Braga, no quintal aéreo onde floresceu um belo pé de milho |
Envio mais uma crônica do mestre Rubem Braga, que somente espaços como a Tribuna da Internet se interessam em prestigiar. E lembro de Artur da Távola, a quem não conheci pessoalmente, mas ele dizia que a gente pode ter um querido amigo morto há mais de 100 anos. É o que acontece comigo em relação ao Rubem Braga e também ao inesquecível Artur da Távola, que costuma perguntar: “Quem tem medo de música clássica?”
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UM PÉ DE MILHO
Rubem Braga
Os americanos, através do radar, entraram em contato com a Lua, o que não deixa de ser emocionante. Mas o fato mais importante da semana aconteceu com o meu pé de milho. Aconteceu que, no meu quintal, em um monte de terra trazida pelo jardineiro, nasceu alguma coisa que podia ser umpé de capim – mas descobri que era um pé de milho. Transplantei-o para o exíguo canteiro da casa. Secaram as pequenas folhas; pensei que fosse morrer. Mas ele reagiu. Quando estava do tamanho de um palmo, veio um amigo e declarou desdenhosamente que aquilo era capim. Quando estava com dois palmos, veio um outro amigo e afirmou que era cana.
Sou um ignorante, um pobre homem da cidade. Mas eu tinha razão. Ele cresceu, está com dois metros, lança suas folhas além do muro e é umesplêndido pé de milho. Já viu o leitor um pé de milho? Eu nunca tinha visto. Tinha visto centenas de milharais – mas é diferente.
Um pé de milho sozinho, em um canteiro espremido, junto do portão, numa esquina de rua – não é um número numa lavoura, é um ser vivo e independente. Suas raízes roxas se agarram no chão e suas folhas longas e verdes nunca estão imóveis. Detesto comparações surrealistas – mas na lógica de seu crescimento, tal como vi numa noite de luar, o pé de milho parecia um cavalo empinado, de crinas ao vento e em outra madrugada, pareciaum galo cantando.
Anteontem aconteceu o que era inevitável, mas que nos encantou como se fosse inesperado: meu pé de milho pendoou. Há muitas flores lindas no mundo, e a flor de milho não será a mais linda. Mas aquele pendão firme, vertical, beijado pelo vento do mar, veio enriquecer nosso canteirinho vulgar com uma força e uma alegria que me fazem bem. É alguma coisa que se afirma com ímpeto e certeza. Meu pé de milho é um belo gesto da terra. Eu não sou mais um medíocre homem que vive atrás de uma chata máquina de escrever: sou um rico lavrador da rua Júlio de Castilhos.
31 de julho de 2016
Carmen Lins
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