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Clóvis Basílio dos Santos, hoje com 60 anos, não guarda boas lembranças de sua infância na Baixada Santista. “Duas ou três vezes por semana, o pau comia pra cima de mim”, disse quando nos encontramos numa noite chuvosa do começo de fevereiro, no interior de São Paulo. Aos 17 anos ele fugiu das surras do pai e foi morar com o avô. Ficou lá por três meses, até juntar algum dinheiro.
Técnico em metalurgia pelo Senai, seguir uma faculdade não estava em seu horizonte, tampouco servir o Exército – “Um amigo da família conseguiu minha dispensa, coisa rara na época”. Em 1973, arranjou um emprego numa loja que consertava escapamentos. O serviço ficava perto do cais de Santos, na rua Brás Cubas. Na carteira, o rapaz ganhava um salário mínimo. Alguns clientes lhe davam caixinha, o que aumentava o orçamento. Em outras ocasiões, ele fazia o que chama de “pequenos trambiques”: “Chegava algum bacana com algum problema fácil de resolver, e eu dizia: ‘O silencioso tá fodido.’ Aí eu guardava o silencioso, e depois vendia a um preço mais barato para um cliente mais humilde. E nisso eu também faturava algum.”
A loja de escapamentos era só um dentre os muitos outros estabelecimentos da rua, que incluíam prostíbulos. “A zona do cais de Santos é a maior zona do país”, comentou, com certo orgulho e talvez alguma hipérbole. No final do expediente, quase toda noite ele perambulava pelo bairro. Na primeira vez que tentou transar com uma prostituta, ela recusou. E mesmo assim lhe cobrou uma taxa. Na segunda vez aconteceu algo parecido: a prostituta chegou a masturbá-lo, mas não passou daí. Ele pagou de novo. “Eu era muito inocente”, ele diz. Com 18 anos e uma graninha no bolso, quis conhecer as casas de tolerância. Então foi à pensão Brás Cubas. Pagou pelo quarto e deu o dinheiro para a prostituta antecipadamente. Aquela noite conseguiu, enfim, transar. Logo depois começou a namorar a moça.
Quando conversamos, Basílio dos Santos, que é negro e tem as feições arredondadas e simétricas, a ponto de parecer um retrato falado, vestia regata azul e bermuda verde fosforescente. O único indício de sua idade eram escassos fios brancos que tentavam nascer na cabeça raspada, visíveis apenas de perto.
Ele falava animado, pondo e tirando os óculos escuros de aviador. Descreveu a transa com intensidade, alguma variedade semântica e muita repetição – “Eu era putão. Putão, putão, putão, putão, putão” –, como se quisesse atingir o grau zero da obscenidade. A ênfase que dava a suas digressões sexuais tornava sua história pessoal opaca e cronologicamente confusa. Basílio dos Santos passou um bom tempo falando da “prostituta enorme” que foi sua namorada por seis meses.
Só muito mais tarde – após discorrer sobre a carreira de metalúrgico e fresador ferramenteiro em São Paulo, sobre as orgias que organizava com amigos no fim dos anos 70 e sobre as noites que passava assistindo a pornochanchadas depois do expediente – ele esclareceu em que momento foi “batizado” com o apelido pelo qual é conhecido.
Em 1990, quando atuava em seu primeiro filme pornográfico, no Rio de Janeiro, o produtor que o havia contratado não estava satisfeito com o nome Clóvis, que considerava muito banal. Ao ver a genitália do ator – a razão da resistência das prostitutas do cais de Santos –, decretou: “A partir de agora você se chama Kid Bengala.”
Era uma manhã nublada de fevereiro, e o carro serpenteava a estradinha bucólica em algum trecho impreciso nas cercanias de Carapicuíba, em São Paulo. Árvores e mansões pontuavam o trajeto. “Quando eu crescer quero morar numa casa dessas”, disse Cindy, e todos riram. No banco de trás, além dela, acomodavam-se os atores Lolah e Loupan, e Carla Lira, a maquiadora – todos contratados pela produtora Brasileirinhas, mencionados aqui por seus nomes artísticos. O destino era uma casa num condomínio fechado da região, onde seria gravado um filme com temática carnavalesca. No trajeto, Cindy contou que naquela tarde faria sua primeira cena de sexo anal. Decidira encará-la com Lolah e Loupan porque tinha confiança no casal. “Me sinto segura com eles, temos amizade”, resumiu, sorridente.
Ao volante, o diretor Gil Bendazon, um paulistano da Mooca, ruivo, de olhos claros e barba quase translúcida, explicava como certa vez levou bolo de um fã. A Brasileirinhas havia feito uma promoção: sorteariam um cliente para atuar numa filmagem. Avisaram o vencedor, que, animado ao telefone, combinou hora e lugar para o encontro. Bendazon e outros funcionários da produtora foram buscá-lo no metrô. O rapaz jamais apareceu.
Os fãs são chamados de “punheteiros”. Ao longo das semanas em que nos encontramos, ouvi o termo muitas vezes: de Bendazon (nome artístico), de Sérgio, o fotógrafo da equipe, de Clayton Nunes, o CEO da Brasileirinhas. Longe de ser depreciativo, o apelido carrega certo afeto. “Punheteiros” são os clientes fiéis, aqueles que sustentam a empresa. Representam o oposto dos chamados “sazonais”, aqueles que assistem a filmes pornôs para ver celebridades menores, reanimar o casamento ou satisfazer a curiosidade. Enquanto subíamos a estradinha rumo à casa, Bendazon contava o caso do fã sorteado com ar de desolação. A produtora quisera presentear um de seus fiéis e não havia dado certo.
Quando chegamos à mansão, discreta e um pouco decadente, havia um clima de confraternização na cozinha. Dênis Nunes, administrador do espaço e irmão de Clayton Nunes, e Marcelo Ferreira, seu auxiliar, cumprimentaram todos com abraços e beijos. Haviam preparado um café da manhã farto: vários pacotes de pão de forma, duas térmicas de café, leite, suco, fatias de presunto e queijo. Após a refeição, todos se dispersaram pelos cômodos, preparando-se para a filmagem.
As casas que funcionam como locação de filmes pornográficos não duram muito – dois ou três anos, se tanto. Segundo Bendazon, passado um tempo, vizinhos reclamam, ou alguns curiosos dão um jeito de espiar, gerando inibição entre os atores. Na casa atual, alugada três semanas antes da filmagem, eles construíram uma extensão no muro para evitar que os moradores da região pudessem bisbilhotar. O local passava por uma reforma extensa e necessária: o gesso das paredes era frágil e decadente; a tinta estava gasta. Três anos antes, a produtora alugara uma casa isolada na Praia Grande, no litoral paulista. A mansão de Carapicuíba era o novo set.
O lugar não serve apenas como locação. A cada semana a produtora envia uma atriz para morar na casa temporariamente. Os assinantes do site da Brasileirinhas têm acesso a todos os cômodos através de sete canais, supostamente 24 horas por dia. Depois de um mês, uma eleição entre os assinantes determina qual atriz deve voltar ao ambiente. O programa é um pastiche dos reality shows. A própria casa parece uma versão um pouco mais sombria, mais caída, e também mais autêntica das que são vistas em programas como o Big Brother Brasil. O apresentador da Casa das Brasileirinhas é Kid Bengala – “O nosso Pedro Bilau”, conforme diz às gargalhadas Clayton Nunes, o CEO, orgulhoso do trocadilho.
Como em outros programas do tipo, o real não é exatamente real. Existe, por exemplo, um cronograma para as atrizes. Marcelo Ferreira, o Black, é o encarregado de monitorar os horários. Existem tempos mínimos, geralmente entre quarenta minutos e uma hora, para cada atividade obrigatória: piscina, academia, banho. Em certo momento a atriz deve se livrar da roupa. Os assinantes podem conversar com as moradoras temporárias pela internet em horários predeterminados. Ferreira acompanha os chats, bloqueando mensagens ofensivas e pedidos de contato pessoal. “Muitas atrizes trabalham também na noite”, ele me disse, “e acusações de agenciamento de prostituição são complicadas.”
Apesar do apelido, Black é um moreno claro, magro e de cavanhaque ralinho. Além de controlar os cronogramas do reality pornô, ele ajuda nas filmagens, nos ensaios fotográficos, na iluminação. “Pego gel, camisinha, faço de tudo.” Também organiza refeições, supervisiona a reforma da casa e cuida dos computadores. Frequentemente se ouve um grito, dos fundos ou de dentro da casa: “Ô Black!” Foi um dos poucos a não se importar com a publicação de seu nome verdadeiro na reportagem: “Tranquilo, bota aí.”
Nascido e criado em Santos, Ferreira montou móveis para as Casas Bahia por dez anos, na condição de terceirizado. Após a fusão da empresa com o Grupo Pão de Açúcar, deixou o emprego. “Ficou muito ruim para os funcionários, o salário caiu demais.” Começou então a fazer bicos. Uma de suas ocupações temporárias foi como porteiro de uma casa de swing, onde conheceu pessoas do meio pornográfico. “Caí um pouco de paraquedas aqui, mas aprendo muito rápido”, disse, enquanto fumava um cigarro no fundo da casa. No futuro, pretende se matricular num curso de foto e filmagem, não necessariamente no ramo pornográfico. “Quero fazer casamento, funeral, o que for”, comentou, rindo.
Lolah e Cindy estavam sendo maquiadas num dos cômodos do andar de cima. No chão do quarto jaziam colares, pulseiras e outras bijuterias. As atrizes vestiam fantasias minúsculas de Carnaval que continham inúmeras pedrinhas brilhantes, e pareciam mais bronzeadas do que horas antes. Cindy experimentava as roupas sem embaraço. Lolah, mais quieta, não se mostrava desconfortável com minhas perguntas, às quais respondia com uma reserva gentil. Morena, de grandes olhos pretos, ela disse que só contracena com o seu namorado, Loupan. Quando perguntei sua idade, respondeu: “Tô com 23, bem velhinha já.” Ela ficaria na mansão aquela semana inteira, participando da Casa das Brasileirinhas. Não parecia muito empolgada.
Mineira de Santos Dumont, Cindy contava que assistia a filmes pornôs aos 12 ou 13 anos. “Eu adorava. Sempre soube que me envolveria com esse tipo de coisa”, comentou, mostrando animação. Não soava falsa, ainda que atrizes pornográficas sejam encorajadas a propagar mitos desse tipo. É difícil, nesse meio, diferenciar o que é genuíno do que é inventado. Com o tempo e as distorções da memória, é provável que meias verdades ou fantasias ganhem aura de verdade plena.
Cindy enveredou para a área protagonizando filmes envolvendo fetiches em produtoras menores. Logo se destacou e foi chamada para integrar a equipe da Brasileirinhas. Um dos fetiches mais bizarros que encenou no começo da carreira consistia em chutar os testículos do parceiro. Kid Bengala certa vez a desafiou a reproduzir a cena com ele. Cindy gargalhava ao rememorar a história (“Ele aguentou o tranco”), enquanto a maquiadora Carla Lira pedia num tom de voz impaciente que ficasse parada. “Essa fala pelos cotovelos”, contou.
Carla, uma paraibana simpática de 41 anos, conserva um resquício de sotaque, a despeito de morar em São Paulo há 25 anos. Ela começou a prestar seus serviços para o meio pornô em 2004, ano que muitos consideram como o marco inicial do crescimento da indústria. Por muito tempo se importavam filmes do exterior, e pouco se produzia aqui. No fim dos anos 90, produtoras nacionais começaram a crescer. A Brasileirinhas foi fundada em 1996, mas seu auge, e o auge do pornô nacional, segundo todos os entrevistados, foi entre 2004 e 2009. A partir de 2010, afetado pela pirataria na internet e pelo aumento da popularidade de sites de compartilhamento de vídeos pornôs – como YouPorn, XVideos e Pornhub, que disponibilizam conteúdo de graça –, o mercado nacional começou a enfrentar sérios problemas.
Testemunha dos reveses na indústria, Carla encara seu trabalho com estoicismo. Apesar de a demanda ter caído, ela diz que cobra o mesmo cachê – entre 200 e 300 reais a sessão – e ainda tem certa estabilidade financeira. Não há sinal de nostalgia em sua fala quando relembra os tempos gloriosos do pornô. “As produtoras são todas meio parecidas, tinha uma época em que eu saía de uma e já ia para outra, e nem sabia o nome de onde eu estava, de tão igual que era tudo.”
Os anos de carreira lhe proporcionam certo regard lointain, uma vantagem de espectadora externa. Observou, por exemplo, que a decadência do gênero tem gerado uma espécie de autofagia. Por questões de sobrevivência e ego, o ator quer produzir, dirigir, atuar e assim por diante, num círculo que nem sempre fecha redondo. Segundo ela, há hoje menos atenção a detalhes, opera-se mais na base do improviso.
Carla sente saudade das putas. “Puta de verdade”, assim como “punheteiro”, é elogio, e não xingamento – as inversões linguísticas são recorrentes no meio. As “putas” são as atrizes profissionais, que chegam prontas para o trabalho, não hesitam, fazem tudo que se exige de uma cena. “As menininhas”, Carla disse, “ficam perguntando: ‘Mas será que eu tenho que fazer isso, será que eu tenho que fazer aquilo?’ Elas dão palpite na maquiagem, ficam com frescura para encarar o trabalho. Essas eu chamo de ‘putas de quatro paredes’. É outra coisa, viu, não são profissionais. As putas de verdade para mim são as divas. Mônica Mattos, Ju Pantera, Bruna Ferraz.”
Cindy, que ouvia, atalhou em tom sério, já maquiada: “As profissionais se poupam, não vão para a balada na noite anterior.” Não havia dúvida: ela se considerava um exemplo da categoria.
A sede da Brasileirinhas fica num edifício acinzentado, de fachada sóbria, ao lado da Praça da República, no Centro em São Paulo. A produtora ocupa apenas um dos andares. O escritório é simples, com duas salas interligadas por um cômodo maior, onde funcionários silenciosos sentam-se lado a lado. Os empregados estão conectados a sites pornográficos, mas agem como se estivessem abrindo planilhas de Excel ou PowerPoint, morosos e distraídos, o que gera no visitante um efeito desconcertante.
O CEO da firma, Clayton Nunes, iniciou sua trajetória profissional na área de informática. Nascido e criado no bairro do Tatuapé, na Zona Leste paulistana, se uniu aos 20 e poucos anos a alguns amigos para lançar uma revista de tecnologia. “Começou assim, coisa de nerd mesmo”, disse ele em sua sala. Simpático, dado a gestos efusivos, respondeu bem alto, quase gritando, quando lhe perguntei em que se formara: “Fiz administração... administração na São Luís!” – e gargalhou, como se caçoasse da discrepância entre sua ocupação e o curso.
Empolgados com as possibilidades da tecnologia audiovisual, e com a intenção de reportar inovações do meio na revista que almejavam criar, Nunes e seus sócios alugavam fitas em VHS para passar o conteúdo para DVD. Os filmes eram em grande parte pornôs. “No fim do expediente, funcionários vinham pedir cópias emprestadas, sempre discretamente. Percebi que havia uma demanda imensa por DVDs pornôs, talvez até por ser uma mídia mais maneira que o VHS, aquele trambolho que ninguém quer ser visto carregando.”
Nunes teve uma outra ideia. Começou a contatar várias produtoras de pornô, dizendo que lançaria uma “revista de sacanagem”: “Pedia dez minutos de conteúdo, e em troca dava duas páginas de anúncio. Fizemos uma compilação com as melhores cenas de vários filmes. Tinha de tudo: fetiche de pé, dupla penetração, pornô mais tradicional. Na primeira edição, vendemos 60 mil cópias com o DVD encartado.”
Nunes queria vender mais compilações em bancas de jornal. Começou a juntar capital e a comprar conteúdo. A Brasileirinhas era, então, comandada por Luis Alvarenga, um empresário que sempre resistia às investidas de Nunes. “A Brasileirinhas chegou a vender DVD por 60, 70 reais. Eu queria massificar, vender mais barato, a 10, 15 reais na banca, pegar um público com menor poder aquisitivo”, disse ele. Alvarenga, que Nunes define como um pornógrafo da velha escola – “tinha cadeirinha de diretor, cinegrafista e tudo mais” –, estava satisfeito com o modelo de negócios, focado em locadoras.
A expansão da rede de locadoras Blockbuster criou uma pressão mercadológica que obrigou a produtora a repensar seu modelo de distribuição. A rede americana – que viria a enfrentar suas próprias dificuldades, em decorrência do crescimento do mercado de streaming digital – entrara no país em 1995. Fundada no Texas, em 1985, a empresa sempre projetara uma imagem associada a valores familiares, e por isso não trabalhava com vídeos pornôs. Sua presença no Brasil forçou a quebra de várias locadoras locais, até então importantes meios de distribuição para as produtoras pornográficas nacionais. Em 2006, cinco anos após suas primeiras tentativas, Nunes conseguiu licença para a distribuição de filmes das Brasileirinhas em bancas de jornal. Em 2007, ele entrou como sócio da produtora e foi gradativamente assumindo o comando total da empresa. Em 2010, Alvarenga se desligou da produtora.
O mercado estava aquecido em 2007. Os cachês eram altos, lançavam-se DVDs, as produtoras investiam. Cerca de 100 filmes eram produzidos ao ano, e a maior parte da receita provinha da venda de DVDs. Aumentava a reputação da Brasileirinhas como uma das produtoras mais renomadas do mundo, competindo numa área que era historicamente dominada por empresas americanas e europeias.
Mesmo em posição economicamente favorável, Nunes já sentia que o tempo das vacas gordas iria para o brejo. Lembrou-se de uma conversa que tivera com o sócio, assim que entrara na produtora: “Não são só as locadoras que vão sofrer. O DVD em banca de jornal também vai acabar, você vai ver”, dissera ao outro.
Clayton Nunes cedo percebeu que precisaria cortar custos. A pirataria na internet estava a todo vapor: mal era lançado, um filme já estava disponível de graça. No Brasil, o acesso à internet mais rápida ainda estava se consolidando, e foi só a partir de 2010 que o mercado pornô nacional começou a sentir os efeitos mais nefastos da decadência que já ia avançada nos Estados Unidos. O mercado pornô nacional mal se erguia e já começava a declinar.
Nunes passou a investir num site oficial da produtora, convertendo todo o acervo para o formato digital. Com o tempo operou outras mudanças. Além de estabelecer uma equipe regular para as filmagens, contratou como diretor principal Gil Bendazon, que até então
só trabalhara com produtoras do exterior. O diretor tinha carta branca para filmar regularmente, escalar atores e atrizes, editar os filmes como bem entendesse.
só trabalhara com produtoras do exterior. O diretor tinha carta branca para filmar regularmente, escalar atores e atrizes, editar os filmes como bem entendesse.
Em 2007, o site da Brasileirinhas contava com cerca de 14 mil assinantes. Em 2012, a internet já representava 50% do faturamento da empresa. O problema é que a migração não foi, nem tem sido, proporcional. O faturamento da venda de filmes representa menos de um quarto do que era há cinco anos. E, se em 2007 a produtora jorrava por volta de 100 filmes por ano, no começo de 2013 esse número já havia caído para aproximadamente trinta títulos. Hoje, lança-se uma média de um filme por mês.
Renata, a segunda namorada de Clóvis Basílio dos Santos, também era prostituta. Ele continuou no ramo dos escapamentos por alguns meses, até que decidiu pedir demissão e mudar de cidade. Em 1974, arrumou serviço como torneiro mecânico em Sumaré, ao lado de Campinas, no interior paulista. Fazia eixos de caminhão para uma multinacional americana. Juntou algum dinheiro nesse emprego. Com o que sobrava do salário, viajava para São Paulo nos fins de semana. Desembarcava na cidade logo depois do almoço e passava o dia em salas de cinema, vendo pornochanchadas. Então perambulava por zonas de prostituição. Às vezes tomava um ônibus para Santos. “Eu chegava dez, dez e meia da noite na Baixada Santista, e ia direto para a zona do cais.”
A metalurgia, setor em que Basílio dos Santos trabalhava, esteve no centro das mudanças políticas dos anos 70. Foi das greves do ABC paulista, no final da década, que Luiz Inácio Lula da Silva despontou nacionalmente. Quando perguntei a Kid Bengala sobre esse período, e mais especificamente sobre a ditadura, ele não pareceu muito interessado, e até se confundiu sobre quem estava no poder. Para ele, a década de 70 foi “a época das pornochanchadas”. O ano de 1982 foi quando o “HIV começou a pegar mais”. E 1990, “o período pré-Viagra”.
Após trabalhar um tempo em Sumaré, Basílio dos Santos foi promovido a fresador ferramenteiro. Seu salário dobrou e ele se mudou para São Paulo. Na capital fez novas amizades, e em 1976 passou a organizar orgias. “Eu convencia os amigos, fazia festinhas. Não era nada pago ou profissional.” Viveu bem por alguns anos. Na passagem para a década de 80, contudo, em meio a uma crise econômica que assolaria o país por vários anos, ele perdeu o emprego.
Foi um período difícil. “Entrei para a construção civil, fui trabalhar de pedreiro”, lembrou. Havia uma ironia melancólica na situação. Seu pai, com quem tivera sérios atritos na infância e na adolescência, também havia sido pedreiro. No fim dos anos 80, com as finanças mais estáveis, ele voltou a organizar festas. Conheceu “casais liberais” da elite que também se interessavam por sexo grupal. Entre os novos amigos, havia um homem famoso de tevê – “Não vou citar o nome dele, já está velhinho”. Tinha um fetiche voyeurístico: gostava de ver negros transando com loiras. Arregimentava mulheres dispostas a satisfazer essa vontade, e depois ligava para Basílio dos Santos. Certa vez, um agenciador de prostitutas levou a própria mulher para transar com Santos, enquanto o adepto famoso do fetichismo assistia à cena. Assim como as prostitutas do cais santista, o agenciador se impressionou com Bengala. Deixou-lhe um cartão.
Passou quase um ano até que Basílio dos Santos decidiu contatar o agenciador, que lhe apresentou ao dono de uma revista. Foi ao Rio fazer um ensaio fotográfico e lá conheceu um produtor de cinema, Carlo Mossy. Brasileiro nascido em Tel-Aviv, que fizera fama na época das pornochanchadas, foi Mossy quem lhe deu o apelido fálico que adotaria para sempre.
Em seu ensaio célebre, mas estranhamente moralista, “Big red son”, o escritor americano David Foster Wallace caçoa da vulgaridade do festival Adult Video News, AVN, em Las Vegas, que todo ano escolhe os melhores da indústria pornográfica americana. Gil Bendazon se orgulha dos prêmios que recebeu. Antes de ser contratado pela Brasileirinhas, trabalhou com produtoras americanas, como Elegant Angel e Combat Zone, e se refere a esse mercado e seus diretores como o padrão-ouro, o máximo do pornô. John Stagliano é seu François Truffaut. “Ele visitou minha casa”, disse Bendazon na sede da produtora, sussurrando, como se revelasse um segredo.
Stagliano é considerado um dos mais inovadores diretores da história do pornô. Até o fim dos anos 80, os filmes em geral aspiravam a uma estética hollywoodiana. Tinham enredos, atuações e trilha sonora na hora do sexo. Inventor do pornô gonzo – nome que faz referência ao jornalismo gonzo, de Hunter S. Thompson –, Stagliano procedeu a uma revolução na indústria.[1] Seus filmes, lançados no início da década de 90, dispensavam enredo, trilha sonora ou produção. Em seus primeiros vídeos, ele e Rocco Siffredi, um ator pornográfico italiano que viria a se tornar famoso, flanavam pelas ruas. Abordavam mulheres e as convidavam para a cama. Sem enredo, sem firulas. Quase sempre eram atrizes contratadas, mas o objetivo era criar uma atmosfera prosaica, de encontro acidental. Às vezes, Stagliano se inseria na cena – filmava enquanto transava e fazia comentários para a câmera. O pornô gonzo se espalhou. Filmes como os de Stagliano eram baratos de fazer, e a demanda por esse tipo de pornografia, a julgar pelo sucesso de vendas, estava reprimida. A indústria adotou o estilo.
Bendazon é entusiasta do gonzo. “O punheteiro”, disse de modo enfático, “não quer saber de historinha, de narrativa.” Assim como Kid Bengala, os clientes fiéis – os que alimentam as caixas de e-mail da Brasileirinhas – estão mais interessados nas minúcias da transa em si. Bendazon defende o enfoque no ato, mas não participa das cenas – como dirige vídeos institucionais e comerciais de tevê, costuma cobrir a cabeça com um capuz nos sets pornográficos para preservar sua identidade.
Uma das razões que determinaram a contratação de Bendazon foi sua eficiência. Segundo Nunes, “o Gil não precisa de cinegrafista, de iluminação, de auxiliar para isso, para aquilo. É ele e mais uma pessoa no set. E só”. O apreço do empresário não se restringe ao aspecto econômico. Pelo estilo minimalista, Bendazon tem o que Nunes chama, um pouco eufemisticamente, de “ganho de privacidade nas cenas”. Os atores e atrizes se soltam mais, ficam menos inibidos. A atmosfera do real – o éthos do pornô gonzo – fica mais palpável. Há também certa admiração pessoal: “Quando descobri que tinha um brasileiro ganhando AVNs, fiquei animado, quis trazê-lo”, Nunes disse.
Bruna Ferraz, uma das estrelas do meio, participou do momento áureo do pornô nacional. Chegou a fechar um pacote de dezoito cenas com a Brasileirinhas por quase 200 mil reais. “Ganhei uma bolada na época”, contou quando nos encontramos na entrada de seu prédio, na rua Oscar Freire, em São Paulo. Bruna, que adotou o sobrenome de uma atriz da Globo que admira, vestia uma blusa de renda branca decotada e calça colada. A maquiagem, em tom verde-escuro, estava particularmente concentrada ao redor dos olhos, conferindo-lhe um quê das mulheres retratadas por Toulouse-Lautrec.
Nascida em Alegrete, uma cidadezinha gaúcha perto da fronteira com a Argentina, Bruna foi adotada por uma mulher católica e criada num ambiente conservador. Quando menina ia sempre à missa. Continua religiosa, mas suas crenças atuais são um amálgama de candomblé, misticismo (“Todos temos anjos da guarda”) e monoteísmo (“Ele é o mais importante, acima de tudo”). Às vezes a atriz escuta vozes. “Sempre femininas”, disse. “Elas me dão instruções: faça isso, não faça aquilo.”
Aos 18 anos Bruna saiu de Alegrete e se mudou para Porto Alegre. Pouco depois foi para Foz do Iguaçu e começou a dançar em boates. Aos 24 anos, incentivada por uma amiga, foi para São Paulo, onde se destacou como dançarina e logo começou a receber convites para eventos de revistas. Mas o que suscitou o interesse da indústria pornográfica foi sua presença em vídeos da internet – como já era bastante conhecida, pôde negociar um bom cachê.
Ela foi contratada numa época em que certas celebridades começavam a se aventurar no ramo. Um deles foi o ator Alexandre Frota, que deixou lembranças ambíguas de sua passagem pela Brasileirinhas. “Até a chegada dele, o pornô era totalmente marginalizado, um estigma que vinha desde a época da boca do lixo, das pornochanchadas”, comentou Nunes, e completou: “Frota desmistificou isso.” No entanto, o ator e outros que, como ele – Rita Cadillac, Gretchen, Mateus Carrieri –, rodaram filmes esporádicos só atraíram clientes sazonais. Os fãs assíduos da produtora, os “punheteiros” que sustentam a empresa, não gostam de celebridades. “Frequentemente mandam e-mails reclamando, ou então comentam em fóruns – ‘Pô, e aquela cena risível de Alexandre Frota, o pior ator pornô do mundo?’”, disse Nunes.
Bendazon também é cético em relação ao potencial dos famosos no mundo pornô. “Não dão ângulo, dificultam a vida.” Ele não considera Frota e outros como “atores pornôs de raiz”. Quando perguntei quem seria esse tipo de ator, tanto ele quanto Nunes foram categóricos: Kid Bengala.
Bruna ainda atua, mas ultimamente tem se concentrado mais na carreira de stripper e dançarina. Na última vez que filmou, contou ter fechado um pacote de três cenas por “algo em torno de 10 mil reais”, muito menos do que conseguia outrora. Ainda assim, seu cachê é maior que o de outras atrizes. A maioria dos entrevistados estimou ganhar, por cena, entre 200 reais – de produtoras menores, independentes, que burlam requisitos legais e nem pedem identificação aos participantes – e 1 500 reais – de produtoras renomadas e estabelecidas. Ninguém quis declarar exatamente quanto ganha.
Se, por um lado, a revolução gonzo libertou a pornografia do pastiche, da imitação de segunda mão de Hollywood, ela também facilitou a cultura do “Faça você mesmo”, lema do empreendedorismo. O pornô amador, filmado por pessoas em suas casas ou lugares públicos, é hoje responsável por uma fatia significativa do consumo.
Nunes não acredita que a produção amadora seja a pá de cal das produtoras. “São nichos. O cara que vê filme amador em geral só gosta de filme amador. Muitas vezes o que o atrai é o fato de que aquilo foi filmado sem consentimento, por exemplo. Não é o que a gente faz. A Brasileirinhas é conhecida pelos filmes bem-feitos, acho que nem se quiséssemos conseguiríamos mudar essa imagem.” O problema maior, na avaliação de Nunes e Bendazon, são a pirataria na internet e os sites que disponibilizam conteúdo ilegalmente, de graça. É um problema insolúvel, impossível de monitorar. O mercado para DVDs pornográficos está a ponto de se extinguir. “Hoje você lança um DVD para mostrar que está vivo. Virou operação de marketing. Não dá lucro nenhum”, falou Nunes.
No dia da filmagem, no carro, quando já voltávamos a São Paulo, Bendazon contou que dentro de seis meses a Brasileirinhas provavelmente não lançaria mais DVDs para venda; o acervo será apenas digital. Do banco de trás, Loupan, que acabara de atuar aquela tarde, se assustou: “É sério?”
Paulistano do bairro de Santa Cecília, moreno, baixo e forte, Loupan, de 31 anos, sempre começa as frases como se estivesse a ponto de fazer uma revelação (“Posso te falar uma coisa?”, “A verdade é a seguinte”), e conclui com uma piscadela de olho, satisfeito. Ainda menor de idade, ouviu de uma de suas primeiras namoradas a sugestão de trabalhar como ator pornográfico. Dois dias depois de completar 18 anos, fez um teste. Foi aprovado e nunca mais parou de atuar. Orgulhoso da profissão, ele com frequência menciona os bens conquistados com seu trabalho – carro, casa própria (“Comprei meu primeiro apartamento aos 21 anos”) e, mais recentemente, um curso de inglês. (Naquela tarde, um pouco antes das filmagens, Lolah o chamou para estudarem juntos.)
Loupan não esconde a raiva dos piratas: “Dá vontade de entrar no computador e espancar esses caras”, disse-me, deitado numa cadeira ao lado da piscina, com os olhos semicerrados e uma expressão serena que contrastava com suas frases incisivas. “Não gosto muito de jornalista”, disse a certa altura, calmo, sem traço de agressividade. Ele não vê na pirataria um problema sistêmico. É uma questão de caráter: “Tem muito espertalhão no mundo.” Apesar de criticar os que pirateiam, e tacitamente admitir o declínio da indústria, Loupan não acredita que sofra ou venha a sofrer as consequências da queda. “Quem é bom é bom, não tem concorrência.” É uma atitude comum no meio. O declínio é aceito em termos abstratos, mas nunca de maneira individual, concreta. A regra geral é válida, mas todos se consideram exceções.
Sérgio, o fotógrafo da equipe, paulistano filho de japoneses, de 56 anos, é um que não se esquiva de admitir a decadência. Preserva a identidade por razões financeiras. “Antes a gente sustentava a família com o pornô, mas agora, que já não dá tanto dinheiro, não é legal se expor.” Como atua em outras áreas – sobretudo fotos para jornais e anúncios de joias –, prefere manter o anonimato. De estatura média, camisa polo, óculos de grau e um ar tranquilo, só uma tatuagem na parte interna do antebraço destoa de seu aspecto circunspecto. A tatuagem traz o sobrenome de sua família, grafado em japonês.
Para Sérgio, o declínio da fotografia antecedeu o do pornô. “O trabalho do fotógrafo profissional ficou muito difícil. Você mesmo poderia ter tirado uma foto para essa matéria com seu telefone, não é?” Por já ter experimentado uma turbulência, ele parece ter uma visão mais abrangente do assunto. Evitando a atitude negacionista com que muitos tentam se defender de um futuro sombrio, Sérgio enxerga a decadência da indústria dentro de um contexto maior – é apenas mais uma das áreas que têm sofrido com o advento das novas mídias. “Como o jornalismo, né?”, disse, com um sorriso cúmplice.
Em Experiência, seu livro de memórias, o escritor britânico Martin Amis discorre sobre a dificuldade de escrever bem sobre sexo. O problema consistiria no fato de cada ser humano ter preferências muito específicas nesse âmbito, e daí ser complicado extrair de uma experiência concreta, individual, a universalidade necessária à literatura: o oxigênio da empatia. Diante de um sem-número de opções narrativas, recorremos a clichês.
A premissa de Amis é perceptível em filmes pornográficos. Ainda que diferentes uns dos outros, todos eles têm um componente ritualístico e previsível. As interlocuções são sempre as mesmas (“Vai, vai!”, “Que bom!”, “Caralho!”), bem como a apresentação, regida por padrões e modas (genitália depilada, maquiagem densa).
Bendazon me prometera acesso à cena que iria filmar, frisando, porém, que eu não deveria permanecer dentro do cômodo, para não constranger os participantes. O aparente paradoxo se resolveu. No dia da filmagem, postado do lado de fora da casa, eu poderia espiar por entre uma cortina de bambu que resguardava o set.
Não assisti mais do que uns poucos minutos, incomodado por assumir aquele papel de voyeur. A filmagem ocorria no mesmo quarto que, horas antes, quando chegamos para o café da manhã, parecia escuro e melancólico, com colares carnavalescos espalhados pelo chão. Gil Bendazon, encapuzado, segurava a câmera; Black se concentrava no laptop, sem capuz; Cindy movia-se sobre Loupan, que estava deitado num sofá; Lola revezava seus esforços entre os dois. A cena, genérica e similar a tantas outras, o reflexo do vidro e o isolamento acústico me davam a impressão de estar vendo um filme através de uma tela.
Tarde da noite, terminada a filmagem, todos foram recolher suas coisas para voltar a São Paulo. Na sala sobrou apenas Kid Bengala, que havia interrompido a entrevista comigo para gravar a apresentação da Casa das Brasileirinhas. Retomamos a conversa. Largado no sofá, sem camisa, as câmeras desligadas mas ainda apontando em sua direção, Bengala voltou a falar de si.
Após rodar seu primeiro filme pornográfico, em 1990, no Rio de Janeiro, o ator ficou apenas alguns meses na cidade. Fez mais dois filmes, “para aprender a lidar com as câmeras”, e esperando ser chamado para atuar no exterior. Ouvira que profissionais como ele ganhavam muito dinheiro na Europa e nos Estados Unidos. (Anos depois descobriria que os atores de fora não eram tão bem remunerados: “Essa história é balela. O que se ganha aqui ganha-se lá, a diferença é pouca.”) De todo modo, como na época ainda não existia uma indústria nacional de pornografia, Bengala retornou a São Paulo. Seguiu sua vida como fresador ferramenteiro e retomou as orgias com amigos.
Um desses amigos, Sandro Lima, viria a se tornar cinegrafista da Brasileirinhas. Quando o mercado cresceu, por volta de 2003, 2004, ele convidou Bengala a voltar à ativa. A princípio, o ator não acreditou que a proposta pudesse cobrir seu salário na fábrica – lembrava que em 1990 o mercado não pagava bem. Ofereceram muito mais. Já na casa dos 50 anos, ele assinou um contrato de dois anos e logo passou a ser um dos atores mais importantes da pornografia nacional, a ponto de ser disputado pela concorrência.
Contou que há poucos anos a Falotex, empresa que produz extensores penianos, investiu na criação de uma réplica de seu pênis. A Adão e Eva Toys, uma outra empresa, recentemente fez uma oferta para expandir em escala nacional a distribuição do artefato. Bengala ganha royalties sobre cada unidade vendida. Quando perguntei se o declínio da indústria poderia afetá-lo de alguma forma, ele foi enfático, passando do uso da primeira para a terceira pessoa: “A queda do pornô nunca alterou minha vida, em nada. Porque o Kid Bengala é um ícone.”
Estimulado pela notoriedade alcançada, em 2008 o ator decidiu candidatar-se a vereador pelo PPS (Partido Popular Socialista). Fez campanha em prostíbulos, cabarés, boates. Abordou camelôs que vendiam seus DVDs na rua 25 de Março. Conseguiu menos que mil votos. Afetado pela derrota, teve o que define como uma “semidepressão”. Passou um tempo na Europa, filmando em Hanover, na Alemanha, e em Salzburgo, na Áustria, mas não se adaptou. “Fiz uma doideira”, disse, referindo-se à eleição. “Candidato de primeira viagem sempre acha que vai ganhar.” No ano passado, no entanto, voltou a se candidatar, desta vez a deputado estadual pelo PTB. Com pouco mais de mil votos, foi novamente derrotado.
Ele desacelerou o ritmo da fala ao comentar os reveses. Mas o desânimo durou pouco. Alguns instantes depois, Bengala já estava falante e efusivo novamente. Enquanto discorria sobre a sua vida em São Paulo e a ascensão ao estrelato pornô, interrompeu o raciocínio, como se tivesse esquecido de dizer algo importante. Parecia o prelúdio de mais uma digressão sexual, talvez uma lembrança do cais de Santos e das suas primeiras namoradas. Mas, sorrindo, ele apenas arregalou os olhos e perguntou na minha direção: “Ô, jornalista, você já viu o tamanho dele?”
14 de junho de 2015
Alejandro Chacoff
[1] Surgida no início dos anos 70 e cunhada pelo americano Hunter S. Thompson, a expressão “jornalismo gonzo” passou a designar um estilo no qual o repórter se mistura à história que narra e comenta no texto essa sua interferência, descartando qualquer aspiração à objetividade.
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