quinta-feira, 29 de setembro de 2011

O EMPALHADOR DE CÃES

Dono de um fox paulistinha, Ubirajara já empalhou 18 mil animais no seu laboratório instalado em casa. Fotos de Ricardo Duarte

O ex-bombeiro Ubirajara Lopes, 60 anos, tem o dom de assegurar vida eterna aos animais. Ou quase isso.


– Meu trabalho dura cinco séculos, o equivalente à infância e à adolescência de um vampiro.


Ele já empalhou mais de 18 mil bichos em seu laboratório nos fundos de sua casa amarela em Carazinho, cidade de 58,2 mil moradores, distante 285 quilômetros da Capital. A maior parte das encomendas são cachorros a pedido de seus donos, inconformados com a perda recente e que buscam manter uma imagem carinhosa do parceiro de estimação.


– Homens surgem chorando em minha porta, ainda sem entender a tragédia. Faço terapia, velório, chá, um pouco de tudo para acalmá-los e depois explico como é feita a homenagem.

Para estar apto ao trabalho de conservação, o bichinho deve ter morrido dentro do prazo de 72 horas. Os casos que mais aparecem para o empalhador são atropelamentos e envenenamento, fins súbitos, que privaram a família do direito a uma despedida.

– Deixo o cão em uma posição bonita, é o dono que escolhe sua cena predileta, como pretende enxergar o animal para sempre: sentado ou deitado ou de pé.

Atuando com taxidermia desde 1980, Ubirajara atende 15 pedidos por mês. Colabora também com Ibama e Museu Regional Olívio Otto de Ciências Naturais. Cada animal tem seu valor (cavalo custa R$ 4 mil; cachorro, R$ 2 mil; peixe grande, R$ 1 mil; coelho e gato, R$ 200; hamster e passarinho, R$ 50).

Nenhum obstáculo complica sua arte funerária, nem o motivo da morte, muito menos o porte da vítima e a raça. Depende de 60 minutos cronometrados para completar o serviço (tira o couro, preserva crânio e os ossos das patas e reveste o pelo com uma armação de ferro).

– Não acho estranho. Sou um fabricante de recordações.

Interessou-se pelo ofício na infância, ao acompanhar o pai em pescarias e caçadas e ficar intrigado com cabeças de dourados e de cervos nas paredes das residências de seus colegas.

– Peças tão reais, verdadeiras, vibrantes, aquilo fisgou minha curiosidade.

Autodidata, com a escolaridade até 6ª série, tornou-se craque em anatomia ao devorar enciclopédias de bibliotecas públicas. Levou adiante seu passatempo e estudou técnicas de embalsamento do Antigo Egito e dos rituais milenares à base de pó de canela, sal e pedra úmida.

Ubirajara é um Francisco de Assis da resina. Tem compaixão por bicho morto na estrada. Recolhe o corpo, desamassa, cuida da aparência e reza pela sua alma. O porta-malas do Ka é um Instituto Médico-Legal improvisado.

– O último olhar é o olhar do perdão, tem um brilho diferente, mantenho aceso para o resto dos dias – diz.

Apaixonado por cães, ele não descarta empalhar Cuca, seu fox paulistinha, quando falecer.

– As lágrimas serão meu formol.

As brincadeiras de mau gosto dos vizinhos representam a única parte chata da história. Ao vê-lo passar pela rua, um deles grita:

– Quanto cobra para empalhar minha sogra?

Carpinejar

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