Brissac faustoso marco de fatos heroicos
Na região de Anjou, em pleno Vale do Loire, surge um castelo que pertence à mesma família desde 26 de maio de 1502.
Naquela data o gentil-homem René de Cossé ganhou a senhoria de Brissac pelo favor do rei Francisco I (1515 – 1547), comprou o castelo e acrescentou Brissac a seu nome.
O atual marquês e a marquesa de Brissac moram nele hoje com seus quatro filhos. Mas não é o único castelo familiar da região delimitada pelas vizinhas regiões de Bretanha e Touraine.
No Anjou, além de igrejas, capelas, priorados, abadia, commanderies, uma catedral e um bispado se contam por volta de cinquenta grandes mansões e, sobretudo, um número incontável de castelos familiares de todos os tamanhos e importância.
Brissac é um dos mais brilhantes dessa constelação.
Como todos os castelos, nasceu com vocação militar defensiva numa saliência do terreno rodeada de um curso de água – o Aubance.
No início, houve uma fortaleza construída no século XI pelo turbulento conde de Anjou Foulques Nerra (972/87 –1040) de quem nós nos temos ocupado em outro post: “Foulques Nerra, grande construtor de castelos: ‘seus remorsos estavam à altura de seus crimes’”
Pierre de Brézé se encomenda a Santa Maria Madalena,
vitral de Notre-Dame de Évreux
Nos primeiros séculos, o castelo foi trocando de mãos e os documentos faltam. No século XV aparecem os primeiros e com o nome de Pierre de Brézé.
Ele foi um ousado chefe de guerra: em 1457, saiu do porto normando de Honfleur, à testa de quatro mil homens, desembarcou nas ilhas inglesas de Sandwich, se empossou de três grandes barcos e voltou carregado de botim e prisioneiros.
Brézé ainda foi enviado pelo rei Luis XI para salvar a rainha da Inglaterra Marguerita de Anjou que passava mal na guerra das Duas Rosas.
Foi sua última façanha pois morreu na batalha de Montlhéry (1465), e foi enterrado num esplendido monumento funerário na catedral de Rouen.
A família Cossé era de modestos senhores, mas de antiga linhagem. Em 1180 já estava lutando pelo rei Filipe-Augusto.
Quando o rei renascentista Francisco I foi esmagado em Pavia (1525) e levado prisioneiro a Madri, os marqueses René e Charlotte de Brissac acompanharam os filhos que o mundano rei francês entregou como fiança para obter a liberdade.
Pierre de Brézé iniciou a reforma do castelo em 1455 e seu filho Jacques continuou a obra até que um dia achou ter surpreendido sua mulher, filha bastarda de Carlos VII e sua amante Agnès Sorel, e a matou com sua espada.
Uma lenda pretende que ela aparece como uma dama branca nas noites de tempestade.
A família entrou nas guerras de religião do lado católico e o castelo foi sitiado pelo futuro rei Enrique IV protestante que o danificou severamente.
Brissac, sala de jantar
No fim dessas guerras o chefe da família ganhou o título de marechal e de duque de Brissac. Ele recomeçou a construir a fortaleza que ia ser demolida.
Dentre os valentes homens de guerra da família Cossé-Brissac, Carlos brilhou por cima dos outros. Ele defendeu o Piemonte com escassas forças contra uma coalisão inimiga até a paz de Cateau-Cambrésis, em 1559.
E em 1563 reconquistou o porto do Havre invadido por ingleses. O rei Carlos IX o nomeou marechal da França.
O conde Carlos foi à testa de cinco mil homens para atacar os espanhóis que assaltavam as Açores.
Mas a operação foi desastrosa: a nau de Brissac lutou cinco horas antes de afundar. O conde se salvou agarrado a uma chalupa e voltou à França com os frangalhos de sua expedição.
Participou em primeira linha do Dia das Barricadas (1588) insurreição católica em Paris contra o rei Henrique III suspeito de querer instaurar uma monarquia protestante.
O rei acabou fugindo e Brissac que ficou dono da rua teve uma exclamação cheia de espirito que ficou famosa: “Eu não serei bom nem na terra nem no mar, mas pelo menos eu valho alguma coisa sobre os paralelepípedos de Paris.”
O conde de Brissac apoiado por tropas espanholas governava Paris no fim das guerras de religião. E especificamente no momento em que o chefe calvinista Enrique IV sitiou a capital, ponto forte da resistência católica.
Enrique IV percebeu que nunca a tomaria pela força. Então pronunciou uma frase cínica que passou para a História: “Paris bem vale uma missa” e se fez católico para se sentar no trono.
Quarto de dormir
No século XVI, os Cossé-Brissac viveram na opulência e completaram faustuosamente a reconstrução do castelo.
Esse tinha virado escombros tendo sido assaltado por tropas católicas e protestantes.
Carlos II Brissac convocou aos melhores arquitetos que levantaram um castelo de ousada altura para a época, ricamente decorado pelo auxílio de uma legião de artistas e artesões.
Reis visitaram o maravilhoso castelo, memoráveis festas tiveram lugar. Mas no século XVII o rei absolutista Luis XIV não gostava dos castelos com uma vida brilhante que não fosse a de seus castelos reais.
Ele forçou uma ‘domesticação’ da nobreza na corte de Versailles, com uma finalidade política: controlar de perto a nobreza.
Esse absolutismo debilitou a nobreza, coluna vertebral da sociedade francesa e minou a França.
Dessa maneira preparou o terreno para a explosão da Revolução Francesa, igualitária, anti-monárquica e anti-aristocrática.
O absolutismo foi continuado pelos últimos reis do Ancien Régime.
Afogados por essa política real, os nobres foram deixando suas funções centrais nos feudos e castelos que praticavam desde a Idade Média. E muitos caíram no ócio e nos vícios.
O quarto duque de Brissac virou um libertino e libre pensador sem fé que acabou se arruinando e morreu sem filhos.
Felizmente, por ordem de primogenitura, o castelo ficou com seu sobrinho, Luis, que restabeleceu a ordem na Casa.
O oitavo duque Louis-Hercule, também foi governador de Paris, e coronel dos Cem Suíços, guarda pessoal do rei Luis XVI.
E foi massacrado com eles defendendo o rei em Versailles na sinistra invasão revolucionária de 1792.
A Revolução Francesa teve idas e vindas, mas avançou como um processo irreversível.
Exemplo disso foi o duque sucessor, Agostinho, infelizmente espírito moderno e de tendências socialistas.
Vista aérea
Viveu entre 1775 e 1848 e conheceu onze regimes: Monarquia absoluta, Monarquia constitucional, Primeira Republica, Diretório, Consulado, Império, Primeira Restauração, Cem Dias, Segunda Restauração, Monarquia de Julho e Segunda Republica; e cinco soberanos: Lis XVI, Napoleão, Luis XVIII, Carlos X et Luis-Filipe.
O castelo voltou a ser danificado durante a tormenta revolucionária que provocou as guerras da Vendée.
Foi transformado em quartel dos republicanos “bleus” que fizeram torpes depredações.
(Dados das memórias de Pierre de Cossé XII, duque de Brissac, 1954)
Durante a II Guerra Mundial, o duque de Brissac abrigou a mobília do castelo de Versailles e obras dos museus Gustave Moreau, Nissim de Camondo, Artes Decorativas, de Châlons sur-Marne, dos palácios do Elysée e do Senado, da Comédie Française, das embaixadas da Suíça, Argentina e Grã-Bretanha e de 65 coleções privadas incluído o tesouro da catedral de Angers. (Wikipedia, Château de Brissac).
07 de outubro de 2021
Luiz Dufaur
Escritor, jornalista, conferencista de política internacional, sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs
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