quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

HOMEM DA CASA

homem da casa

Toda mulher já sonhou, um dia, em ser secretária, bailarina ou aeromoça. Essas profissões são o trivial básico dos sonhos de menina moça – e são os correspondentes cor de rosa do sonhos de menino: astronauta, bombeiro e piloto. Na idade adulta, bombeiros passam a ser fantasias mais ligadas ao universo feminino, mas isso já é assunto para outro texto.
Eu estava justamente pensando sobre as fronteiras dessas fantasias erótico-inocentes, sobretudo a das meninas, quando um amigo me chamou para cobrir as férias da sua secretária, já que o salário de jornalista do Facebook não estava dando nem para pagar a conta de telefone. Aceitei a proposta na hora, mesmo sem fazer ideia de como abrir uma planilha de Excel. Moça bem criada, inglês fluente. Pronta para escrever todas as cartas que o chefe solicitasse, incluindo as que ele quisesse mandar para a esposa, no aniversário de casamento ou quando estivesse querendo livrar-se de qualquer tipo de culpa monogâmica.
Estava claro que rolava uma tensão sexual forte ali, uma espécie de cabo de guerra. 30 dias muito úteis de uma deliciosa tortura. Nenhum dos dois queria perder a pose ou dar o braço a torcer. Muito teríamos a perder. E nada, absolutamente nada é mais excitante do que essa sensação de privar-se. Aliás, é sim: imaginar que um cara vai comer a mulher dele pensando em você. Isso é quase mais excitante do que dar para ele. Duas pessoas absolutamente sedentas, passeando pelo deserto, com duas garrafas d’água, muito bem lacradas, no bolso. Só quem tem culhão para abrir as garrafas é o homem da casa.
Homem de família, bom marido, bom pai, bom comportamento, bom filho [Não. Bom filho não vale. Deixa o cara com pinta de gay e não é esse o caso]. Enfim, que Freud me explique o que faz uma mulher se sentir tão atraída por um relacionamento claramente fadado a dar encrenca. Coisas do Cristianismo, talvez. A segurança, o pai, o homem da casa, o plano de saúde, a proteção divina, as férias no estrangeiro, o crime, o castigo, tudo num falo só. Saliva e nó.
O homem ‘de bem’ é um perigo. Ele apresenta a placa do ‘pare’ justo na hora em que você imagina que ele vai perder o controle da direção. Ledo engano. Ele comanda equipes, dita regras, é um tanto sádico e definitivamente carismático. Como ficam lindos, esses ‘monstros’. É o poder misturado com o ‘não poder’, no sentido proibitivo, que torna esse homem uma tentação. Perdendo a concentração. Isso pode parecer um roteiro de pornô de última, um clichê – porque nada é mais clichê do que a trepada do chefe com a secretária, com a provável exceção da trepada da dona de casa [possivelmente mulher do chefe] com o encanador. Que seja clichê, desde que bem executado.
Essa tensão entre os chefes certinhos [com um mundo de coisas a perder e apenas uma espetacular noite de sexo a ganhar] e as funcionárias doidas para dar para eles fica evidente em situações provincianas e patéticas como as insuportáveis festas de final de ano ou eventos da firma. Uma vez fomos levados ‘pela empresa’, para ver a peça ‘A Casa dos Budas Ditosos’. O delicioso chefe ganhou 20 ingressos e convidou quem ele queria. Todo mundo animadinho. Pois, apesar do conteúdo explícito do texto da peça, não deixava de ser um evento da firma. E os desvairados só sabiam que estavam indo assistir um monólogo da Fernanda Torres. Ninguém ali sabia quem era João Ubaldo Ribeiro. Durante o espetáculo, metade da plateia ri, de nervoso; metade fica ruborizada. Dois dos primatas [eu e o chefe], no melhor estilo “O Macaco Nu”, de Desmond Morris, ficam excitados até o talo e trocam suspiros. Sentados lado a lado, sem mover um dedo, fazendo de conta que os assentos foram escolhidos ao acaso, senti meu coração batendo no meio das pernas dele. É nessa hora que a gente consegue resgatar sensações mais deliciosas do que qualquer droga. É nessa hora que um descobre que terapia, remédios controlados e maturidade não funcionam. É nessa hora que um é capaz de gozar com o toque do outro. Isso, que fique bem claro, antes de gozar. Porque depois, já era.
Essa é uma dica quase profissional: existem dois homens diante de você, sempre. Um pré e um pós. E no pós, nem sempre eles são muito gentis, por mais educados que sejam. É no pós que bate o alívio misturado com arrependimento, medo, desejo, raiva, tudo misturado. E, quando isso acontece, o homem da casa faz exatamente o que se espera dele, noite após noite: ele volta pra casa.

31 de dezembro de 2014
silvia pilz

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