sábado, 10 de setembro de 2011

A MAGIA DO HERMETO


O Hermeto Pascoal é chamado de bruxo. A sua figura albina, com longos cabelo e barba brancos ajuda o imaginário da gente a confirmar o título. Mas é obviamente por sua música que ele é chamado dessa forma desde os anos 70. E a grande mágica de Hermeto, na minha opinião, não é a intricada progressão harmônica de suas músicas, mas a construção aparentemente simples de suas melodias. As músicas de Hermeto, quase todas, são cantaroláveis ou assoviáveis. Temas lindos, como Música das nuvens e do chão, ou o famoso Bebê, só para citar dois deles, ficam nos nossos corações por dias, depois de escutá-los. Mas digo aparentemente, porque mesmo em sua simplicidade sonora, essas melodias são complexas, contorcendo-se em sutis variações, sem matar a idéia central do tema.

Alie-se a isso a maestria harmônica do bruxo e temos aí o segredo de sua magia. Por isso, ainda hoje não consigo me comover com as performances de Tom Zé, sua batida de panelas no palco (coisa que o Hermeto fazia já nos anos 60). Sei que muitos não concordarão, mas como não entendo nada desse assunto, me aventuro sem medo pelo mar bravio. A impressão que tenho é que Tom Zé se esforça demais para soar original. É, talvez, a maldição das vanguardas, que estão sempre condenadas a inventar o novo, a anunciar o futuro, que já fica velho no momento mesmo de seu anúncio.

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Em termos musicais, Tom Zé perde longe para Hermeto, em minha opinião. Em termos perfomáticos, perde para outros, como Walter Franco, cantando Cabeça, num dos últimos festivais; ou ainda para Itamar Assumpção e Arrigo Barnabé, estes últimos também grandiosos em termos musicais, com um estilo consistente e vanguardista.

Bem, talvez esteja sendo injusto e meus amigos músicos possam me corrigir. Afinal, só vejo Tom Zé em performances aqui e ali na TV, num Programa do Jô, ou coisa que o valha. Não compro seus discos e nem vou a seus shows. Mas do pouco que vejo na TV não sinto tesão para mergulhar em seu universo musical. Talvez, não esteja simplesmente a altura dele.

No século XVI, quando estudava música e fantasiava me tornar um artista nesse ramo, compartilhava com meus colegas o desdém pela simplicidade e a emoção. Achava que as intricadas fórmulas matemáticas do estudo harmônico me dariam a chave para fazer uma verdadeira arte. Uma arte superior à chorumela brega da música comercial, uma música só para quem tivesse condição de “entender”. Alguém que, ao ouvir minha música, dissesse: “Veja, aqui ele inverteu o acorde e colocou a nona no baixo”, ou coisa que o valha. E quanto mais mergulhei nesse mundo racional e lógico, mais fui perdendo a espontaneidade que tinha, e a sonoridade foi se esvaindo de mim, até que não sobrou nada, exceto partituras, manuais de harmonia jazzística e cadernos de solfejo. A música acabara. Vazio de sons, fui cuidar da minha vida.

Creio que esse racionalismo excessivo, que se perde do emocional, é um perigo. Quando se está nessa febre, gostamos ou deixamos de gostar de um tema musical à medida que compreendemos sua linguagem matemática, sua racionalidade. A mensagem do autor. Ao mesmo tempo tendemos a desprezar coisas simples, harmonias simples, repetitivas, pouco variadas, populares e exageradamente sonoras.

Penso que uma das grandes virtudes do Tropicalismo, sobretudo em Caetano Veloso, é a exaltação de músicas simples, bregas, melodiosas, melodramáticas. E mestres como Tom Jobim, para citar outro grande, caminham num equilíbrio entre os planos racional e emocional. Por isso, o bater de panelas no palco de Tom Zé é muito diferente daquele que faz o Hermeto.
Falando em Hermeto, estou organizando uma série de gravações caseiras de meu pai, o músico Gaudencio Thiago de Mello, feitas entre 1967 e 1972. Ele recebia os amigos em sua casa em Nova York e tudo acabava em música, que o velho registrava num gravador de fita rolo. Recentemente, sugeri a ele que passasse esse material todo para digital, num estúdio, equalizando, masterizando e o escambau.

Acabo de receber cinco CDs: O primeiro é um ensaio de 1967 do grupo que estavam montando Carmen Costa (vocal), Moacir Santos (raríssimo tocando piano), o velho no violão, e Richard Kimball, no contrabaixo. O segundo é um solo de berimbau de Naná Vasconcelos. O terceiro, é o velho, Dom Um Romão e Gilberto Gil, em 1972, com Gil mostrando Oriente e outra canção. No mesmo ano, Hermeto Pascoal mostra várias de suas canções, inclusive Bebê, com Flora Purim e Airto Moreira. Mais recentemente, em 1988, tem uma jam session na sua casa, com Claudio Roditi (trompete e piano), Romero Lubambo (guitarra), Roberto Sion (sax e piano), Nilson Matta (baixo), Barry Olsen (trombone), Gaudencio (percussão), Helio Schiavo (bateria) e Susan Davis (piano e percussão). Estou querendo propor um programa de rádio sobre isso.

Postado por ipaco

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