segunda-feira, 2 de novembro de 2015

ALBERT SCHWEITZER E O RESPEITO AO VALOR INTRÍNSECO DE CADA SER




Albert Schweitzer e o respeito ao valor intrínseco de cada ser
A esplêndida encíclica do papa Francisco “sobre o cuidado da Casa Comum” insiste continuamente que cada ser, por menor que seja, possui valor intrínseco e tem algo a nos dizer, ademais de estar sempre interconectado com todos os demais seres.
Essas reflexões nos remetem ao pensador que melhor analisou o ilimitado respeito a tudo o que existe e vive no Ocidente: o médico suíço Albert Schweitzer (1875-1965). Ele se tornou famoso exegeta bíblico, com vasta obra especialmente sobre questões ligadas à possibilidade ou não de se fazer uma biografia científica de Jesus.
Em consequência de seus estudos sobre a mensagem de Cristo, especialmente do “Sermão da Montanha”, com sua centralidade no pobre e no oprimido, Schweitzer resolveu abandonar tudo e estudar medicina. Em 1913, foi para a África como médico em Lambarene, no atual Gabão, estabelecendo-se exatamente naquelas regiões que foram dominadas e exploradas furiosamente pelos colonizadores europeus. Disse explicitamente, numa carta, que “o que precisamos não é enviar para lá missionários que queiram converter os africanos, mas pessoas que se disponham a fazer para os pobres o que deve ser feito. Se o cristianismo não realizar isso, perdeu seu sentido”. E continua: “Minha vida não é nem a ciência, nem a arte, mas tornar-me um simples ser humano que, no espírito de Jesus, faz alguma coisa, por pequena que seja”.
REFLEXÕES
Em seu hospital no interior da floresta tropical, entre um atendimento e outro de doentes, tinha tempo para refletir sobre os destinos da cultura e da humanidade. Considerava a falta de uma ética humanitária a crise maior da cultura moderna. Tudo em sua ética gira ao redor do respeito, da veneração, da compaixão, da responsabilidade e do cuidado para com todos os seres, especialmente aqueles que mais sofrem.
À vontade de poder de Nietzsche, Schweitzer contrapõe a vontade de viver. “A ideia-chave do bem consiste em conservar a vida, desenvolvê-la e elevá-la ao seu máximo valor; o mal consiste em destruir a vida, prejudicá-la e impedi-la de se desenvolver. Esse é o princípio necessário, universal e absoluto da ética”.
Para Schweitzer, as éticas vigentes são incompletas porque tratam apenas dos comportamentos dos seres humanos face a outros seres humanos e se esquecem de incluir todas as formas de vida que se nos apresentam. O papa, em sua encíclica, faz uma rigorosa crítica a esse antropocentrismo. O respeito que devemos à vida “engloba tudo o que significa amor, doação, compaixão, solidariedade e partilha”.
OUTRAS VIDAS
Como a nossa vida é vida com outras vidas, a ética do respeito à vida deverá ser sempre um conviver e um “consofrer” com os outros. Numa formulação sucinta, afirma: “Tu deves viver convivendo e conservando a vida, esse é o maior dos mandamentos na sua forma mais elementar”. Daí derivam comportamentos de grande compaixão e cuidado.
A ética do respeito e do cuidado de Albert Schweitzer une inteligências emocional, cordial e racional, num esforço de tornar a ética um caminho de salvaguarda de todas as coisas e de resgate do valor que elas possuem em si mesmas. O maior inimigo dessa ética é o embotamento da sensibilidade, a inconsciência e a ignorância, que fazem perder de vista o dom da existência e a excelência da vida em todas as suas formas.
O ser humano é chamado a ser o guardião de cada ser vivo. Ao realizar essa missão, ele alcançará o grau maior de sua humanidade e se sentirá pertencendo a um todo maior, superando a falta de enraizamento e a solidão dos filhos da modernidade.

02 de novembro de 2015
Leonardo Boff

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