sábado, 25 de setembro de 2021

MALDITO IPÊ AMARELO

  

MALDITO IPÊ AMARELO


Dia desses, acordei desagradavelmente surpreendido, ao avistar pela janela um objeto estranho sublevar-se na paisagem urbana a que estou habituado a contemplar pelas manhãs. Em meio à monocórdica retitude dos edifícios cheios de sacadas, num cenário perfeitamente simétrico, ornado com veículos, postes, bueiros, muros, grades, fios elétricos, guindastes, betoneiras, tapumes, andaimes e fumaça, eis que se sobressai ao pálido grafite, uma intrusa árvore carregada de flores... amarelas.

Que significa isso agora? Só me faltava essa... Não podemos nos assentar sossegados por um segundo na sepulcral paz matinal costumeira, apreciando o turvo panorama carregado de monóxido de carbono e dióxido de enxofre, sem sermos agredidos por grotescas manifestações festeiras desse meio-ambiente rebelde.

A natureza parece não conhecer limites, não tem consciência de seu lugar. Não bastassem as vastas áreas em parques, reservas e na Amazônia em que foi devidamente alojada, ocupando espaços que deveriam ser usados para plantar soja e criar gado, agora temos que aturar resquícios florestais a invadir as calçadas das cidades com esse amarelão cafona, tão vivaz que parece saltar pra fora da imagem.

Ao chegar essa estação, a coisa se espalha como praga por tudo quanto é canto. Num irritante ciclo que se repete anualmente, somos obrigados a conviver por dias com essas abusadas plantas floridas, afrontando a paisagem e escancarando aos olhos suas espalhafatosas tonalidades.

Ainda por cima, atraem pássaros barulhentos e legiões de abelhas, lagartas entre outros insetos asquerosos que ameaçam nosso estéril habitat em apartamentos dedetizados e shoppings higienizados.

Quem lhes dá o direito de subverter a paisagem construída por nossa asséptica civilização? Quem foram os imbecis que as plantaram, subtraindo preciosos metros quadrados do passeio público? E as autoridades municipais, onde estão, que não tomam as necessárias providências coercitivas?

Ao invés de ficar poluindo visualmente nosso espaço urbano, poderiam ceder suas madeiras para as fábricas de móveis e pisos, estabilizando os preços dessa matéria-prima tão escassa em nosso mercado de construção civil. Ao invés disso, deixam-nas viver impunemente.

Até o nome soa patético, “ipê”, expressão tupi, herança maldita do tempo em que os selvagens conspurcaram nossa sociedade com seus valores retrógrados. Que eu saiba, esse vocábulo estridente inexiste em inglês ou qualquer idioma civilizado. Língua de índio. É palavra típica desse ‘paiseco’ atrasado. Faz parte da nossa ridícula cultura terceiro-mundista, maculada com influências espúrias de africanos e silvícolas, acostumados a viver descalços e seminus no mato.

Por sorte, esse abuso durou pouco. Após emporcalhar o concreto com suas pétalas, a árvore ficou desnuda e passou a exibir apenas galhos esquálidos, com aparência cadavérica, em harmonia com seu entorno. As coisas retomaram a normalidade. Poderei voltar a acordar sem sobressaltos apreciando o maravilhoso acinzentado que dá significado a minha insípida existência.

Sem folhas, sem flores, sem cores, sem amores, sem indigestos ipês amarelos.

   

Nenhum comentário:

Postar um comentário