terça-feira, 17 de janeiro de 2017

GRANDEZA E IDIOTICE HUMANAS, NA VISÃO DO FUTEBOL


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Ilustração reproduzida de O Tempo
O grande poeta Fernando Pessoa viveu 47 anos, de 1888 a 1935, um tempo habitual para a época. Ele escreveu: “Se, depois de eu morrer, quiserem escrever a minha biografia, não há nada mais simples. Tem só duas datas – a da minha nascença e a da minha morte. Entre uma e outra coisa, todos os dias são meus”.
Neste mês, vou completar 70 anos. Quando era adolescente, não imagina viver tanto. Hoje, acho que é pouco. A expectativa de vida da população brasileira é por volta de 74 anos. Pretendo ainda viver bem por um bom tempo.
Vi, durante minha vida, times e jogadores espetaculares. O período entre 1954 e 1974 foi esplendoroso, em todo o mundo e em muitas áreas. Vi, de perto, craques como Pelé, Garrincha, Nilton Santos, Didi, Euzébio, Bob Charlton, Bob Moore, Gérson, Rivelino, Riva, Rivera, Beckenbauer, Cruyff e tantos outros. Vi também, nesse período, Santos, Botafogo, Real Madrid, Benfica, as seleções inglesa de 1966, brasileiras de 1958, 1962 e 1970 e holandesa de 1974.
REVOLUÇÕES – Essas seleções foram revolucionárias. A inglesa, de 1966, por ter sido o início do 4-4-2 e pelo jogo organizado, disciplinado. A brasileira, de 1970, por ter sido precursora do uso da ciência esportiva no Brasil e pelo jogo de aproximações, triangulações e troca de passes. A holandesa, de 1974, por ter utilizado, pela primeira vez, a marcação por pressão, uma característica atual do futebol mundial.
Tenho muito orgulho de ter sido um bom coadjuvante da inesquecível seleção de 1970. Muitos pais e avós, quando querem me elogiar, dizem a seus filhos e netos que atuei ao lado de Pelé. Quando não me coloco entre os maiores jogadores da história do futebol, não é por falsa modéstia. Consigo sair de dentro de mim e me ver. Fui um grande jogador, mas nem tanto.
A partir de 1974 até mais ou menos 2002, houve um confronto entre o estilo anterior, chamado futebol arte, e o desenvolvimento da preparação tática e física e da busca obsessiva pela vitória, chamado futebol de resultado. O jogo piorou. Houve uma perda de identidade. Como nada na vida é linear, surgiram também, nessa época, algumas grandes seleções, como a brasileira de 1982, e muitos craques, como Maradona, Zico, Falcão e outros, seguidos, anos depois, pelos fenomenais Ronaldo, Ronaldinho, Rivaldo, Zidane e outros.
CONCILIAÇÃO – A partir de 2002, aconteceu, progressivamente, uma conciliação entre as visões romântica e pragmática, entre o futebol arte e o de resultado. O jogo voltou a ser bonito e eficiente, com muito talento coletivo, sem perder a habilidade e a fantasia. Todos nós, especialmente os jovens, somos privilegiados por poderem assistir, toda semana, a tantos craques, como Messi, Cristiano Ronaldo, Neymar, além de grandes equipes.
Anos atrás, o Barcelona, dirigido por Guardiola, e a seleção espanhola, bicampeã da Europa e campeã do mundo em 2010, deram uma grande contribuição para a evolução do futebol atual.
Espero ainda ver outros craques e outros times revolucionários. O desenvolvimento e o conhecimento não param, embora haja tantos graves problemas no futebol e no mundo. A vida e o ser humano são contraditórios. A grandeza, a inteligência, a beleza, os avanços tecnológicos e a extraordinária aventura humana convivem com a miséria social, os preconceitos, a violência, a ignorância e a idiotice.

17 de janeiro de 2017
Tostão
O Tempo

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