpretada pela multiartista Miss Ming, fazendo uma personagem inspirada nela mesma. Tratada como louca, faz esculturas, sendo a do próprio tio descrita por ela como “um gigante por fora, doce por dentro. O coração feito com um elefante, as mãos com coelhos e o pênis com um macaquinho peludo”.
Recusando de maneira deliberada qualquer ideal de unidade, Delépine e Kervern reúnem situações bizarras, grotescas e absurdas, filmadas em planos longos, sem decupagem da ação, nas quais predomina o realismo cru, mesmo havendo uma aparição fantasmagórica. Como se as imagens tivessem origens diferentes, fotografia e câmera alternam registros bem definidos com imagens granuladas e oscilantes, sem que exista razão lógica para essa variação.
Sarcásticos em relação a seus personagens, Delépine e Kervern tampouco poupam a linguagem cinematográfica, procurando evidenciar os diferentes meios narrativos a que recorrem. O resultado tem interesse, mas pode ser pouco atraente para quem não aprecia humor negro.
À irreverência dos diretores de Mamute, contrapõe-se a reverência irônica de Woody Allen. Enquanto a dupla francesa é mordaz com seus personagens, o americano tem fascínio pelos ícones das culturas europeia e americana. A lista de escritores e artistas que Gil Pender encontra é longa, vai de Toulouse-Lautrec a um perplexo Luis Buñuel, a quem sugere o argumento do que viria a ser O Anjo Exterminador.
Em filme de base realista como Mamute, causa estranheza o viajante Serge Pilardosse, atrás de modesta aposentadoriaguardar na garagem uma Münch Mammut 1973,  moto alemã ao alcance apenas de quem for capaz de pagar cerca de 190 mil reais por um modelo exclusivo e pouco econômico. Incongruência semelhante às repetidas aparições da paixão da juventude de Pilardosse – vítima fatal de um acidente, interpretada por uma Isabelle Adjani sempre ensanguentada e de olhos esbugalhados.

em nenhum compromisso com verossimilhança, Meia-noite em Paris não causa incômodo quando o roteirista Gil Pender é levado do presente para o passado em um luxuoso carro dos anos 20 que passa pontualmente quando um sino bate meia-noite. Aceita a premissa de que se trata de fantasia, Meia-noite em Paris só ameaça desandar quando pretende justificar a volta no tempo do seu personagem principal. Terá faltado confiança para levar o mergulho no imaginário às últimas consequências? Anátema do cinema comercial, a ambiguidade é eliminada em favor do didatismo. Ao explicar, através do diálogo, que o passado não está morto e o presente é sempre insatisfatório, Woody Allen trinca o encanto e empobrece Meia-noite em Paris. Abre caminho para o sucesso de público, mas empobrece o filme.
Meia-noite em Paris e Mamute têm também desfechos semelhantes, embora o tom final seja diferente. Gil Pender reencontra a jovem vendedora do antiquário – bela e charmosa – que, ao contrário da noiva, gosta de andar na chuva. Chegando de volta, quem está à espera de Serge Pilardosse é sua mulher mandona, tão pesada quanto ele, surpreendida no ato prosaico de depilar as axilas.
29 de junho de 2015
Eduardo Escorel

AS AVES QUE AQUI NÃO GORGEIAM

Um ornitólogo holandês busca algo que cante em São Paulo
O sábado amanheceu nublado como num conto de Edgar Alan Poe. No Parque Villa-Lobos, às margens da Marginal Pinheiros, apenas dois ou três valentes paulistanos desafiavam o frio e trotavam, orgulhosos, com o peito estufado de saúde. Às sete da manhã, o silêncio só é cortado pelo ronco distante dos aviões, que a cada dez ou quinze minutos cruzam o céu a caminho do Aeroporto de Congonhas.
Como nenhum pássaro se dá ao trabalho de cantar em homenagem ao dia cinzento, o desânimo abate o grupo de aficionados por aves que perambula pelo parque. Metidos em calças cáqui e botas de trilha, os catorze caminham devagar, em silêncio, olhos e ouvidos atentos. Alguns levam pequenos binóculos pendurados no pescoço, outros carregam gravadores de última linha, como os usados nos filmes de espionagem.
O grupo, em sua maioria composto por biólogos, levantou cedo para acompanhar umworkshop de gravação de cantos de pássaros com ninguém menos do que Bob Planqué. Os versados nos mistérios da ornitologia sabem que o esforço se justifica. Planqué, um holandês de 34 anos, está para o estudo das aves como, digamos, Julian Assange está para a política internacional. Professor de matemática com amplos conhecimentos em biologia, Planqué fundou, em 2005, o Xeno-Canto, uma espécie de WikiLeaks dos passarinhos.
O site do holandês conta com nada menos que 74 mil gravações de cantos de pássaros, enviadas por entusiastas de todo o planeta. Acumula piados de 7,4 mil espécies, o equivalente a três quartos de todos os tipos de canto conhecidos. Há ainda cerca de dez cantos de aves desconhecidas, além de um raro assovio da ararinha azul (Cyanopsittas pixii) em liberdade – uma espécie brasileira que sobrevive sessenta anos em cativeiro – a estrela do filme Rio.
Se tocados ininterruptamente, os arquivos de Planqué totalizariam 684 horase 51 minutos, quase um mês de gravações. É o segundo maior acervo do mundo em número de espécies, perdendo apenas para a Biblioteca Britânica, com a ressalva de que a tradicional instituição inglesa não disponibiliza toda a sua coleção on-line.
O Xeno-Canto (“canto desconhecido”, do grego) tem o objetivo de ajudar pesquisadores a identificar espécies por meio de piados, trinados, gorjeios e silvos. Usando a ferramenta de busca desenvolvida pelo matemático, o internauta fornece informações sobre o canto que ouviu (volume, frequência, número de notas etc.) e o site lhe dá algumas opções de espécies. Daí é só escutar, comparar e está identificada a ave. O sonho de Planqué é criar um algoritmo que permita ao internauta inserir um arquivo de áudio de um canto e receber de volta o nome da espécie, mas para isso ainda falta um tanto de pesquisa.
De qualquer forma, do jeito que está a ferramenta é bastante útil, já que é mais fácil ouvir um pássaro do que avistá-lo. Isso faz com que 1 milhão de gravações sejam acessadas mensalmente no site. Planqué diz que boa parte de seus visitantes virtuais é gente de alma sensível, que quer, simplesmente, ouvir os passarinhos.
Coisa que, por sinal, não acontecia naquela manhã de outono. Apesar da total ausência de sons silvestres, o holandês não desanimou, e garantiu não ter se incomodado em sair de sua cama de hotel tão cedo. Os observadores de aves estão acostumados a acordar antes de o dia raiar. Isso sem falar que o esforço seria bem maior na sua Holanda natal, onde o sol se levanta às 4h30 no verão; e no inverno a temperatura fica em torno do zero grau na aurora.
Então, como que por milagre, duas longas sequências de piados ecoaram no parque. Um leigo cogitaria ser o canto de uma ave agourenta, um corvo talvez? Mas Planqué não hesitou:
– Bananaquit! – exclamou, com o indicador em riste.
Com cerca de 1,90 metro, o holandês tem olhos pequenos, rosto afilado e magro, e um nariz retilineamente aquilino. Somando-se essas características ao cabelo loiro espetado para frente e para o alto, é impossível não ver alguma semelhança entre o estudioso e seu objeto de interesse. Bob Planqué tem jeitão de passarinho. Um pica-pau-amarelo, quiçá.
Animado com o canto, o grupo se aproximou do líder. Planqué atarraxou o microfone numa pequena parabólica de acrílico e a apontou na direção do passarinho. Em português, o bicho atende pelo nome de cambacica (Coereba flaveola),uma avezinha de 10 centímetros, peito amarelo e asas cinzentas, idêntica ao bem-te-vi, a não ser pelo tamanho. Está presente em todas as regiões brasileiras e canta em qualquer lugar, a qualquer hora do dia, diante de qualquer plateia.
A primeira gravação foi bem-sucedida, apesar do ruído longínquo de um Boeing 737. Planqué desmontou a parabólica e tentou um novo registro, agora só com o bastão do microfone. A ideia é mostrar as variações de áudio causadas pelo equipamento. Num leve suspense, a plateia se aproximou ainda mais, olhando o pequeno visor do gravador. Por alguns instantes, todos esperaram. Mas a cambacica se calou. O grupo aguardou mais alguns minutos, depois seguiu adiante.
“O segredo é se aproximar o máximo possível dos pássaros”, ensinou o ornitólogo aos discípulos, em voz baixa. “Esconder-se atrás de uma rocha, ou de uma pedra, pode ser uma boa ideia.”
Eis que, do nada, um sabiá pousou num galho, a poucos metros do grupo. Planqué apontou o gravador com a parabólica. O bichinho fitou o grupo, mexeu a cabeça em movimentos estacados e... não deu nenhum pio.
Ligeiramente desanimados, os observadores retornaram à tenda de plástico branco onde, entre os dias 13 e 15 de maio, ocorreu o 6º Encontro Brasileiro de Observação de Aves, o Avistar 2011, feira voltada à observação de pássaros. É uma pena que o grupo fosse formado por entusiastas de aves, e não de aeronaves. Durante as duas horas do workshop nada menos do que doze aviões e nove helicópteros sobrevoaram o parque.
29 de julho de 2015
Tomás Chiaverini