Assim como tivemos no último dia 9 a edição histórica do UFC 200 com Aldo vs Edgar II, na Folha de SP transcorreu um novo duelo entre os poetas Ferreira Gullar e Augusto de Campos. Passadas (será?) as agruras de tempos (neo)concretistas, que remontam à década de 1960, os poetas voltaram a se enfrentar diversas vezes e agora a briga recomeçou, no retângulo jornalístico da Folha.
Em 12 de junho, Ferreira Gullar subiu ao ringue com o texto “Encontro com Oswald”, em que o poeta traça algumas linhas do encontro inusitado que teve com o grande Oswald de Andrade em sua casa na Rua Fialho, no bairro da Glória: Isso que acabo de contar [a visita surpreendente de Oswald à casa de Gullar] explica por que, no ano seguinte, quando almocei com Augusto de Campos, na Spaghetlândia, no Rio, discordei de sua opinião sobre Oswald de Andrade. Era a opinião generalizada que o meio intelectual tinha dele, e com alguma razão. De fato, Oswald era autor de uma série de proezas que levavam as pessoas a vê-lo como um irresponsável, e até como mau-caráter.”
Revoltado, Augusto de Campos sobe no ringue e, no dia 15, desfere um cruzado de esquerda com o texto “Um memorioso formigueiro mental”. Neste embate, que já começava com tudo para ser grandioso, Campos, no instante em que pisou no ringue, mostrou a que veio:“O poeta Ferreira Gullar abre um parêntese nas suas senilidades politicoides [o público foi ao delírio neste momento] para voltar a provocar-me, invocando suposta conversa que teria tido comigo há mais de 60 anos, na qual eu teria falado mal de Oswald de Andrade.”
CAMPOS REVIDA – Numa tentativa de querer mostrar quem foi mais próximo de Oswald, Campos ainda chutou na altura do quadril e tentou um jab/direto: “Só abre a pós-boca para autolouvar-se” e “Gullar diz que poesia é espanto. Espanto é o que sentimos ao ver o autor de “João Boa-Morte” coroar-se, de fardão, chapéu de plumas, colar e espada, na Academia Brasileira de Letras, onde chucha o seu chazinho bem remunerado com Sarney, FHC, Marco Maciel e até um golpista da TV Globo, entre outros espantalhos imortais da nossa literatura…”
Tomado de fúria pelos ataques sofridos, no dia 26 Gullar desfere um cruzado potente, seguido de um giro com o cotovelo em riste, com o texto: “Não quero ter razão”. E começa o contra-ataque assim: “Surpreso pelo tom insultuoso e agressivo de suas palavras em reação à crônica que eu havia publicado aqui, um domingo antes, evocando minha relação com Oswald de Andrade e sua obra. Toda a fúria de Augusto foi motivada por ter eu mencionado uma conversa nossa, ocorrida em 1955, em que ele fez restrições a Oswald e de que discordei. Se fiz menção a tal conversa foi apenas porque ela efetivamente ocorreu e faz parte de minha relação com o autor de ‘Serafim Ponte Grande’. Não tive outro propósito, muito menos o de subestimar a contribuição de Augusto, Haroldo e Décio para a revalorização da obra de Oswald, fato que reconheci e registrei na referida crônica.”
E continuou: “Em junho de 1957, Augusto e seus parceiros nos enviaram um manifesto afirmando que, a partir de então, a poesia concreta seria fundada em equações matemáticas. Achei um disparate, liguei para Augusto e ele respondeu que era aquilo mesmo o que pensavam e, se eu discordava, fizesse o que achasse melhor. Rompemos. Só que eles nunca fizeram poesia matemática nenhuma nem tampouco desdisseram o que haviam pregado. Se eu fosse tão ressentido quanto ele, diria que o nome disso é charlatanice literária: mas não, era imaturidade mesmo.”
E SEGUE A LUTA… – Augusto de Campos conseguiu fazer a esquiva e revidou com o texto “Um neocordeiro superconcreto e um expremio”, no dia 02 de julho: “Vestindo tosca pele de cordeiro e fingindo espanto, Ferreira Gullar se faz de vítima para contestar a réplica com a qual respondi a mais um acinte que, por estranha compulsão, voltou a me fazer. Nunca me provocou – se lamenta. Nunca atacou os poetas concretos. Limitou-se, coitado, a discordar civilmente de nossas ideias”. E prosseguiu o ataque, agora no flanco político:
“Assim se apresenta o angélico articulista que, nos últimos tempos, sem ter nada de novo a falar em literatura ou em arte, pôs-se a fazer virulenta campanha contra Dilma e seus defensores. Não quer ter razão mas apoia a deposição da presidente eleita, operada cirurgicamente por uma trama vergonhosa de mídia, elites e altos poderes da República, num golpe ilegítimo em nossas instituições democráticas.”
ÚLTIMO ROUND – O árbitro já ia parar a lutar, tinha que parar, mas no dia 10 de julho Gullar publica o texto “O banal maravilhoso” e termina da seguinte forma: “Nota: Soube que Augusto, o Furioso, publicou outro artigo me agredindo. Não o li nem o lerei, pois já dei por encerrado esse bate-boca. Quem o leu diz que o cara pirou de vez, expondo-se mesmo como defensor do petismo corrupto. Se de fato esse é o caso, aconselho-o a buscar urgentemente um psiquiatra.”
Campos então deu o golpe final, em carta à Folha, publicada no último dia 11: “Prevalecendo-se de sua condição de colaborador desse jornal, e com desrespeito a qualquer princípio ético, Ferreira Gullar, depois de ter fugido ao debate por ele mais uma vez provocado em artigo autoencomiástico, volta a me atacar em sua coluna dominical na ‘Ilustrada’. Quando teve o espaço para se defender, e não tendo argumentos contra a minha tréplica documental e veraz, furtou-se à sua. E vem agora me insultar em notúncula extemporânea, acusando-me de defender ‘o petismo corrupto’. Não. Mais corruptos são Cunha e o governo interino que Gullar ajudou a manter e instalar no poder com seus artigos reacionários e infelizes. Dilma não é corrupta. Corrupto é quem se vende para instituições culturais de fachada. Eu não defendo a corrupção. Defendo a democracia, que um viracasaca como o acadêmico Gullar, ex-stalinista e neofascista, despreza e avilta, maculando sua biografia, que cada vez mais se revela a de um ‘formigável’ factóide.”
E assim terminou, meus amigos, uma das maiores lutas entre poetas já vista. Que pode recomeçar a qualquer momento.
17 de julho de 2016
Pedro Beja Aguiar
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