O QUE A MEMÓRIA AMA FICA ETERNO
Quando eu era pequena, não entendia o choro solto de minha mãe ao assistir a um filme, ouvir uma música ou ler um livro. O que eu não sabia é que minha mãe não chorava pelas coisas visíveis. Ela chorava pela eternidade que vivia dentro dela e que eu, na minha meninice, era incapaz de compreender.
O tempo passou e hoje me emociono diante das mesmas coisas, tocada por pequenos milagres do cotidiano. É que a memória é contrária ao tempo. Nós temos pressa, mas é preciso aprender que a memória obedece ao próprio compasso e traz de volta o que realmente importou, eternizando momentos.
Crianças têm o tempo a seu favor e a memória muito recente. Para elas, um filme é só uma animação; uma música, só uma melodia. Ignoram o quanto a infância é impregnada de eternidade. Diante do tempo, envelhecemos, nossos filhos crescem, muita gente se despede. Porém, para a memória, ainda somos jovens, atletas, amantes insaciáveis. Nossos filhos são nossas crianças, os amigos estão perto, nossos pais ainda são nossos heróis.
A frase do título é de Adélia Prado: “O que a memória ama fica eterno”.
Quanto mais vivemos, mais eternidades criamos dentro da gente. Quando nos damos conta, nossos baús secretos, porque a memória é dada a segredos, estão recheados daquilo que amamos, do que deixou saudade, do que doeu além da conta, do que permaneceu além do tempo.
Um dia você liga o rádio do carro e toca uma música qualquer, ninguém nota, mas aquela música já fez parte de você, foi a trilha sonora de um amor, embalou os sonhos de uma época ou selou uma amizade verdadeira. E mesmo que os anos tenham se passado, alguma parte de você se perde no tempo e lembra alguém, um momento ou uma história.
Ao reencontrar amigos da juventude, do colégio, nos esquecemos que somos adultos e voltamos a nos comportar como meninos cheios de inocência, amor e coragem. Do mesmo modo, perto de nossos pais, seremos sempre “as crianças”, não importa se já temos 30, 40 ou 50 anos. Para eles, as lembranças da casa cheia, das brigas entre irmãos, das histórias contadas ao cair da noite serão sempre recentes, pois têm vocação de eternidade. Por isso é tão difícil despedir-se de um amor ou alguém especial que por algum motivo deixou de fazer parte de nossas vidas.
Dizem que o tempo cura tudo, mas talvez ele só tire a dor do centro das atenções. Ele acalma os sentidos, apara as arestas, coloca um band-aid na ferida. Mas aquilo que amamos tem disposição para emergir das profundezas, romper os cadeados e assombrar de vez em quando.
Somos a soma de nossos afetos, e aquilo que nos tocou pode ser facilmente reativado por novos gatilhos – uma canção cala nossos sentidos; um cheiro nos paralisa lembrando alguém; um sabor nos remete à infância.
Assim também permanecemos memórias vivas na vida de nossos filhos, cônjuges, ex-amores, amigos, irmãos. E mesmo que o tempo nos leve daqui, seremos eternamente lembrados por aqueles que um dia nos amaram.
Adélia Prado
01 de setembro de 2021
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