terça-feira, 15 de agosto de 2017

DE AUTRAN A FERNANDA MONTENEGRO, A ARTE NO ADEUS DE UM AMOR FRATERNO

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Autran e Fernanda, em sua amizade eterna
Excepcional e emocionante a reportagem de Mônica Bergamo, Folha de São Paulo de domingo, focalizando as últimas cartas trocadas entre Paulo Autran e Fernanda Montenegro pouco antes da morte do ator, em outubro de 2007. Datou a carta no dia 12. Fernanda Montenegro respondeu três dias depois. O grande intérprete, para quem o teatro era a própria vida, foi vítima de câncer no pulmão. Sua trajetória brilhante ilumina até hoje e iluminará sempre os palcos brasileiros.
Representar, para ele, bem com para ela, era menos uma profissão do que um ato de amor. Nos seus personagens viveram e vivem a sua própria vida, sua própria existência, sua própria emoção.
FORÇA DA ARTE – Paulo Autran, que começou na década de 40 com “Balabanian”, de Henrique Pongetti, viveu intensamente entre “Otelo” de Shakespeare e “O Avarento” de Moliere. Personagens totalmente diferentes, mas que ele encantou com a força de sua arte. Falei em “Balabanian”, não por acaso. Lembrei-me de que na apresentação de “Otelo” em 1956, ele próprio no folheto distribuído no teatro Dulcina falou sobre seu papel, unindo-o ao início de sua carreira como “Balabanian”.
A peça fez um enorme sucesso. Ele estava ao lado de Tônia Carrero, como “Desdêmona”, Felipe Wagner, como “Iago”, e Margarida Rei como “Haia”, mulher de “Iago”. A peça destacou amplamente Autran e lembro-me bem de Felipe Wagner como “Iago”, que era representado durante séculos como um enviado do demônio, capaz de todas as intrigas. A interpretação de Wagner retirou “Iago do misticismo” para, na tradução de Onestaldo de Pena Forte, conduzi-lo ao plano freudiano de seu complexo de inferioridade. Por isso, detestava seu benfeitor, seu brilho, sua personalidade.
FERNANDA CHOROU – Mas falei da atuação de Autran no palco da vida. Fernanda Montenegro, na carta-resposta do adeus disse que ele sempre teve uma postura clássica. Uma coisa com que se nasce ou não. O ator que entra em cena e sabe ficar sobre as duas colunas que são as suas pernas.  E aí é preciso ter o que falar. Hoje em dia, acrescentou Fernanda a Mônica Bergamo, estamos em uma pobre época de teatro. Fernanda Montenegro chorou ao reler a carta de adeus.
Não é fácil atravessar a chamada velhice. No entanto, resistimos, alimentados pela bendita arte de gente do teatro, cada um a seu modo. Para Fernanda, Paulo Autran tinha também o dom raro de saber ouvir. Quando a pessoa está viva, fazendo sucesso, quando entra em cena o ator fica com possibilidades impensáveis.
A MAGIA DO RISCO – Para mim, a magia do teatro em grande parte está no risco. Não é como o cinema, em que, se houver erro, o diretor repete a cena. Cada entrada no palco teatral é um salto no espaço sem rede de proteção.
Na peça “O Avarento”, em São  Paulo, no Teatro Cultura, Paulo Autran representava sua nonagésima e última interpretação. Uma noite não houve sessão, Paulo Autran teve um infarte pouco antes do início. Não pode mais retornar até o câncer levá-lo. Karin Rodrigues, sua mulher e companheira de arte, acentua a entrevista, disse que Autran morreu no dia em que o médico avisou que ele não podia mais representar.
Autran fica para sempre. Aplica-se a ele a frase de Guimarães Rosa: as pessoas não morrem, ficam encantadas.

15 de agosto de 2017
Pedro do Coutto

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