terça-feira, 15 de novembro de 2011

DA UNIVERSIDADE, POUCO OU NADA SE PODE ESPERAR

De Laís Legg, médica, recebo:

Oi, Janer:

Li tua matéria sobre as crendices. Realmente, a indignação toma conta da gente quando lemos coisas assim. Se deu certo o tratamento, ”foi Deus”. Se não deu certo e o paciente morreu, “Ele escreveu certo por linhas tortas”. E quando um médico acredita nisso, sinto arrepios.

O vestibular de Medicina é o mais difícil de todos e o curso é o mais longo de todos. Ainda assim, após seis anos de graduação, o médico ainda não está pronto para o mercado, precisa enfrentar nova tarefa hercúlea que é a de passar na residência. Somente após nove anos será um especialista.

O que muita gente não sabe é que os acadêmicos de Medicina são percentil 98, ou seja, somente 2% dos candidatos do vestibular estão à sua frente. Podem observar nas listagens de aprovação: a grande maioria dos primeiros colocados nos demais cursos não ingressaria em Medicina, estão abaixo do último colocado. E eu falo, aqui, de Engenharia, Arquitetura, Economia, etc. Será que Deus interfere nisso, também? E a capacidade de cada um, onde fica? E a dedicação, as horas de estudo? A genética?

Podemos medir a temperatura da coisa ligando a TV, à tarde. Onde está a Vigilância Sanitária? Vemos propagandas mirabolantes, prometendo curas assombrosas com o uso de cartilagem de tubarão, lodos do Vesúvio, cogumelos e o escambau. Comecei a pensar que, talvez, Deus esteja fazendo uma espécie de “seleção natural”...

Sempre me causou espécie o fato de não acontecer a “baixa” de espíritos de advogados e engenheiros, por exemplo. Gostaria de ver alguém aprovando, na Prefeitura, um projeto de Engenharia recebido por um médium que “incorporou” algum profissional desencarnado e desenhou a planta. Ou, quem sabe, um agravo de instrumento recebido de algum desembargador que foi desta para a melhor? O que achas? Por que será que é só a Medicina tem essas prerrogativas, hein? Será que o além é preconceituoso?

Abraços,
Laís

Pois, Laís, ainda não vi espírito baixando em engenheiros. Nem em economistas. Mas não duvido que haja por aí engenheiros espíritas, recebendo projetos do Além. Quanto a advogados, o Brasil tem até associações jurídico-espíritas. Há juízes defendendo o testemunho via declarações mediúnicas do Além. Em maio de 2008, o Estadão denunciava estas práticas:

“Sob a justificativa de tornar a Justiça “mais sensível às questões humanitárias” e discutir questões morais como aborto, eutanásia, pena de morte e pesquisas de células-tronco, um grupo de delegados de polícia, advogados, promotores, procuradores e juízes acaba de criar a Associação Jurídico-Espírita de São Paulo (AJE), com cerca de 200 filiados. Entidades semelhantes já existem no Rio Grande do Sul e no Espírito Santo e a maior delas é a Associação Brasileira de Magistrados Espíritas (Abrame), que reúne 700 juízes, desembargadores e até mesmo ministros de tribunais superiores”.

O jornal publicou declarações de ilustres causídicos defendendo os testemunhos do Além: “O Estado é laico, mas as pessoas não. Não tem como dissociar e dizer: vou usar a minha fé só dentro do centro espírita”, diz o promotor Tiago Essado, um dos fundadores da AJE. “Não enxergaria nenhuma diferença entre uma declaração feita por mim e uma declaração mediúnica, que foi psicografada por alguém”, afirma Alexandre Azevedo, juiz-auxiliar da presidência do Conselho Nacional de Justiça. “Não acredito em acaso, mas numa ordem que rege o universo, acredito em leis universais”, endossa o juiz Jaime Marins Filho. É preciso “questionar os poderes constituídos para que o direito e a Justiça sofram mais de perto a influência de espiritualizar”, conclui o juiz federal Zalmino Zimmermann, presidente da Abrame”.

Em vários Estados, advogados vêm apresentando aos Tribunais do Júri declarações psicografadas como estratégia de defesa. Nesse tipo de julgamento, como é sabido, os jurados não precisam fundamentar seus votos. Os juristas espíritas alegam que a psicografia pode ser levada em consideração desde que esteja em “harmonia” com as demais provas.

Quando o Judiciário brasileiro tem pelo menos 700 juízes, desembargadores e até mesmo ministros de tribunais superiores acreditando em superstições, vai mal a Justiça no país. Não bastassem as associações de magistrados espíritas, temos também as de médicos espíritas. Espiritismo é doença que, embora tendo nascido na França, viceja melhor em países pobres. Allan Kardec está sepultado no Père Lachaise, em Paris, mas são raros os franceses que sabem de quem se trata.

A doutrina criou raízes, fundamentalmente, no Brasil e nas Filipinas. O Brasil tem associações médico-espíritas em praticamente todos os Estados. Já existe uma Associação Médico-Espírita (AME-Internacional) que, ano passado, em um Congresso em Valencia, Espanha, reafirmava seu compromisso com a Medicina da Alma, com o estabelecimento de um novo paradigma de saúde no século XXI, que considera o homem como um ser integral, constituído de corpo físico, periespírito ou corpo espiritual e alma. Reafirmamos, em consequência , nosso compromisso com a prática da Medicina Integral que cuida do ser humano â luz da Espiritualidade.

Ou seja, já temos médicos tratando não só do corpo, mas também do periespírito. O que só comprova que universidade não é infensa à superstição. Pessoas com educação superior não conseguem fugir ao temor da morte. É este temor que cria religiões. Paulo sabia muito bem disto, quando escreve na 1ª Epístola aos Coríntios: “se Cristo não foi ressuscitado, logo é vã a nossa pregação, e também é vã a vossa fé”. E larga sua bravata, que atravessou os séculos: "Onde está, ó morte, a tua vitória? Onde está, ó morte, o teu aguilhão?"

A vitória da morte estava ali, a seu lado. Era preciso negar o óbvio, para criar uma superstição. Meu primeiro contato com espíritas ocorreu quando minha mulher morreu. Eles sempre aparecem quando alguém morre. Minha mulher morrera há mais de mês e eu conversava com amigos comuns. Em dado momento, uma moça atalhou: "Eu conversei ontem com ela". Nessas ocasiões, tomo uma atitude de crédulo. Se a moça afirmava com tanta convicção ter conversado com minha mulher, não seria eu quem iria contestá-la. Perguntei apenas o que ela havia dito. Ela deixou uma mensagem, disse a moça: "seja feliz".

O que me lembrou a aparição de Maria aos três pastores em Fátima. Quando interrogada sobre quem era, teria dito a Virgem: "Eu sou a Nossa Senhora". Ora, sendo Maria mais que santa, semideusa, é de supor-se que não tivesse domínio tão precário do português. Se se dirigia aos três pastores, o correto seria: "Eu sou a Vossa Senhora". Por um descuido sintático do narrador, o milagre ficou prejudicado.

Da mesma forma, a mensagem de minha companheira. Éramos gaúchos. Depois de passarmos por Curitiba e São Paulo, ela passou a usar o você, mas apenas ao tratar com curitibanos e paulistanos. Jamais me trataria por você. Como a comunicação de Maria, a de minha mulher também ficou sob suspeita. Mas não neguei o testemunho da moça. Podes falar de novo com ela? - perguntei. Claro - me respondeu. Pedi-lhe então que, quando voltasse a falar com ela, pedisse o código do celular, que eu havia ficado sem.

A moça entrou em pane, achava que não ia dar, códigos são coisas confidenciais, começou a perguntar que horas são e logo deu as de Vila Diogo. Contei a história mais tarde a professores universitários e um deles, também espírita, prometeu-me perguntar às instâncias do Além sobre o código do celular. Mas me alertou que o médium teria de ser muito poderoso para descobri-lo. Bem entendido, nunca mais me falou no assunto. Nem eu precisava do código, afinal sempre o tive e queria apenas divertir-me com a capacidade comunicativa dos tais de médiuns.

Quando magistrados, médicos e universitários se pautam por crendices idiotas, isto significa que do saber universitário pouco ou nada se pode esperar.

janer cristaldo

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