sábado, 5 de junho de 2010

A IGREJA MARADONIANA

Não se tem o direito de ignorar o quanto vale a cidadania em países latino-americanos. Também não podemos ignorar a necessidade catártica de um povo oprimido. E a opressão pode vir de diferentes modos, como a fome, por exemplo, ou a doença, o desemprego, a miserabilidade de comunidades abandonadas à própria sorte... A opressão pode chegar da brutalidade de regimes autoritários, de que a nossa história tem um farto repertório. Não saberia escolher que modelo opressivo seria pior. Ditaduras? Fome? Miséria absoluta? Confesso que é muito difícil, para mim, apontar qual dos males seria o pior. Cada um traz a morte anunciada, a violação dos direitos humanos, a castração da palavra política, o assassinato da cidadania.
Nesses momentos de dor e violação, o povo sempre encontra a porta de emergência, por onde escapar, tanto quanto possível, ileso, buscando subtrair-se da dor.
O que teria começado como uma brincadeira despretensiosa, acabou por tornar-se uma coisa séria.
Em 1998, fundou-se a IGREJA dedicada aos deus, com o número 10 no meio, MARADONA. A paixão pelo jogador argentino transformou-se em RELIGIÃO com mais de 100 mil adeptos em todo o mundo.
Poderá parecer estranho a muitos, ou exótico, uma iniciativa tão estrambótica. Mas há uma explicação, diria mesmo histórica, para esse acontecimento.
Maradona está no centro de um momento emocional do argentino, a um período de felicidade, depois de um sofrimento brutal causado pela crueldade de uma Ditadura, que assassinou a cidadania, que violou de todas as formas os direitos humanos, que esmagou a voz de um povo com a tortura e o sequestro.
Maradona transformou o futebol, que é um esporte coletivo, além de uma paixão nacional, em um ato individual, um ato 'salvacionista'. Como fênix, ele fez renascer no povo um estado de graça, "fez ressurgir a esperança nos corações argentinos, com o seu brilhante gol de mão (La mano de Dios ou D 10 S) diante da Inglaterra, na Copa do Mundo de 1986" - disse Herman Amez, um dos fundadores da Igreja Maradoniana.
Os seguidores dessa igreja, dessa nova religião, encontram-se duas vezes por ano em Buenos Aires.
A primeira reunião é na Páscoa, festejada em 22 de junho, dia da vitória de 2 a 1  contra os ingleses, na Copa de 86. O segundo encontro é no dia do aniversário de Dios, quero dizer de Diego Maradona. em 30 de outubro, quando celebram o NATAL.
Seria um fato bizarro, e verdadeiramente não deixa de sê-lo, uma igreja fundada para a deificação de um jogador de futebol. Mas colocadas as coisas numa perspectiva meramente humana, percebemos que há algo mais sério, além de uma simples bizarrice: a catarse de um povo, para calar o sofrimento padecido na cruz de uma ditadura.
Como dizia o poeta, e sempre que me defronto com acontecimentos que escapam ao senso comum, "há mais coisas entre o céu e a terra, do que sonha a nossa vã filosofia."

M. AMERICO