terça-feira, 22 de dezembro de 2020

ROUSTAING E A PERSONALIDADE DE JESUS

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Quando estudamos a história do Movimento Espírita, notamos que desde os primórdios de sua formação houve um preparo de terreno para que certas doutrinas estranhas pudessem se instalar no seu contexto existencial. Esse trabalho foi desenvolvido por Espíritos e homens que comungavam entre si um mesmo ideal.

A primeira medida tomada pelos Espíritos envolvidos no processo genésico do sistema espírita, foi criar um único ponto diretor: A Federação Espírita Brasileira - FEB. A segunda, foi dar origem a uma política capaz de sufocar as possibilidades de análise ou crítica, por parte de sociedades espíritas ou pessoas descontentes com procedimentos e práticas. A isto deram o nome de "unificação". Quem estivesse de fora deste contexto, seria considerado herege, obsediado, perigoso etc. A terceira providência foi a de encontrar apoio para essas idéias, junto a líderes e médiuns de destaque. A história mostra como a FEB, valendo-se das lendas que criou em torno de si, e usando o nome do Cristo, conseguiu esse apoio por toda parte. Criou-se assim um movimento filosófico/religioso, orientado por um só espírito (círculo de idéias), fechado a qualquer progresso exterior.

O Movimento Espírita transformou-se num sistema despido de racionalidade. Os simpatizantes que se tornaram trabalhadores e dirigentes de centros espíritas não foram instruídos para raciocinarem em termos kardequianos, pois sua formação se dá de maneira aleatória. Um ambiente psicológico com essas características seria favorável para absorver qualquer tese que viesse revestida de aparente lógica ou santidade.

No passado, alguns intelectuais ligados à FEB foram responsáveis pela introdução das teses irracionais de Jean Baptiste Roustaing no sistema espírita. Reflexos dessas idéias podem ser encontrados no trabalho de médiuns de expressão e mesmo nos discursos de oradores e líderes espíritas conhecidos.

Ao contrário do que muitos pensam, o problema "Roustaing" tem pouco a ver com a edição dos livros pela FEB. Este é o menor dos males. O que sempre escapou aos que se opuseram à Casa Máter do Espiritismo, foi o fato de que havia por trás dessas obras uma política doutrinária de estreita ligação com o Catolicismo e que essa mentalidade estava presente em quase todos os segmentos do Movimento Espírita.

Certamente não se deve assumir uma posição contra a Federação Espírita Brasileira por causa da edição dos livros de Roustaing. Não se deve proibir alguém de editar essa ou aquela obra. Mas é preciso cobrar da FEB que na condição de Comitê Central, ela não deveria publicar obras contraditórias ao pensamento kardequiano.

A política doutrinária no Movimento Espírita precisa ser modificada com urgência. Qualquer observador anônimo que fizer uma viagem espírita ficará assustado com o grau de fantasias e ilusões a que estão entregues médiuns, oradores e trabalhadores espíritas. O sistema está comprometido, afetado pela ação de Espíritos levianos e pseudo-sábios, e a FEB, por nos ter gerenciado todos esses anos, tem responsabilidade nisso.

Os livros de Roustaing são uma mistura de alguns conceitos autênticos com verdadeiras heresias. Os erros doutrinários mais graves dos Espíritos ligados aos "Quatro Evangelhos" são originários da confusão feita em torno da personalidade de Jesus e a natureza do seu corpo. Falaremos aqui sobre a questão "personalidade".

Na interpretação que a Igreja Católica dá ao personagem do Mestre há um erro capital: o de que Ele seria a encarnação da própria Divindade. Idéia semelhante veio parar no Espiritismo com a ajuda dos adeptos de Roustaing. Para eles, Jesus seria um Espírito sem pecados, que teria evoluído em linha reta. A pureza do seu Espírito seria de tal magnitude, que sua encarnação na Terra teria sido fictícia. Colocações no mínimo estranhas, mas apoiadas no jogo das palavras e nas muitas interpretações que a elas se pode dar, quando não estão traduzidas devidamente.

Ao ler os Evangelhos, um observador atento percebe que Jesus falava freqüentemente como se fosse uma Divindade e mudava de personalidade, ora se comportando como um homem e ora como um deus. Os problemas em torno de sua individualidade nasceram deste fato.

Sabe-se que, em termos de revelação divina, sempre existiram a doutrina pública e a oculta. O conhecimento superficial é para o público. Já o profundo, para as escolas denominadas "iniciáticas". A interpretação que a Igreja Católica deu à personalidade de Jesus foi resultado da luta entre os pensadores dessas duas alas. Para atender aos interesses das massas, predominou o conhecimento superficial, o Jesus-deus.

O Espiritismo foi um esforço da Espiritualidade para popularizar o conhecimento oculto. Allan Kardec, como grande pensador, dedicou-se também ao estudo da personalidade de Jesus. Seu trabalho pode ser apreciado em "Obras Póstumas", no tópico "Estudo sobre a natureza do Cristo", item 5. Mas mesmo ele, não chegou a deduções satisfatórias. Sem saber o que aconteceria mais tarde com a doutrina que criara, o Codificador conclui que a questão não teria importância maior e deixou-a de lado.

Entre os especialistas que estudam os Evangelhos, alguns acham que por trás da vida pública do Cristo, havia todo um plano para que sua missão pudesse se desenvolver a contento. Os espíritas, de um modo geral e por comodismo, preferem acreditar que Jesus era apenas um homem simples do povo, que tornara-se mestre pela obra do Espírito Divino. Os indícios, porém, apontam na direção oposta: ele seria um Mestre da Espiritualidade, missionário que teria descido ao orbe para trazer o código moral do Evangelho e detonar a fase que conduziria a humanidade a um estado superior de vida: a regeneração.

Na vida do Mestre Jesus existem coisas que não foram bem explicadas. A presença dos Reis Magos logo após seu nascimento, por exemplo, seria uma delas. Quem seriam essas figuras? Os textos antigos diziam que eles teriam vindo do Oriente, onde as escolas iniciáticas eram comuns. Como teriam sabido do nascimento de Jesus? Será que teriam vindo fazer-lhe simples visita? Onde teria estado Jesus no período da mocidade? Suspeita-se que teriam vindo comunicar a Maria e José, que seu filho deveria mais tarde ser conduzido ao preparo, para o desenvolvimento de uma grave missão.

Nos discursos de Jesus, percebe-se que tinha um profundo conhecimento das Escrituras antigas. Onde as teria estudado? Com quem esteve durante esses anos de desaparecimento? E por que motivo entre os Apóstolos, havia a presença de João Evangelista, um suposto membro da escola filosófica de Alexandria? Seria esse o motivo do seu Evangelho apresentar características radicalmente diferentes das narrativas dos outros evangelistas? E mais tarde, qual seria a razão para vir parar no Cristianismo nascente a pessoa de Paulo, um membro de outra escola filosófica existente em Tarso? E a razão da simpatia de alguns fariseus por Jesus, tais como Nicodemos, José de Arimatéia e outros? De fato, Jesus era mesmo um Enviado, preparado espiritualmente para desempenhar a tarefa da redenção dos homens, mas como não veio derrogar a Lei, necessitou, para cumprir a missão, de instruções à semelhança dos seres humanos comuns.

As reflexões expostas neste documento têm como finalidade apresentar uma teoria lógica sobre a personalidade de Jesus e demonstrar que os enganos do Sr. Roustaing são provenientes justamente da interpretação superficial do conhecimento, dada a público por certos mestres da Igreja Católica.

Uma vez esclarecidas as questões da personalidade do Cristo e da natureza do seu corpo, o edifício das teorias roustainguistas ruirá. Só as aceitarão os Espíritos que, por condição evolutiva e limites de desenvolvimento, preferirem se alimentar das ilusões provocadas certamente por Espíritos pouco adiantados.

Para se entender as aparentes discrepâncias existentes quanto à personalidade de Jesus, o Cristo, temos que examinar, com o raciocínio, algumas questões sobre a origem das coisas. A questão nº 13 de O Livro dos Espíritos trata dos atributos da Divindade. Diz que Deus é eterno, imutável, imaterial, único, todo-poderoso e soberanamente justo e bom.

Diante dessas características do Criador, surge uma dúvida: como poderia Deus, um ser imutável, gerar e gerenciar o Universo mutável? Como algo que em si é absoluto pode tornar-se relativo, sem deixar de ser absoluto? Poderíamos dizer que ao Pai tudo é possível, ou que este assunto ainda é um mistério (conduta comum na Igreja). Seria a resposta mais cômoda. Mas, em Espiritismo, nos é lícito levantar hipóteses racionais.

O assunto "personalidade de Jesus" e a necessária "relatividade do Pai" foi motivo de estudos e debates na escola do Grupo Espírita Bezerra de Menezes no ano de 1996. A conclusão a que se chegou foi a de que a criação relativa só poderia existir como obra de Deus e sob Suas ordens, se houvesse entre o Criador e a Criação um intermediário. De um lado teria de ser absoluto e do outro, relativo. Seria mais ou menos o papel que o perispírito exerce entre o Espírito, que em si é abstrato, e o corpo material. Uma inteligência ou consciência cósmica, destinada à servir de elo entre o Pai e sua grandiosa obra.

No pensamento platônico (escola de Sócrates) encontramos a resposta a nossas dúvidas: o Logos. Platão afirmava que o Logos era o Verbo, a vontade de Deus manifesta na forma de relatividade. Os pensamentos de Sócrates e Platão exerceram poderosa influência na gênese do cristianismo. Pode-se mesmo afirmar, que o Evangelho de João é a expressão do pensamento platônico e, por esse motivo, seu texto é diferente dos demais.

O Verbo, a que o Evangelista se refere, é o Logos platônico, é o Cristo. Não há ''cristos'' planetários conforme afirmaram alguns autores. Há, sim, um só Cristo, para toda a Criação. Esta consciência cósmica é o Filho Único, a que o texto sagrado refere-se freqüentemente.

Cada orbe tem um governo espiritual. No caso da Terra, Jesus é responsável pela execução de seu plano existencial, até que ela se torne morada de Espíritos melhores. Jesus de Nazaré foi o divino médium, intermediário em potencial da manifestação dessa Consciência Cósmica na revelação do Evangelho libertador. É ela a fonte de todo o Bem e da Verdade, onde inspiraram-se mestres como Buda, Maomé, Confúcio, Gandhi e outros.

Jesus preparou-se durante muitas encarnações ocorridas em outros mundo para desempenhar sua missão na Terra, tornando-se o porta-voz da Revelação Divina. Ao aceitarmos a hipótese de que Jesus não era o Verbo encarnado, mas que recebia mediunicamente o Verbo em si, ficariam explicados todos os mistérios acerca de Sua personalidade, inclusive as dúvidas que o próprio Codificador do Espiritismo teve quando ocupou-se do assunto em Obras Póstumas.

Admitindo-se esta tese, teríamos em Jesus um Espírito como os outros, que necessitou naturalmente da matéria, utilizando o corpo físico como instrumento da evolução. Tal teoria diminuiria o valor de Jesus, o Cristo? De modo algum. Ao contrário, essa idéia aproxima o Mestre de todos nós. Coloca-o como um ser que chegou a uma posição superior com suas próprias conquistas. Teria Ele conhecido o mal? O roustainguismo afirma que não, pois que Sua evolução teria se dado em linha reta. Ora, se todos os Espíritos são criados simples e ignorantes, não há como se admitir que Jesus não tivesse passado pelos caminhos da ignorância. E pelos caminhos do mal? A Doutrina Espírita oferece segura resposta: nem todos os Espíritos passam obrigatoriamente pelo mal, mas sim pelo da ignorância.

Assim não tem sentido divinizar Jesus, para glorificá-lo como um Espírito diferente dos outros.


Fonte: Portal do Espírito - http://www.espirito.org.br/portal/artigos/gebm/roustaing-e-jesus.html

22 de dezembro de 2020
Josué de Freitas

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