terça-feira, 12 de dezembro de 2017

O QUE A CIÊNCIA NOS ENSINA SOBRE A ARTE DE VIVER, TRANSFORMANDO O MUNDO

Eita porra - meme
(Ilustração: ums.sabadoqualquer.com)
Tentativa e erro, experimentar o novo, entender que algumas questões têm respostas complexas ou podem mesmo não ter uma resposta, cultivar a noção de que o fracasso é essencial para o progresso, aceitar que erros são o que nos fazem eventualmente acertar, saber persistir quando as dificuldades parecem não acabar nunca.
Esses são alguns dos componentes da pesquisa científica, uma espécie de sabedoria acumulada através dos tempos que, acredito, é também muito útil em vários aspectos da vida – de como enfrentar desafios individualmente até como reger empresas.
DESAFIOS – Se contarmos de Galileu em diante, são mais de 400 anos de ciência, de desenvolvimento de uma metodologia que transformou e continua transformando o mundo. Se a ciência teve tanto sucesso, não foi porque o caminho em frente era óbvio; pelo contrário, foi por ele ser imprevisível e cheio de desafios.
A natureza não nos diz o que fazer, como achar padrões de comportamento, como descobrir leis matemáticas que regem os fenômenos naturais. O que conseguimos descobrir até agora foi fruto de nossa diligência, perseverança e criatividade. Quem poderia imaginar que a mesma força que é responsável pela queda de uma maçã é, também, responsável pela órbita da Lua em torno da Terra e da Terra em torno do Sol?
Quem poderia adivinhar que a eletricidade e o magnetismo são manifestações de um campo eletromagnético que se propaga através do espaço com a velocidade da luz? Quem poderia adivinhar que as espécies animais evoluem devido a mutações genéticas aliadas ao processo de seleção natural? Esse conhecimento todo não veio do nada; exigiu muita coragem intelectual, disciplina de trabalho e tolerância ao erro.
EQUILÍBRIO – Para se fazer ciência de qualidade é necessário um equilíbrio entre a experimentação e a aceitação do erro. Assim funciona o processo de tentativa e erro, quando tentamos estratégias diferentes para se chegar ao resultado desejado. Para isso, é necessário tanto criatividade (para propor estratégias diferentes) quanto tolerância (para se aceitar o erro e ir em frente).
Se temos pouco experiência escalando montanhas, não devemos nos aventurar a subir um pico difícil. Vamos expandindo nossa habilidade gradativamente até obter uma boa base e técnica. Só então tentamos a escalada mais ambiciosa. Aprendemos com nossos erros usando o fracasso como guia. Nós nos arriscamos, mas sempre nos preservando no processo. Alpinistas não querem cair. Pesquisadores não querem (ou, ao menos, não devem) investir recursos excessivos num projeto que, mesmo após um longo tempo, dá poucos frutos. Ou seja, não queremos que persistência vire cegueira.
Em um determinado momento, temos que ter a coragem de deixar uma ideia para trás, mesmo que isso seja muito difícil. Para que um projeto tenha sucesso, precisamos nos dedicar a ele de corpo e alma. Mas, se após várias tentativas, as coisas não avançarem, temos que ir em frente. Saber dar uma parada para avaliar em que estágio estamos, discutir ideias com colegas, ouvir críticas e aprender com elas, todos esses procedimentos são essenciais na pesquisa científica, e podem ser muito úteis em áreas diversas.
SEM ORGULHO – Se as coisas não funcionam, precisamos deixar o orgulho para trás e aceitar que falhamos. Todo cientista sabe muito bem que a maioria das suas ideias não vai funcionar. Resolutos, vamos em frente; mas devemos também estar abertos a críticas e saber respeitar as evidências contra o que estamos propondo (ou celebrar aquelas a favor).
Meu avô costumava dizer que quem usa um chapéu muito grande não enxerga o que tem pela frente. A arrogância é uma forma de cegueira. Na ciência, e em qualquer outra área de trabalho, é bom ouvir as sábias palavras de Isaac Newton – mesmo se o próprio, durante a vida, não tenha sido o que chamaria de um modelo de humildade profissional:
Não sei o que possa parecer aos olhos do mundo, mas aos meus pareço apenas ter sido como um menino brincando à beira-mar, divertindo-me com o fato de encontrar de vez em quando um seixo mais liso ou uma concha mais bonita que o normal, enquanto o grande oceano da verdade permanece completamente por descobrir à minha frente.” (artigo enviado por Darcy Leite)

12 de dezembro de 2017
Marcelo Gleiser / Folha

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