sexta-feira, 16 de outubro de 2015

ESCOLHENDO CHEFIAS INCOMPETENTES


Em um desses cursos de chefia comuns no serviço público, geralmente ministrados para pessoas que não querem aprender, por professores que não sabem ensinar, uma psicóloga distribuiu para cada um dos dez participantes um envelope contendo oito pedaços de cartolina recortados em formatos e tamanhos diversos.

Colocados nas posições certas, os recortes formariam quadrados, um para cada envelope. Na realidade, cinco envelopes continham sete pedaços de cartolina, e os outros cinco continham nove, pois um pedaço de cartolina havia sido previamente retirado de cinco envelopes, e cada um dos outros cinco recebeu um pedaço a mais.

Ao distribuir um envelope para cada participante, a psicóloga informou que “todos teriam de formar um quadrado” no menor tempo possível, e recomendou que mantivessem o silêncio. Suponho que o mais rápido ganharia pontos para eventuais promoções. Critério, aliás, que não me parece válido para esse efeito, pois a maior rapidez nessa tarefa se adquire com a ajuda de golpe de vista, memória, agilidade manual, experiência prévia – nenhuma se relaciona diretamente com a capacidade para dirigir. Do mesmo modo que a facilidade para marcar gols, por exemplo, pode indicar o melhor artilheiro, mas não necessariamente o melhor líder de uma equipe nem o melhor treinador.

Após receber o envelope, cada um examinou o conteúdo, e logo depois todos começaram a montar o quadrado. Nenhum conseguiu, pois o pedaço de cartolina que faltava para um estava com outro, e este outro tinha um pedaço sobrando. Todos dependiam de encontrar o parceiro adequado. Como você pode concluir, talvez o teste seja bom para definir quem deve se casar com quem, tendo em vista que muitas vezes os casais se atraem em função do que falta em um e sobra no outro. Poderia ser útil numa agência matrimonial, não para promoções a cargos de chefia.

No caso concreto, o teste só conseguiu identificar o mais afoito e mais apressado dos dez. De certa forma, serviu também para caracterizá-lo como quem menos entende uma ordem recebida, além de mostrá-lo como prejudicial à atividade dos outros e aproveitador dos recursos alheios em benefício próprio. Como se concluiu tudo isso? Não, caro leitor, ninguém concluiu assim naquela ocasião, e mesmo eu estou fazendo esta avaliação agora, enquanto escrevo.

Quando o apressadinho percebeu que só lhe faltava uma peça para completar o quadrado, concluiu que ela devia estar com um dos outros, e teria que localizá-lo. Como? Procurando entre as peças dos outros, é claro, mas não podiam conversar. Decidiu fazer sinais aos outros, convocando-os a colocar no chão todas as peças que tinham. Ninguém contestou, pois estavam todos empacados. Como esse “bom geral” lhes pareceu mais avançado no trabalho, o coleguismo mandava ajudá-lo.

Calcule o leitor a barafunda de setenta e três peças amontoadas no chão, além das sete do “bom geral”. Encontrar a peça “figurinha difícil” tornou-se para ele uma tarefa parecida com procurar uma agulha num monte de agulhas. Daí para diante ele passou a agir como barata tonta. Não progrediu nada, além de impedir que os outros progredissem. Argumentou depois que a instrução da psicóloga poderia ser entendida como “todos devem formar só um quadrado” (um quadradão único, portanto), e ele resolvera assumir a tarefa.

Você, caro leitor, concluiria que aquele apressadinho tinha qualidades de liderança? Que conseguiria levar adiante tarefas de equipe? Que deveria ser promovido ao primeiro cargo disponível? Na evidente suposição de que a sua conclusão coincide com a minha, vou informar-lhe que poucas semanas depois o apressadinho havia sido promovido. Ninguém lamentou, afinal ele era um “bom praça” e muito bem intencionado. Mas basta isso para chefiar, liderar, comandar?

A solução de um problema deve ser procurada pela própria pessoa que deparou com ele. Se não conseguir, deve recorrer à ajuda de quem está mais próximo – a família ou amigos, por exemplo. Se o problema atinge número maior de pessoas, e supera as capacidades da família, deve recorrer a organismos de maior amplitude, como a prefeitura. O governo do estado pode ser acionado quando a solução se torna impossível em níveis mais baixos. Só em último caso o assunto deve ser levado ao governo federal, ou mesmo a governos de outros países.

Resumindo: O que pode ser resolvido pelo inferior não deve ser atribuído ao superior nem assumido por ele. Norma sábia, lógica, adequada e muito prática, mas muito esquecida por governos centralizadores. Estes tendem a assumir os problemas de todos, mas de fato não os resolvem. Pelo contrário, para tapar alguns buracos eles criam problemas muito maiores, que passam à categoria de insolúveis.

Você acha que a psicóloga entendeu assim o resultado do teste? Triste ilusão.


16 de outubro de 2015
Jacinto Flecha, in agudas crônicas

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