sexta-feira, 26 de agosto de 2011

GELÉIA GERAL


A velhinha falou: "mocotó". Ouvi. Falou: "geleia de mocotó". Quando passei, não sei, pelo Pão de Açúcar. Lembrei, pois, da minha mãe. Eu, tão fraquinho. "Esta geleia de mocotó é só para o Marcelino". Reservava sempre uma quantia. Para o filho doente. Cenoura, maçã. Para ele crescer um homem forte. Amanhã e sempre. "Hoje tudo tão mudado". Diz uma outra velha. A mais sapeca entende de códigos. A barra que é envelhecer. Saudades do marido, quem sabe? A outra nem quer saber. "O traste me deu trabalho até na hora de morrer". O tráfego dos carrinhos. No ziguezague. Quanta coisa boa! Nas prateleiras. Recordo: meu olho passeando nos chocolates. "É caro". No sorvete. "Só quando você fizer aniversário". Uns cem anos. Quase. A impressão é que as velhinhas morrerão ali. Enfileiradas. Sentadinhas, tadinhas, no banco do supermercado. O que esperam? Em silêncio, às vezes. Branquinhas. Quem, hein, menina, as levará para casa? Produto, assim, vencido? Eu tinha de ler para a minha mãe não correr risco. "Veja, filho, o prazo". O preço alto que pagamos. Diariamente. "Menino inteligente". Geleia de mocotó nele. "Para ser gente". A velha falou algo como: "futuro". Antes que tudo apodreça, em promoção. "Aperta para ver se está maduro".
Marcelino Freire

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