Como um jovem belga se converteu ao islã e decidiu lutar ao lado dos fundamentalistas na Síria
Aos 16 anos, Jejoen Bontinck, criado como católico, passou por um período de crise e buscou "alternativas para a dor". Acabou sendo mais um dos 400 belgas que foram lutar na SíriaFOTO: NICOLAS MAETERLINCK/AFP/GETTY IMAGES
Em 2009, o belga Jejoen Bontinck, de 14 anos, residente em Antuérpia, apresentou-se à plateia do programa de tevêDance como Michael Jackson. Vestia um cardigã de lantejoulas e em sua mão esquerda reluzia uma luva branca. Viajara até Ghent em companhia do pai, Dimitri, que, de paletó de risca de giz e óculos de sol gigantescos, identificou-se como empresário, preparador psicológico e assistente pessoal do filho. Diante dos jurados, Jejoen (pronuncia-se “ie-iun”) endossou sua fé no sonho americano. O adolescente exibiu a todos seu moonwalk, ainda na rodada eliminatória do concurso. “Isso é que é performance!”, Dimitri comentou com a apresentadora, a ex-Miss Bélgica Véronique de Kock. “Querida, você ainda vai ouvir falar desse garoto.”
Jejoen logo foi eliminado do certame. Quatro anos depois, quando tudo o que queria era ficar na moita, o jovem era o protagonista de centenas de artigos publicados na imprensa belga. Havia participado de um programa radical de formação de jihadistas que, com sede numa sala alugada de Antuérpia, inspirara dezenas de jovens belgas a emigrar para a Síria e pegar em armas contra o governo de Bashar al-Assad. Boa parte desse grupo acabou integrando o Estado Islâmico, que arregimentou mais de 20 mil combatentes estrangeiros para os conflitos na Síria e no Iraque. Hoje, o Estado Islâmico (EI) controla vastos territórios desses dois países. Com receitas superiores a 1 milhão de dólares por dia, em geral fruto de extorsões e impostos, o EI segue em expansão; em meados de maio de 2015, suas forças capturaram a cidade iraquiana de Ramadi, capital da província de Anbar, e pouco depois assumiram o controle de Palmira, na Síria.
Desde a eclosão da guerra, em 2011, cerca de 4 mil jihadistas europeus foram para a Síria, dos quais mais de 400 belgas. (Estima-se que pelo menos uma centena de norte-americanos tenha se unido à luta.) A migração de jovens que, provenientes de países aparentemente estáveis e prósperos, desejam lutar ao lado de islamistas radicais tem espantado não apenas suas famílias como também os governos e as forças de segurança de toda a Europa.
Dezenas de milhares de civis muçulmanos e rebeldes moderados, em sua maioria sunitas, morreram nos estágios iniciais da guerra na Síria – e muita gente atribuiu o envolvimento de jihadistas europeus a preocupações humanitárias. Contudo, milhares de páginas de documentos, de posse da polícia federal belga – inclusive transcrições de escutas e interrogatórios daqueles que lutaram e retornaram –, mostraram que, antes ainda de o EI anunciar sua presença na Síria, o objetivo primordial de muitos europeus, como os do grupo de Jejoen, era estabelecer um califado islâmico pela via da violência. “Nós já falávamos em terrorismo em 2012”, disse um funcionário da segurança belga, “mas naquela época ninguém queria admitir o terrorismo” – para não ecoar Assad, que insistia que a oposição se compunha de extremistas. Nas palavras do funcionário belga, “era muito difícil dizer: ‘Sim, ele está certo, nossos belgas são terroristas.’”
Depois de oito meses na Síria, Jejoen voltou à Bélgica, onde foi imediatamente preso. Segundo seu advogado, as autoridades o interrogaram por mais de duzentas horas. E assim ficaram sabendo como se dava o processo de recrutamento de islamistas radicais e como funcionava o Estado Islâmico. “Temos certeza de que ele não nos revelou tudo”, afirmou o funcionário belga. “Mas, daquilo que nos contou”, concluiu, “não havia uma só informação incorreta.”
Entre o final de 2014 e o começo de 2015, estive diversas vezes com Jejoen, em geral na casa de sua mãe, em Antuérpia, onde o jovem aguardava a sentença do maior julgamento de terrorismo jamais ocorrido na Bélgica. Ele se esquivava de discutir sua experiência na Síria, preferindo jogar Counter-Strike num laptop. Transcrições dos interrogatórios policiais, no entanto, indicaram que, nesse processo, Jejoen foi, como diz seu pai, “a testemunha-chave”.
Em 1994, Dimitri Bontinck, então um jovem de 20 anos que trabalhava como leão de chácara de uma boate, viajou a passeio para a África Ocidental, onde conheceu Rose, uma nigeriana de fé católica estrita. Casaram-se e Jejoen nasceu no ano seguinte, no sul da Nigéria. Pouco depois a família se mudou para a Bélgica. Em seu apartamento de um único cômodo em Antuérpia, Dimitri me contou que esteve no Exército e, em seguida, participou de uma missão de paz da ONU na Bósnia, antes de assumir um cargo administrativo no Judiciário da cidade. Quando Jejoen tinha 8 anos, nasceu sua irmã, Iris. A vida em família era “sempre harmoniosa”, disse Dimitri, que aos 41 anos trazia a cabeça raspada e ostentava um físico atlético que não denunciava sua afeição a uísques e Marlboros.
Jejoen teve uma criação católica e estudou numa escola jesuíta de prestígio. “Acho que foi o melhor período da vida dele”, comentou o pai, louvando a estrutura do ensino. Aos 15 anos, porém, o garoto tropeçava na matemática e precisou mudar de colégio. Depois, a namorada o abandonou. Foi naquele momento, disse o pai, que ele “caiu num buraco negro”.
À polícia, Jejoen descreveu essa época como um período de “busca”, de “procura de uma alternativa para a dor”. Aos 16 anos, começou a sair com uma garota marroquina da escola nova, que o apresentou ao islamismo e lhe disse que, se quisesse continuar a vê-la, teria de aprender sobre o islã. Jejoen fez uma busca online e, em 1o de agosto de 2011, primeiro dia do Ramadã, converteu-se ao islamismo na mesquita De-Koepel.
De-Koepel, que significa “a cúpula”, foi fundada em 2005, em Antuérpia, por belgas convertidos ao islã. À época, nenhuma outra mesquita na Bélgica oferecia orações que não fossem em árabe ou turco, e por isso os muçulmanos que não falavam essas línguas não conseguiam acompanhar os sermões. De-Koepel tornou-se assim um lar não apenas para convertidos, mas também para centenas de descendentes de marroquinos e turcos.
Às sextas-feiras, o piso térreo da mesquita abrigava quatro fileiras de homens e meninos. As mulheres oravam no piso de cima e assistiam em vídeo ao sermão proferido pelo imã. Jejoen rezava cinco vezes ao dia e acompanhava de perto os discursos de Sulayman van Ael, o imã daquela época, cujo tom era moderado, com ênfase em obras de caridade e nos cinco pilares do islã.
Dimitri ficou frustrado com a conversão do filho. “Uma família deve se reunir à mesa”, ele disse; contudo, as restrições alimentares islâmicas adotadas pelo adolescente escassearam as refeições em comum. Ainda assim, Dimitri interpretava os novos hábitos de Jejoen como uma espécie de rebeldia adolescente.
Em novembro de 2011, três meses após a conversão de Jejoen, Azeddine, um vizinho do garoto, o convidou para visitar o quartel-general da Sharia4Belgium, no número 117 da Dambruggestraat. Estabelecida no ano anterior, a organização pretendia transformar a Bélgica num Estado governado como as cidades de Raqqa, na Síria, e Mossul, no Iraque. Sua proposta era substituir o Parlamento por um conselho da sharia e o primeiro-ministro por um califa, assim como apedrejar adúlteros, executar homossexuais e, por fim, converter ou expulsar todos os não muçulmanos – ou então forçá-los a pagar a jizya, o imposto aplicado aos que não aderem à fé islâmica.
O líder da Sharia4Belgium era o belga Fouad Belkacem, um pregador hoje com 33 anos, filho de pais marroquinos. Esguio, de óculos, a caminho da calvície mas com uma barba negra e cheia, Belkacem costumava vestir uma comprida jelaba. Antes, aos 20 e poucos anos, era adepto de jeans e do rosto escanhoado. Preso por arrombamento seguido de roubo e por falsificação, amargou um tempo na cadeia. Uma vez em liberdade, trabalhou como vendedor de carros usados e atuou como voluntário num centro para a juventude, onde, segundo o assistente social Peter Calluy, ele propagava ideias homofóbicas e antidemocráticas.
Anjem Choudary, um islamista radical britânico, contou-me que em março de 2010 Belkacem o visitou em Londres para pedir conselhos sobre “como começar alguma coisa na Bélgica”. O quase cinquentão Choudary, de barba longa e algo grisalha, já atuou como porta-voz de vários grupos radicais, como o Al-Muhajiroun e o Islam4uk, que as leis antiterrorismo britânicas acabaram considerando ilegais. Choudary já foi preso diversas vezes por organizar protestos ilegais, e alguns de seus admiradores cometeram atos de terrorismo, como o assassinato do soldado britânico Lee Rigby, em 2013. No entanto, embora vigiado de perto pelos serviços de segurança, ele ainda não foi condenado por qualquer ato terrorista.
Numa tarde do início do ano, em um café londrino, encontrei Choudary. “Reexaminei toda a história do Al-Muhajiroun, de como formamos o grupo. Não dá para agir como os profetas de antigamente, subir no topo das colinas e montanhas e falar ao povo”, ele disse. E explicou: “Hoje, as colinas e montanhas são a Sky News, a CNN, a Fox, a BBC.” O assassinato de doze pessoas na redação do Charlie Hebdo ocorrera poucas horas antes, e foi com orgulho que Choudary me mostrou seu tuíte a respeito: “Seja qual for sua opinião sobre o que ocorreu hoje em Paris, liberdade de expressão não inclui insultar os Profetas de Alá! #ParisShooting.” Ele estava maravilhado com a reação. “Nada mau – 286 retuítes”, disse. Minutos depois, seu telefone tocou. “Fox News hoje à noite”, disse sorrindo. Falaria no talk show do norte-americano Sean Hannity, conhecido por suas posições conservadoras.
Choudary descreveu Belkacem como um “jovem irmão, bastante receptivo”. Em março de 2010, Belkacem havia voltado para a Bélgica e dera início à Sharia4Belgium. Quando Jejoen aderiu ao grupo, em novembro de 2011, eles não só já haviam queimado uma bandeira americana em público – comemorando os ataques de 11 de setembro ao World Trade Center –, como, numa postagem no Facebook, haviam saudado o câncer de um político jovem, pertencente a um partido de extrema direita contra muçulmanos e imigrantes. Depois, no YouTube, Belkacem anunciou que a Sharia4Belgium pretendia destruir monumentos e conclamava seus asseclas a viajar para a Holanda a fim de perturbar uma palestra de dois muçulmanos assumidamente gays. Todo fim de semana, o grupo promovia manifestações nas praças de Antuérpia e Bruxelas, assim como nas localidades ao longo da via férrea que une uma cidade à outra. A Sharia4Belgium gozava da proteção das mesmas leis de liberdade de expressão que o grupo buscava revogar. “Era meio irritante”, disse o funcionário da segurança belga, mas “estava mais do que claro que ninguém ia destruir a democracia belga distribuindo panfletos.”
Belkacem também contatou jihadistas de outros países. “Ele tinha conexões com a Dinamarca e outros pontos da Europa”, disse Choudary. Um proeminente ideólogo jihadista no Oriente Médio, Abu Muhammad al-Maqdisi, aconselhou Belkacem a se concentrar no recrutamento de novos membros. O objetivo era impor a sharia não apenas à Bélgica, mas em toda parte.
Quando Jejoen visitou pela primeira vez o quartel-general da Sharia4Belgium, Belkacem lhe perguntou se estava preparado para aprender o Corão “sem distorções, edição ou interpretação”. A seguir, mandou-o à De-Koepel com uma lista de perguntas a serem feitas ao imã Van Ael, uma das quais versava sobre a legitimidade do ódio em nome de Alá. “Van Ael falou, literalmente, que essa era a ideologia da Sharia4Belgium, e que eu deveria me afastar dela”, disse Jejoen. Belkacem, no entanto, evocara versos do Corão e da hadith, procurando convencer seu jovem interlocutor de sua interpretação do islã. A resposta de Van Ael reforçou a crença de Jejoen na mensagem de Belkacem.
“Os padrões típicos de recrutamento na Europa e no Ocidente indicam que o fato de a pessoa não possuir uma base religiosa facilita a arregimentação”, explicou-me Maajid Nawaz, ex-recrutador islamista que hoje chefia o Quilliam, um think tanklondrino dedicado a combater o extremismo. Convertidos e recém-devotos, “deslocados das hierarquias tradicionais” do islã, dificilmente desafiam uma suposta autoridade no tocante a questões religiosas.
Jejoen adotou um nome muçulmano, Sayfullah Ahlu Sunna. E também adotou uma kunya, alcunha que, no mundo árabe, expressa relações familiares e de afeto, mas que nos círculos jihadistas também serve para ocultar a identidade. A alcunha de Jejoen era Abu Assya; a de Belkacem, Abu Imran. Os membros da Sharia4Belgium, conhecidos como “irmãos”, se tratavam uns aos outros pelas kunyas.
Belkacem comandava um programa intensivo de treinamento ideológico de 24 semanas. Se, por um lado, as mesquitas tradicionais incentivam a erudição religiosa e as nuances de interpretação, Belkacem, ao contrário, reduzia o mundo – dividido entre muçulmanos e não muçulmanos – a organogramas e categorias (muçulmanos x infiéis, sharia x democracia), como atestam as notas recolhidas em batidas policiais. Para ele, a maioria dos imãs ignorava discussões sobre a jihad e o martírio a fim de continuar recebendo financiamento estatal. Bart Buytaert, o diretor da De-Koepel, chegou a ser acusado de não muçulmano.
Jejoen começou a passar boa parte de seu tempo livre na sede da Sharia4Belgium. Um dos irmãos dava aulas regulares de artes marciais, que alguns dos correligionários complementavam com treinamento de kickboxing num ginásio das proximidades. Choudary, que os registros policiais identificam como um dos financiadores da Sharia4Belgium, dava palestras por meio do Paltalk, um programa de bate-papo por vídeo. Seu mentor, Omar Bakri Muhammad – um pregador radical que ficou conhecido em Londres como “o aiatolá de Tottenham” –, fazia o mesmo a partir do Líbano, onde fora morar depois de ter sido expulso do Reino Unido. Choudary também promovia um programa de intercâmbio: o pessoal de Belkacem ia à Inglaterra estudar com ele e alguns de seus seguidores visitavam o quartel-general da Sharia4Belgium.
Certa ocasião, Choudary viajou à Holanda com um grupo de seguidores, para dar uma palestra para os irmãos da Sharia4Belgium e de sua coirmã, a Sharia4Holland, sobre “metodologia para derrubar governos”. A visita foi filmada por uma equipe de documentaristas do canal de tevê belga RTBF. “Vim da Inglaterra para radicalizar a juventude deste país”, disse Choudary. Um membro da Sharia4Belgium comentou com um colega britânico: “Às vezes você precisa de um laptop, mas às vezes um fuzil Kalashnikov é mais útil.”
Os membros eram desaconselhados a compartilhar com seus pais informações sobre o grupo. Como me disse Choudary, “não há necessidade de eles saberem”. Quando os pais de Jejoen lhe perguntavam onde ele passava tanto tempo, ele respondia que ficava jogando videogame com amigos. Voltava tarde para casa e tinha dificuldade em acordar. “Pouco a pouco, começou a negligenciar suas responsabilidades”, disse Dimitri. Alguns dos irmãos abandonaram a escola, muitos se afastaram de amigos que não pertenciam à Sharia4Belgium. Choudary disse que era “natural” que os membros “se distanciassem de suas vidas anteriores, assim como de amigos e de padrões de comportamento do passado”.
Dimitri descobriu que o filho frequentava a Sharia4Belgium no final de 2011, mal Jejoen se juntara ao grupo. Então o irmão Michael Delefortrie – que dera a seus dois filhos os nomes de fundadores da Al-Qaeda – foi preso por tentar vender um Kalashnikov na internet. Belkacem concedeu uma entrevista coletiva que foi ao ar num jornal noturno. Dimitri assistia tevê em casa quando o filho apareceu ao lado de Belkacem. Contando à polícia que o rapaz era menor de idade, pediu que o arrancassem daquele grupo, mas, segundo ele, um juiz respondeu que não havia o que fazer.
Então, num fim de tarde, em fevereiro de 2012, o diretor do colégio de Jejoen avisou à polícia que o garoto ameaçara “purificar” a escola. O juizado de menores determinou que o estudante consultasse uma psicóloga – a profissional, porém, nada sabia sobre o islã. “Como é que você pode resolver um problema, se os outros nem sabem onde fica Meca?”, perguntou. Assim, Dimitri passou a visitar a sede da Sharia-4Belgium, esperando encontrar algum indício de atividade ilegal. “Sempre tive a sensação de que havia algo errado naquela agremiação”, ele me disse. Dimitri e Rose chamaram Belkacem à casa deles, mas ele foi hábil o suficiente para se esquivar das perguntas dos dois, e Dimitri nunca encontrou nenhum material extremista no quartel-general da Sharia4Belgium. Embora a polícia tenha posteriormente descoberto textos fundamentalistas – inclusive um panfleto com instruções de como bater numa mulher “com propósitos corretivos e educacionais” –, esse material era mantido nos lares dos membros do grupo, longe da sede.
Como parte do programa de doutrinação, os irmãos costumavam assistir a gravações de palestras proferidas por Anwar al-Awlaki, o imã nascido nos Estados Unidos que morreu no Iêmen, vítima do ataque de um drone norte-americano, pouco menos de um mês antes da primeira visita de Jejoen ao quartel-general da Sharia4Belgium. Vídeos de batalhas no Afeganistão, na Chechênia e em outras zonas de conflito envolvendo jihadistas também faziam parte do programa. Os mujahidin passaram a ser considerados heróis altruístas em defesa do islã contra cruzados corruptos. Um dia, se depararam com o filme de uma decapitação. Os membros do grupo discutiam onde gostariam de lutar no futuro, se na Líbia, na Somália ou nas ilhas Seicheles. “Você passa meses com um grupo que acha a jihad uma coisa normal”, disse Jejoen.
O jovem continuava a enviar mensagens de celular para garotas. Belkacem o havia proibido, e certo dia mandou um irmão destruir seu chip. Meses mais tarde, Jejoen se meteu numa enrascada ainda maior, quando resolveu pregar por conta própria – atitude que alguns membros da Sharia4Belgium julgaram mero pretexto para conhecer garotas. Belkacem acusou-o de praticar “exorcismo”, e Jejoen foi temporariamente afastado do grupo.
Belkacem dedicava as últimas quatro semanas do curso a discursos sobre a importância da lealdade entre muçulmanos e do repúdio a não muçulmanos. A ameaça de excomunhão trazia a maioria dos membros na ponta do laço. Um dos irmãos, já no final da adolescência, foi solicitado a se submeter à circuncisão. A conclusão do programa previa um exame escrito, com questões rudimentares como “o que significa o islã” e “devo ou não votar”. (Os membros eram desaconselhados a votar, porque fazê-lo significava reconhecer a legitimidade do processo democrático.) Uma batida policial encontrou o exame de um estudante que acertou 84 das 100 questões. Hoje, acredita-se que ele seja membro da polícia religiosa em Raqqa.
Por volta de fevereiro de 2012, a polícia belga estava monitorando os telefonemas entre os membros do grupo. Muitos dos calouros, no entanto, eram pequenos infratores que conheciam as táticas policiais. Um ex-agente do contraterrorismo belga me disse: “Eles sabem como se faz. Compram um celular barato e depois o descartam.”
Belkacem nunca instruiu explicitamente seus seguidores a lutar na Síria. Mas ensinava-lhes que o martírio no campo de batalha – a que se referia como “islamismo puro” – favorecia a recompensa máxima no paraíso. “A batalha não é apenas um convite: é também uma obrigação individual”, disse à polícia belga Walid Lakdim, um membro da Sharia4Belgium que voltara da Síria.
Por essa época, a revolução síria não era identificada pelo jihadismo internacional: sua face rebelde era o Exército Livre da Síria, um conglomerado informal de grupos, alguns deles liderados por oficiais desertores das forças de Assad depois de terem se recusado a atirar em manifestantes desarmados. Os rebeldes falavam do triunfo da democracia sobre o regime brutal de Assad.
Em 2011, Nabil Kasmi, membro da Sharia4Belgium, foi ao Líbano visitar o mentor de Choudary, Omar Bakri Muhammad, que vivia sob prisão domiciliar em Trípoli, cidade costeira no norte do país. Kasmi voltou à Bélgica meses mais tarde, mas, em março de 2012, retornaria ao Líbano. Ao mesmo tempo, outros membros da Sharia4Belgium viajaram para o Iêmen, onde foram detidos e deportados, sob a suspeita de haverem tentado se juntar à Al-Qaeda. Então, em maio de 2012, Kasmi cruzou a fronteira da Síria.
Jejoen disse à polícia que Kasmi ligou para a sede da Sharia4Belgium e declarou que “estava na Síria para lutar”. De acordo com um tribunal militar libanês, Bakri Muhammad e Kasmi ajudaram uns poucos jihadistas europeus a se estabelecer em grupos filiados à Al-Qaeda dentro da Síria. “Uma vez prontos a partir para a Síria”, disse o funcionário da segurança belga, “tinham toda uma rede operacional à disposição”, graças aos vínculos da Sharia4Belgium com Bakri Muhammad e Choudary. (Choudary negou ter enviado gente para a Síria: “Se tivesse de mandar alguém para lá, eu iria antes.”)
No mês seguinte, Belkacem foi detido e encarcerado sob a acusação de instigar o ódio. Uma de suas esposas, Stephanie Djato, se recusara a obedecer à lei belga que proíbe as mulheres de cobrir totalmente o rosto em público. (Embora a poligamia seja ilegal no país, Belkacem se casou pelo menos duas vezes em cerimônias religiosas.) Quando uma policial tentou tirar seuniqab, recebeu de Djato uma cabeçada que lhe quebrou o nariz. Tanto Belkacem como Choudary postaram ameaças de vingança. Seguiram-se distúrbios em Bruxelas, e dois policiais foram esfaqueados por um homem que portava textos da Sharia4Belgium.
Com Belkacem na cadeia, o grupo ficou à deriva. Seus membros deram continuidade às sessões de vídeo com Choudary, que os conclamou a protestar contra as Olimpíadas a serem realizadas em Londres naquele mês de junho. Kasmi retornou à Bélgica por um curto período de tempo. Depois, em 20 de agosto de 2012, partiu novamente para a Síria; em 21 de agosto, outros cinco membros o seguiriam. Em setembro, Jejoen e vários integrantes da Sharia4Belgium participaram de protestos contra A Inocência dos Muçulmanos, um curta-metragem que retrata o profeta Maomé como homossexual e molestador de crianças, estopim de protestos violentos por todo o Oriente Médio e pelo norte da África.
Por volta de outubro, o grupo se dissolveu e, nos dezoito meses seguintes, cerca de cinquenta belgas filiados diretamente à Sharia4Belgium partiram para a Síria. Os primeiros a chegar se juntaram a grupos que, mais tarde, foram encampados pela Al-Qaeda e pelo EI; os demais entraram majoritariamente para o EI. Apenas Belkacem ficou para trás. Numa carta aberta escrita da prisão, reiterou que era apenas um “provocador”, comparando-se ao Pussy Riot e ao Femen.
Em fevereiro de 2013, aos 18 anos recém-feitos, Jejoen despertou de um sonho no qual Azeddine – o vizinho que lhe apresentara a Sharia4Belgium – orava por ajuda. Não se viam fazia cinco meses. Poucos dias mais tarde, Jejoen recebeu uma ligação de um telefone que começava com 963, o DDI da Síria. Era Azeddine. Jejoen perguntou-lhe quem mais estava por lá. “Todo mundo”, foi a resposta.
Sob o pretexto de que iria a Amsterdã com amigos, Jejoen pegou emprestada a mala do pai e nela colocou um saco de dormir, roupas quentes, uma lanterna e, a pedido de Azeddine, óculos de visão noturna. Outro membro da Sharia4Belgium, já na Síria, explicou-lhe como alcançar a fronteira com a Turquia. O jovem partiu de casa em 21 de fevereiro de 2013, sem sequer saber o nome do grupo ao qual iria se juntar. Esperava tornar-se “um mártir em muito pouco tempo e ir para o paraíso”, disse. Acreditava, como lhe haviam dito, que “as boas ações apagam as más, e a jihad é a melhor das boas ações”.
Em Schiphol, o aeroporto de Amsterdã, Jejoen passou tanto tempo no Burger King que perdeu o voo para Istambul. Tinha esquecido seu passaporte, mas a carteira de identidade belga era suficiente. Fora instruído a se encontrar com dois outros aspirantes a jihadistas em Istambul, mas acabou indo parar no aeroporto errado. Assim, seguiu viagem sozinho e voou para Adana, no sul da Turquia, onde todos finalmente se reuniram num café. Embarcaram num ônibus para Antáquia, perto da fronteira da Síria.
Lá, foram recebidos por um “facilitador” que os conduziu a uma aldeia nas montanhas, onde, junto com outros jihadistas, ficaram esperando o sinal para atravessar a fronteira. Uma vez na Síria, Jejoen e seus companheiros enviaram mensagens de texto para outros membros da Sharia4Belgium já no país, pedindo que fossem buscá-los. Ao cair da noite de 22 de fevereiro, Jejoen estava num carro e, de novo, na companhia de seus amigos belgas. “Achei estranho vê-los armados”, disse à polícia. “Hesitei um pouco e, então, perguntei se era para aquilo que eu tinha ido até lá.” Logo, o carro estacionou num casarão em Kafr Hamra, uma cidadezinha nas cercanias de Aleppo. Cerca de setenta pares de sapatos alinhavam-se em prateleiras do lado de fora da porta principal – pertenciam a jihadistas belgas, holandeses e franceses. Dentro da casa, Jejoen encontrou Amr al-Absi, o emir sírio no comando da Shura dos Mujahidin, um grupo internacional de jihadistas cujo objetivo era transformar o norte do país num Estado islâmico. Absi, que fora seriamente ferido em combate, tinha várias costelas quebradas e uma grande úlcera na perna esquerda.
Afamília de Absi é de Aleppo, mas ele nasceu na Arábia Saudita, provavelmente em 1979. Seu irmão mais velho, o dentista Firas, foi treinado pela Al-Qaeda no Afeganistão. Acredita-se que os dois tenham aderido à Al-Qaeda no Iraque, que se tornou o Estado Islâmico do Iraque e que daria origem ao atual EI; o propósito do grupo era fundar um califado islâmico que se espalharia por todo o Oriente Médio e mais além. Em 2007, Amr al-Absi foi preso na Síria e encarcerado na ala reservada à Al-Qaeda da prisão de Sednaya, com centenas de outros extremistas. Quatro anos mais tarde, em junho de 2011, Assad os libertou. Foi uma guinada na guerra da Síria. O presidente declarara que a oposição estava cheia de terroristas, uma afirmação que a misteriosa anistia tratou de tornar verdadeira. Parecia uma jogada calculada para envenenar a nascente revolução síria.
Absi assumiu a liderança de uma brigada de jihadistas nas proximidades da cidade síria de Homs. Seu irmão, Firas, tinha acabado de fundar o grupo Shura do Estado Islâmico, que, em julho de 2012, ganhou notoriedade ao içar a bandeira da Al-Qaeda no posto de fronteira próximo a Bab al-Hawa, importante ponto de passagem entre Turquia e Síria. Era a primeira menção a um Estado islâmico na guerra civil síria. Na semana seguinte, o grupo sequestrou dois jornalistas europeus, Jeroen Oerlemans e John Cantlie. Rebeldes sírios moderados os resgataram e os libertaram uma semana mais tarde. O extremismo de Firas punha em risco a revolução e, em setembro de 2012, ele foi sequestrado e assassinado por rebeldes moderados. Amr al-Absi herdou o papel do irmão como emir, e o grupo mudou de nome para Shura dos Mujahidin.
Em Kafr Hamra, Absi subdividiu seus combatentes por local de origem. A maior parte dos europeus, inclusive os membros da Sharia4Belgium, morava num casarão cercado por um muro, com piscina interna e uma fonte. Os árabes, e alguns europeus mais afortunados, ocuparam um condomínio próximo conhecido como “o palácio”, o qual, dizia-se, havia sido tomado de um alto funcionário do governo Assad. O condomínio tinha um posto de gasolina, um pomar do tamanho de um campo de futebol e uma piscina no telhado.
Absi designou Houssien Elouassaki, um rapaz de 21 anos integrante da Sharia4Belgium, como líder do grupo europeu. Quando Absi se ausentava, era Elouassaki quem decidia questões que iam desde quem lavava os pratos até quais europeus teriam permissão para se juntar a eles na Síria. “É inacreditável”, seu irmão Abdel, que ficara na Bélgica, disse a um amigo pelo telefone: “Ele é o emir mais jovem do mundo.”
Os combatentes de Absi desconheciam o verdadeiro nome de seu líder. Referiam-se a ele como “xeque”, “emir” ou o tratavam por sua kunya: Abu Asir. Jejoen contou à polícia que os belgas o conheciam sobretudo por ser “o grande financiador de tudo”. Absi comprava armas, combustível, comida e, quando os combatentes se feriam em batalha, pagava as despesas médicas.
No princípio de dezembro de 2012, a Shura dos Mujahidin ajudou a Jabhat al-Nusra – o grupo que, cinco meses depois, tornou-se o aliado sírio oficial da Al-Qaeda – num ataque à Base 111, um posto avançado do Exército também chamado Base do Exército Xeque Suleimã. Era a última base importante de Assad a oeste de Aleppo, e ela logo exibiria a bandeira da Al-Qaeda. O grupo de Absi fez prisioneiros e, de início – de acordo com uma gravação telefônica de um jihadista –, planejava pedir resgate por eles ou trocá-los por prisioneiros. Em vez disso, “todo mundo resolveu cortar o pescoço de alguém”, Houssien Elouassaki contou ao irmão, Abdel, por telefone. Depois, a base do Exército, espalhada por uma área de mais de 200 hectares, foi transformada num campo de treinamento. A Jabhat al-Nusra controlava a entrada do campo, mas o grupo de Absi treinava por conta própria.
O treinamento durava vinte dias. As manhãs começavam com uma corrida de noventa minutos liderada por um ex-agente das forças especiais egípcias, seguida de duas horas de treinamento tático com armas descarregadas e simulações de ataques; depois, uma breve pausa para o almoço e as orações precedia palestras proferidas por estudiosos do islã. As lições eram dadas em árabe e traduzidas por jihadistas bilíngues. À noitinha, os europeus se revezavam como sentinelas.
Por volta do final de dezembro, os europeus da Shura dos Mujahidin bloqueavam a rua principal de Kafr Hamra e detinham os ônibus. Com seus fuzis, fuçavam os pertences dos passageiros na esperança de poder identificar civis xiitas, cristãos, alauitas e curdos – fosse por uma correntinha com um crucifixo, uma vestimenta particular ou uma foto do aiatolá iraniano armazenada num telefone.
Hakim Elouassaki, um dos irmãos mais velhos de Houssien, juntou-se a ele na Síria. Em suas conversas telefônicas com a namorada na Bélgica, gravadas, explicava a rotina: “Pegamos os infiéis e tomamos seu dinheiro e todos os seus pertences”, contou. Somente os sunitas eram poupados. Hakim roubou um anel de ouro de um curdo e um laptop de um cristão. Sua namorada mais tarde relatou a um amigo que, quando se ofereceu para lhe mandar um iPhone da Bélgica, Hakim lhe disse que não se desse ao trabalho, porque estava “esperando para roubar um de um infiel”.
Nos bloqueios de rua, os belgas capturavam civis sírios para pedir resgate. “Normalmente, são 70 mil euros”, relatou Hakim à namorada. “Se não pagarem, matamos.” Os preços, contudo, variavam de acordo com a seita a que a vítima pertencia. Hakim libertou um cristão armênio por 30 mil euros, mas, quando o irmão de um civil xiita pagou a mesma quantia, Hakim matou o refém. Depois, naquele mesmo fim de tarde, ligou para a namorada: “Quando atirei nele, ele levantou a mão”, contou, “de modo que a bala atravessou a mão e a cabeça.” Mas não estava satisfeito: “Queria ter filmado direito a execução”, acrescentou, “mas posicionei mal a câmera e não saiu nada.” (Desde então, ele nega ter matado quem quer que seja na Síria.) Os europeus, porém, filmaram outros assassinatos, inclusive a decapitação de um velho. No vídeo, um jihadista serra o pescoço do homem com uma faca; depois, outro – para júbilo dos colegas – golpeia o mesmo lugar com um facão enferrujado.
Jejoen contou à polícia belga que desejou ir embora da Síria assim que chegou lá. A violência o teria enojado e ele tentou escapar do treinamento obrigatório. Certa vez, no hospital para tratar uma sinusite, pediu ao médico que também lhe receitasse antidepressivos.
Em seu terceiro dia no campo de treinamento, recebeu uma bandana preta com a inscrição em árabe: Shura dos Mujahidin. Foi então que ficou sabendo a que organização se juntara. As bandanas eram todo o uniforme que o grupo trajava. Certa ocasião, depois das orações ao amanhecer, Jejoen perguntou a um dos líderes do campo se podia voltar para a Bélgica. Mencionou um problema de saúde. O jihadista expressou surpresa, mas disse que não o impediria. Houssien Elouassaki, o emir belga subordinado apenas a Absi, foi menos solidário: exigiu que Jejoen lhe entregasse o celular e a carteira de identidade. Jejoen lhe deu o documento e alegou não estar com o telefone.
Depois das orações do amanhecer de 5 de março, terça-feira, seu 11º dia na Síria, Jejoen tomou o café da manhã com o amigo Azeddine e com Houssien. Terminado o desjejum, os dois o apanharam, ataram-lhe as mãos e o conduziram por uma colina íngreme até um bunker transformado em prisão. Jejoen foi acorrentado na cela sem que lhe dissessem o motivo. Cerca de duas semanas mais tarde, Elouassaki foi interrogá-lo. Citou uma mensagem de texto encontrada no celular, mas não esclareceu o que ela dizia. Passadas outras duas ou três semanas, outros membros da Sharia4Belgium foram ao bunker e disseram a Jejoen que seu pai havia aparecido no casarão. Queriam saber como Dimitri havia tomado conhecimento de seu paradeiro.
Assim que Jejoen partiu para a Síria, Dimitri pôs-se a vasculhar a internet atrás de pistas. Ficara sabendo que outros membros da Sharia4Belgium haviam ido para a Síria e concluiu que Jejoen estaria com eles. “Mandei milhares de mensagens”, disse Dimitri. “Nunca recebi resposta.” Um dia, Dimitri encontrou um vídeo no YouTube que mostrava diversos jihadistas belgas num campo de flores amarelas. Um deles se parecia com Jejoen. “Quando vi aquilo, não pude continuar minha vida aqui”, disse. Decidiu partir para a Síria em busca do filho.
Dimitri anunciou sua intenção à imprensa belga, e dois jornalistas – Joanie de Rijke e Narciso Contreras – se ofereceram para ajudá-lo em troca de uma matéria exclusiva. Ambos haviam coberto a região e tinham contatos em áreas dominadas por rebeldes. Dimitri se encontrou com os jornalistas na Turquia e, no começo de abril, os três cruzaram a fronteira, hospedando-se com ativistas de Aleppo favoráveis à revolução.
Numa noite sem lua, uma semana mais tarde, foram de carro até o casarão de Absi. Dimitri estava exausto, queimado de sol e suas roupas fediam a suor. Jihadistas armados ordenaram aos jornalistas que permanecessem no carro, mas permitiram que Dimitri entrasse na casa juntamente com dois ativistas sírios. Dimitri tirou os sapatos à porta e entrou. Dezenas dos camaradas e captores de Jejoen, boa parte deles com touca ninja e cachecol, estavam sentados em sofás e no chão da sala de estar. Alguns empunhavam seus fuzis AK-47, ainda que a sala se destinasse a oferecer acesso à internet e a videogames projetados numa tevê de tela plana.
Absi, um tipo esquelético na casa dos 30 e poucos anos, não estava com o rosto encoberto; tinha espessos cabelos negros e uma barba ainda mais espessa. Sentado num sofá, com a perna ferida levantada, fez sinal para que Dimitri se aproximasse e disse, em inglês, que não havia belgas em suas fileiras. Quando, porém, Dimitri se ergueu para ir embora, Absi estalou os dedos e vários jihadistas lhe botaram um capuz na cabeça, algemaram-no, tiraram sua roupa e bateram nele – alguém chegou a lhe enfiar o cano de um Kalashnikov na boca.
Queriam saber quem lhe havia fornecido a localização da casa. Jejoen estaria vazando segredos do campo de treinamento para o pai? Os jihadistas o interrogaram em inglês e tomaram-lhe o passaporte e o celular, dizendo que iriam matá-lo se encontrassem algum contato com a polícia. Depois, forçaram-no a imitar galinhas, cavalos e cabras. Uma luz forte atravessou o capuz preto, e Dimitri supôs que os militantes estivessem filmando o interrogatório. Já havia visto vídeos de reféns antes, e teve medo de que fossem chantageá-lo ou matá-lo.
Por fim, removeram o capuz, serviram-lhe chá e, depois de mais perguntas, devolveram-lhe o passaporte e o mandaram embora. Dimitri entrou no carro. Na sua ausência, o motorista sírio e um dos jornalistas haviam sido surrados e ameaçados de execução. Abalados, alguns dias depois retornaram a Kilis, uma cidade turca na fronteira da Síria. Semanas mais tarde, Dimitri voltou a Aleppo, mas, de novo, não conseguiu encontrar Jejoen.
Dimitri logo partiu para a Bélgica, onde deu início a uma campanha na mídia para chamar a atenção para o problema do filho. Por fim, para persuadir Jejoen a voltar para casa, divulgou um vídeo em que aparecia disparando tiros e gritando Allahu akbar em companhia de rebeldes sírios. Tal bizarrice sugeria que a tarefa estava além de suas possibilidades. Com o auxílio de um redator, escreveu o livro Jihadista Contra a Vontade, cuja capa exibia uma foto de Jejoen sem camisa. Ganhou fama de excêntrico e exagerado; mais tarde, inventou que a namorada de Jejoen na Bélgica havia dado à luz trigêmeos, para os quais chegou inclusive a inventar nomes.
Avisita de Dimitri convenceu os jihadistas belgas de que Jejoen era um espião. Uma semana mais tarde, Amr al-Absi, ainda de muletas, subiu manquitolando a colina de pedra até a cela de Jejoen para lhe perguntar se ele tinha buscado ajuda em Israel. “Eu disse a ele que aquilo era um grande equívoco”, contou Jejoen. Dimitri havia enviado uma mensagem de texto que mencionava contatos israelenses, e Elouassaki a encontrara ao vasculhar o celular de Jejoen.
Poucos dias depois soltaram o jovem, sob a condição de que terminasse seu treinamento e se dedicasse inteiramente ao grupo. Mas quando outro jihadista belga lhe confidenciou que estava com saudade de casa e pediu sua ajuda para fugir, Jejoen não só concordou em ajudá-lo como disse que iria com ele. Era uma armadilha. No momento em que os dois se esgueiravam para fora do campo, uma BMW com chapa belga os alcançou. Jejoen foi capturado e levado para outro local do complexo, onde Absi estava colocando munição em um revólver. Forçaram-no a se ajoelhar aos pés do emir, que, mirando sua cabeça, puxou o gatilho. “Fechei os olhos e ouvi um estrondo”, o rapaz disse à polícia.
Absi, que tinha carregado a arma com balas de festim, riu e perguntou a Jejoen se ele havia morrido. “Eu não disse nada”, Jejoen contou. “Ele tocou meu pescoço e disse que eu tinha pele macia.” Então, alguém foi apanhar um facão na parede. “Pensei que fosse ser decapitado, porque esse é o castigo para espiões.” Amordaçado, foi torturado por quatro dias, sendo chicoteado com fios elétricos até não conseguir mais andar.
Em 2010, Abu Bakr al-Baghdadi, jihadista militante de Samarra e ex-prisioneiro dos Estados Unidos, foi nomeado líder do Estado Islâmico do Iraque. Em poucos anos, o EII conquistou consideráveis territórios do norte e do oeste do país, perto da fronteira com a Síria. Segundo matéria da jornalista Rania Abouzeid publicada no diário online norte-americano Politico, Baghdadi enviou emissários à Síria em 2011, a fim de tirar proveito do caos revolucionário e preparar a instalação de um Estado islâmico.
Embora devesse se sujeitar às ordens da liderança da Al-Qaeda, em 8 de abril de 2013 Baghdadi anunciou que o EII estava subjugando também a Síria, criando o grupo hoje conhecido como ISIS, acrônimo em inglês para Estado Islâmico do Iraque e da Síria, ou simplesmente Estado Islâmico. Anunciou também que, a partir de então, os jihadistas daquele país estariam sob o seu comando. Isso desencadeou uma luta pelo poder. A Jabhat al-Nusra, grupo sírio oficialmente aliado à Al-Qaeda, reiterou sua lealdade. Absi, por sua vez, cuja filiação ao EII lhe valera o cárcere de Sednaya, perto de Damasco, conduziu a Shura dos Mujahidin ao controle direto de Baghdadi. (Apenas uns poucos desertores se juntaram à Al–Nusra, entre eles o emir belga Houssien Elouassaki, que em semanas acabou sendo assassinado pelos ex-aliados.)
Wikibaghdady, pseudônimo de um tuiteiro aparentemente a par dos meandros da liderança do Estado Islâmico, afirmou que o grupo de Absi foi “o primeiro braço de Baghdadi na Síria”. Absi e Baghdadi teriam arquitetado maneiras de retratar outros grupos rebeldes como marionetes de agências de inteligência, escreveu Wikibaghdady. Não demorou para que combatentes de outras brigadas jihadistas começassem a se bandear em grande número para o Estado Islâmico. Richard Barrett, ex-diretor da Operações Globais de Contraterrorismo para o Serviço Secreto Britânico de Inteligência e vice-presidente do Soufan Group – uma empresa de segurança que rastreia o extremismo islâmico –, me disse: “Tenho a impressão de que, se não fosse por gente como Absi, não teria havido aquele fluxo repentino de estrangeiros abandonando a Al-Nusra pelo Estado Islâmico.” A fidelidade de Absi mostrou a muitos que “quem mandava não era a Al-Qaeda, e sim Baghdadi”. Em troca, Baghdadi fez de Absi o wali de Aleppo, o supervisor de todas as operações do Estado Islâmico naquela província. A partir daí, ser sequestrado na estrada para Aleppo passou a representar, tanto para os jornalistas como para os serviços de ajuda humanitária ocidentais, perigo maior que viver sob os bombardeios da cidade em plena guerra.
Isolado em sua cela, Jejoen só tomou conhecimento da existência do Estado Islâmico pelo menos sete semanas depois que o resto do mundo já sabia. Agora era prisioneiro do EI. Em agosto, transportaram-no para uma prisão no subsolo do hospital pediátrico de Aleppo, onde alguns dos detentos ficavam acorrentados aos aquecedores. Muitos era torturados, e Jejoen por vezes ouvia tiros. Segundo contou à polícia, a Shura dos Mujahidin em geral decapitava prisioneiros, mas o Estado Islâmico preferia balas. Passados uns poucos dias, os captores de Jejoen o transferiram para uma cela com três prisioneiros ocidentais. Dois deles – os jornalistas James Foley e John Cantlie – haviam sido capturados quase um ano antes. (Cantlie, segundo se diz, teria sido capturado enquanto trabalhava num filme sobre seu primeiro sequestro.) O terceiro era o refém alemão Toni Neukirch.
Foley e Cantlie haviam sido capturados juntos em novembro de 2012, quando saíam de um cibercafé perto de Aleppo para seguir de volta à Turquia. Disseram a Jejoen que seus sequestradores pertenciam à Jabhat al-Nusra, mas, depois de serem transferidos para diferentes locais, acabaram nas mãos de Absi.
Jejoen, Foley e Cantlie passaram três semanas entretidos com jogos de palavras para matar o tempo. Foley e Cantlie haviam sido torturados – inclusive com simulação de afogamento –, e os tornozelos de Cantlie exibiam cicatrizes deixadas pelas correntes. Como ambos haviam se convertido ao islamismo durante o cativeiro, os três oravam juntos e conversavam sobre religião.
Um dia, em meados de setembro, o emir da prisão, um jihadista holandês, permitiu que Jejoen fosse liberado, contanto que voltasse ao campo de treinamento ou aceitasse cumprir missão de vigia perto do complexo industrial Xeque Najjar, em Aleppo, local de intensos conflitos. Jejoen escolheu a segunda opção. O jihadista lhe disse que Foley e Cantlie logo seriam enviados para um campo de treinamento.
Jejoen estivera encarcerado por mais de seis meses. Os que o haviam capturado e torturado por causa da mensagem de texto sobre Israel tinham sido transferidos para outras prisões, e ninguém parecia se interessar em saber como ele passava o tempo. Nos primeiros dias depois da soltura, ele se dedicou a testar os limites de sua liberdade. Abandonava seu posto por várias horas, e às vezes ia a cibercafés só para avaliar quando é que notariam sua ausência. Participou também, brevemente, de uma batalha ao norte de Aleppo; os combatentes europeus chamavam aquela frente de “os portões do paraíso”. O advogado de Jejoen admitiu que ele lançou uma granada, mas que o teria feito por puro tédio.
Em 7 de outubro, Jejoen enviou uma mensagem a seu pai: “Talvez eu vá embora.” “Para onde?”, perguntou Dimitri. “Para a Turquia.”
Preso a maior parte do tempo em que estivera na Síria, Jejoen desconhecia a geografia do país. Então Dimitri o ajudou a planejar sua rota. “Estudei todos os mapas”, escreveu ao filho, “conheço tudo de cor!” Devido aos combates entre rebeldes moderados e forças do EIIS perto da fronteira mais próxima com a Turquia, a melhor saída para Jejoen era uma rota mais longa, que atravessava um território do Estado Islâmico a oeste de Aleppo. Decidiram que ele pegaria um ônibus para um hospital sírio perto da fronteira de Bab al-Hawa, onde Dimitri havia estabelecido contatos. Dimitri viajou para Reyhanli, a poeirenta cidade do lado turco da fronteira, e entregou a seus contatos 300 dólares e o passaporte de Jejoen. No dia seguinte, o rapaz estava na Turquia, à porta do hotel em que Dimitri estava hospedado.
Pai e filho embarcaram num ônibus para Antáquia. Lá, Dimitri comprou para Jejoen um anel de prata com uma pedra de ônix (que ele não tira do dedo). Em seguida voaram para Amsterdã. Dimitri alugou um chalé num camping e os dois desfrutaram de um breve período de férias. O jovem disse ao pai que queria ter andado a cavalo na Síria, e Dimitri providenciou para que os dois pudessem cavalgar pelo campo. Retornaram a Antuérpia poucos dias depois.
No começo de 2014, o EI transferiu para Raqqa os jornalistas Foley e Cantlie, bem como os demais reféns ocidentais – nas prisões, lotadas, sobraram apenas sírios. Quando outra facção rebelde abriu os cárceres, só encontrou cadáveres. Wikibaghdady escreveu que Amr al-Absi dera ordem para “não deixar ninguém vivo entre as grades”.
No outono de 2014, Absi foi empossado na Shura do Estado Islâmico, um grupo de conselheiros que responde diretamente a Baghdadi. Richard Barrett, ex-chefe de espionagem, contou que o papel de Absi no conselho era supervisionar a estratégia de mídia do Estado Islâmico. Executaram Foley em agosto e o vídeo de sua decapitação foi exibido pelo mundo todo. Cantlie é, no momento, o único refém ocidental que o EI reconhece ainda estar sob seu poder.
Desde o outono, Cantlie tem aparecido na propaganda do EI, e recentemente serviu de narrador em vídeos que mostram cidades sob controle do Estado Islâmico. Enquanto filmava em Mossul, o jornalista avistou um drone sobre sua cabeça. “Tentando me resgatar de novo?”, gritou para o céu. “Façam alguma coisa!” (Absi, de acordo com um funcionário do governo americano, foi morto num ataque aéreo em novembro último.)
Desesperado para levar Jejoen de volta à Bélgica, Dimitri assegurara ao filho que ele não seria preso, mas, em 18 de outubro de 2013, algumas horas depois de chegar a Antuérpia, o rapaz foi detido pela polícia no apartamento da mãe. (No período em que Jejoen estivera na Síria, Dimitri e Rose haviam se divorciado.) O médico forense que o examinou constatou dezenas de cicatrizes nas costas, na barriga, nos pulsos e no peito dos pés. Depois das perguntas iniciais, Jejoen foi interrogado por oficiais das forças de segurança de vários países, inclusive Estados Unidos e Reino Unido. Suas descrições das tatuagens de Foley e da história familiar de Cantlie foram os primeiros indícios, desde que os reféns haviam desaparecido, de que ainda estivessem vivos.
O depoimento de Jejoen contribuiu para o processo movido pelo promotor de Justiça contra 46 membros da Sharia4Belgium, entre os quais o próprio Jejoen. O grupo foi incriminado coletivamente de constituir uma organização terrorista. Seus membros foram acusados individualmente de numerosos crimes, desde a ameaça de matar políticos belgas até o sequestro e a tortura do próprio Jejoen. Jejoen, por sua vez, foi acusado de integrar o EI durante os dias em que não esteve preso, e de, antes disso, ter pertencido à Sharia4Belgium. Apenas oito dos 46 acusados compareceram ao tribunal. Os demais estão na Síria — a maioria em combate, alguns enterrados.
O julgamento, no Palácio da Justiça de Antuérpia – um complexo de vidro e aço –, começou em setembro de 2014, quase um ano depois do retorno de Jejoen. Forças de segurança armadas isolaram todo o perímetro da sala do tribunal, monitorando a galeria dos visitantes. Em 10 de dezembro, o último dia das audiências, dois policiais escoltaram Belkacem até a sala. Ele vestia um macacão verde-oliva, tinha as mãos algemadas e os movimentos tolhidos por um cinto grosso.
Vinte minutos depois de iniciados os procedimentos, o juiz convidou-o a se pronunciar. Belkacem falou tão baixo que as pessoas se levantaram e se curvaram em sua direção, esforçando-se para ouvi-lo. “Sou muçulmano, e não um terrorista”, declarou.
“Mentiroso!”, gritou Ozana Rodrigues, mãe de Brian de Mulder, então lutando em Raqqa. Belkacem perguntou com toda a calma se era “crime promover a própria religião”.
Overedito e a sentença para Belkacem, Jejoen e os outros seriam proferidos em 14 de janeiro de 2015. Estive em Antuérpia por seis dias durante o inverno, enquanto os juízes deliberavam. “Minha vida foi completamente destruída”, disse Dimitri. Fazia dois anos que ele não arrumava emprego. Quando marcamos nosso primeiro encontro, ele me pediu para levar uísque ou vinho tinto. Como comentou sua ex-mulher, “água, ele não bebe mais”.
Em 2014, contrariando o conselho de seus advogados e do governo belga, em troca de pequena remuneração Dimitri aceitou levar à Síria outros pais em busca dos filhos jihadistas. No verão passado, quando nos vimos em Kilis, ele servia de guia a dois pais belgas. Um deles, Pol van Hessche, mais tarde me contou que havia ido de carro ao norte da Síria, até um casarão perto de Manbij. Era lá que jovens combatentes aguardavam a partida para um campo de treinamento do Estado Islâmico. Seu filho, Lucas, foi encontrá-lo no portão, e Van Hessche implorou para que ele voltasse para a Bélgica. O rapaz se recusou.
Outros pais me asseguraram que Dimitri era a única esperança de, um dia, eles poderem rever seus filhos. Uma noite, em Antuérpia, Dimitri garantiu a Ozana Rodrigues que poderia conduzi-la a Raqqa – ela queria reencontrar o filho, que recentemente tivera um bebê com uma jihadista holandesa. Mais tarde, porém, tomando um uísque em seu apartamento, ele disse que não queria mais saber da Síria. “Não posso seguir vivendo desse jeito”, afirmou. Então se ouviu a campainha do telefone. Depois de desligar, Dimitri anunciou que tinha uma nova missão: “Você acha que vou dizer não a uma mãe que me liga chorando?” E acrescentou: “Eu acordo com a Síria na cabeça e vou dormir pensando nela.”
O empenho de Dimitri para tornar pública a trajetória do filho e o sofrimento de outros pais que enfrentam situação semelhante à dele talvez tenha extrapolado certos limites. Ele deu para se expressar com frases de efeito, autodenominando-se Madre Teresa e descrevendo Jejoen como “igual a Edward Snowden”, por ter revelado segredos da jihad. Fora do tribunal, Dimitri gritava para as câmaras de tevê, em inglês: “Bin Laden ri no inferno, Belkacem, em sua masmorra.” Nesse meio tempo, Dimitri foi sentenciado a oito meses de prisão por um incidente ocorrido em 2013, quando ele bateu numa ex-namorada, filha de um juiz, e a manteve refém num quarto de hotel. Terminado o julgamento, comparou sua situação à de Nelson Mandela.
Em Antuérpia, na véspera do Ano-Novo, duas semanas antes de ser sentenciado, Jejoen foi comigo a seu restaurante chinês preferido. Ele tinha deixado crescer os cabelos e a barba desde que voltara à Bélgica. Enquanto dividíamos um belo peixe, disse que ainda acreditava no califado, que o encarava como “algo que não se pode deter ou evitar”. Ficava chateado quando ouvia o pai dizer que ele não era mais “um radical”, mas não menosprezava as pequenas decepções que havia sofrido. Se Dimitri estivesse por perto, ele usava calça comprida, mas “se ele não estivesse vendo” vestia um qamis, traje típico muçulmano.
Perguntei-lhe sobre a execução de James Foley e Jejoen respondeu que essa era uma questão “para estudiosos” do islã: “Não posso dizer nada a esse respeito, porque não estou nesse nível.” Disse também que não existia diferença entre seus pontos de vista e os de seu “líder espiritual”, Belkacem. Ante a perspectiva da prisão iminente, ele parecia ter rearranjado em sua cabeça a experiência na Síria. Declarou que seu único arrependimento em relação ao tempo que viveu lá era ter voltado para a Bélgica. Morar em Raqqa, comentou, “poderia ser legal”.
Estava em casa fazia mais de um ano e era frequentemente reconhecido e hostilizado nas ruas. Nos últimos meses, sentava-se no tribunal ao lado de outros réus da Sharia4Belgium, alguns dos quais haviam mentido repetidas vezes para as autoridades; sua cooperação parecia não lhe ter acarretado benefício algum. Ninguém lhe oferecera um acordo ou proteção como testemunha, porque, nas palavras do funcionário da segurança belga, “assim é o sistema na Bélgica”.
Embora tivesse revelado segredos da jihad, Jejoen acreditava que poderia voltar em segurança para a Síria. “As pessoas pensam que não posso ir para lá porque senão vão me matar”, disse. Mas comparou sua cooperação com as autoridades – que outros membros da Sharia4Belgium caracterizariam como traição – a um pecado menor, como beber álcool em território belga. No califado, “não podem te punir por isso”, disse, “porque não aconteceu lá”.
Saímos do restaurante, e Jejoen rumou para o apartamento da mãe. Algumas noites depois, ele me ligou de um número desconhecido para pedir ajuda “urgente”. “Eu quero ir para a Turquia”, disse. Seria apenas um passeio, ele iria a um resort à beira-mar em Antália – onde a temperatura naquele momento estava pouco acima de zero. Não estava proibido de viajar, e disse que voltaria a Antuérpia para a sentença. Ia viajar com a namorada, uma belga de ascendência argelina, “extremista”, segundo Dimitri. Pediu para usar meu cartão de crédito e prometeu me dar 800 euros de imediato. O voo partia em nove horas. Eu disse não.
Mais tarde naquela mesma noite, Dimitri fumava na ruazinha gelada defronte à porta de sua casa. “Um de meus contatos na Síria disse que meu filho ligou para ele há três semanas”, contou. Jejoen posteriormente negou: “Se eu quiser voltar para lá, sei como fazer.” Dimitri acreditava que, se Jejoen voltasse para a Síria, o Estado Islâmico o mataria. “Você vai ver ele num vídeo”, disse. Não obstante, deu dinheiro ao filho para a viagem a Antália.
Antes do raiar do dia seguinte, Jejoen foi preso no Aeroporto de Bruxelas. Sua viagem violava uma determinação judicial que o obrigava a manter distância da namorada, depois de uma briga ocorrida quase dois meses antes. (Desde então, eles já haviam se acertado, e ela solicitara o cancelamento da ordem judicial.) Jejoen permaneceu na prisão até a sentença final, que foi adiada por um mês devido ao massacre no Charlie Hebdo.
Em 11 de fevereiro, o tribunal concluiu que a Sharia4Belgium era uma organização terrorista. Jejoen foi condenado a quarenta meses de prisão com direito a sursis.
Belkacem foi condenado a doze anos. (Ele apelou da sentença.) “Vocês têm ideia do potencial que há dentro de uma prisão?”, brincou certa vez com seus seguidores na sede da Sharia4Belgium. “Todo mundo numa prisão é contra o sistema”, disse, “tanto os infiéis como os muçulmanos. Tem um bom trabalho aí. Vai ser fantástico.”
12 de dezembro de 2015
BEN TAUB
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