domingo, 22 de novembro de 2015

ERICH VON DANIKEN


Erich von Daniken: mentiras, fraudes e bananas




No livro “The Gold of the Gods” (1973)*, Erich von Däniken anuncia logo no início:


“Para mim esta é a mais incrível e fantástica história do século. Poderia facilmente ter vindo diretamente dos campos da Ficção Científica se eu não tivesse visto e fotografado a verdade pessoalmente. O que eu vi não foi produto de sonhos ou imaginação, era real e tangível. Um sistema gigantesco de túneis, com milhares de quilômetros de comprimento e criado por construtores desconhecidos em uma data desconhecida jaz a grande profundidade no continente sul-americano”. [ênfase inserida]

Tão ou mais incrível que o sistema subterrâneo de milhares de quilômetros sob nossa América do Sul era o conteúdo de algumas das imensas cavernas, “tão grandes quando o hangar de um avião Jumbo”. Descrito em primeira pessoa, o autor suíço descreve suas aventuras adentrando uma delas e a revelação em meio ao escuro de incontáveis estátuas de material desconhecido, formando um magnífico zoológico de figuras de animais, de elefantes a leões, incluindo mesmo dinossauros, adornados por algo ainda mais inacreditável: uma miríade de placas de metal contendo inscrições com “o que é provavelmente um sumário da história de uma civilização perdida … contendo a sinopse da história da humanidade, assim como um relato da origem da humanidade na Terra e informação sobre uma civilização desaparecida”.

O descobridor desta mais incrível e fantástica história do século seria Juan Moricz, guia de Däniken na fabulosa expedição. O leitor empolgado com a descoberta, no entanto, poderá ficar intrigado com o fato de que entrada do sistema de túneis ainda deveria ser mantida secreta, “guardada por índios hostis entre o triângulo formado pelas três cidades de Gualaquiza, San Antonio e Yaupi na privíncia de Morona-Santigago” (no Equador). O livro contém ainda uma foto do que se entende ser o autor adentrando a caverna, com a legenda:



“Dentro do sistema de túneis artificial, que é assombrado por revoadas de pássaros”.

Uma Mentira de Efeito

Pouco após a publicação do livro, o próprio Moricz desmentiu Däniken. Em entrevistas aos jornais alemães, Moricz assegurou que Däniken nunca havia visto o que descreveu. “Exceto se ele foi em um disco voador… se ele diz ter visto a biblioteca e as outras coisas por si mesmo então isso é uma mentira”.

No documentário da PBS/BBC, “The Case of the Ancient Astronauts”, que você confere acima, ao redor dos 40 minutos o próprio Erich von Däniken admite a inverdade. Questionado se a história que publicou da visita às cavernas realmente aconteceu, Däniken responde com um cachimbo na boca:


“Não, isso não aconteceu”, admite. “Mas penso que quando alguém escreve livros no meu estilo, que não são livros científicos, … são um tipo de livro popular, mas não são ficção científica. Embora os fatos existam … então um autor pode usar efeitos. Assim, pequenos detalhes como esse não são importantes realmente porque não afetam os fatos, estão apenas estimulando o leitor, e pode-se fazer isso”.

Quanto à foto publicada dentro do sistema de túneis, também se pode ver Däniken explicando que a expedição teria sido feita por Juan Moricz em 1969 e que ele mesmo nunca esteve lá. “Eu estive em uma entrada lateral em um local completamente diferente. Eu nunca estive aí”. Apesar do que a legenda sugere no contexto da história – depois admitida como uma fantasia dramática – a fotografia publicada não mostra o autor suíço, e sim Gastón Fernández, parte da expedição de Moricz na Cueva de los Tayos em 1969.

“Os livros de Däniken são vendidos como factuais. Como o leitor saberá se o autor está usando ‘efeitos dramáticos’ ou se está simplesmente contando mentiras?”, questiona o narrador da BBC.
Eram os Deuses Contadores de Histórias?

Erich von Däniken já foi condenado e cumpriu penas em três ocasiões. A primeira foi já aos dezenove anos, por furto. Um psiquiatra descreveu na ocasião que ele exibia uma “tendência a mentir”. A segunda condenação foi por fraude relacionada a uma negociação de jóias, pela qual cumpriu nove meses de pena. A terceira também foi relacionada a fraudes, através das quais o então hoteleiro havia tomado empréstimos somando uma dívida de $130.000 enquanto viajava pelo mundo coletando material que usaria em “Eram os Deuses Astronautas”. Foi condenado a três anos e meio de prisão, cumprindo um ano antes de ser liberado. No julgamento, foi descrito novamente como um mentiroso e um psicopata criminal pelo psiquiatra que o avaliou.

Tais condenações pouco deveriam afetar a realidade de suas ideias ou evidências, não fosse o fato de que se relacionam com fraudes, falsificações e mesmo avaliações psiquiátricas que, como visto acima, parecem no mínimo parcialmente confirmadas quando o próprio autor admite se valer de “efeitos” dramáticos, ou simples mentiras. Para ele, um autor “pode fazer isso”.

O imbróglio do sistema secreto de túneis sob a América do Sul não é o único engodo do qual Däniken participou na criação ou divulgação. Ainda na América do Sul, outra fraude notória promovida nos livros de Däniken é a história muito similar de “Tatunca Nara”, um suposto índio que seria portador da fantástica “Crônica de Akakor”, estendendo-se por tempos imemoriais de outra (ou a mesma?) civilização avançada e perdida nos subterrâneos da Amazônia. Parte desta fantasia permeou mesmo o último filme de Indiana Jones, onde Akakor foi referido como “Akator” e mesclado com crânios de cristal e extraterrestres.






Em verdade Tatunca é Hans Guenther Hauck, nascido na Baviera, Alemanha. Ele deixou seu país natal na década de 1960, deixando mulher e três filhos em Nuremberg e é até hoje suspeito de ter assassinado vários turistas e aventureiros em busca do mito de cidades perdidas na selva sul-americana.

No mesmo documentário da BBC em que Däniken admite ter inventado sua visita à câmara subterrânea, as pedras de Ica também são apresentadas, ao lado de seu criador: não uma civilização perdida de homens que viviam ao lado de dinossauros e realizavam operações cardíacas, e sim o índio Basilio Uchuya, que por muitos anos tem riscado pedras que encontra com um estilo muito característico, assando-as em meio ao estrume de seu burro e então polindo-as com graxa de sapato para completar a aparência antiga.





Mas é apenas aparência, o mesmo programa cita análise do Instituto de Geociências em Londres que conclui que os riscos na pedra são claramente recentes. Däniken admite que o próprio Uchuya lhe admitiu ter gravado as pedras, mas que Javier Cabrera, o curador do museu com as pedras de Ica, lhe assegurou que isto seria falso. O mesmo programa mostra Uchuya exibindo uma foto do museu de Cabrera, com uma dedicatória em que o próprio agredece a ajuda que Uchuya prestou em fornecer pedras ao museu. As figuras do museu são não apenas absurdas porque exibem homens ao lado de dinossauros – milhões de anos nos separam dos dinos – como em inconsistências nos próprios dinos retratados como aqueles de desenho animado, com cinco dedos e não os três que os fósseis exibem, por exemplo.





As evidências apresentadas por Däniken são ou especulação contrariada pela evidência arqueológica, ou simples fraudes evidentes em que o autor escolheu omitir informação ou inclusive, inventá-la para “efeito” [dramático] em seu “estilo” de livros. No mesmo livro com a fantasiosa visita às fantásticas cavernas inexistentes da “história do século”, Däniken especula que bananas são um mistério que talvez seja explicado com uma origem alienígena:


“… a banana é um problema. É encontrada mesmo na mais remota das ilhas do sul. Como essa planta, que é tão vital para a nutrição da humanidade, se originou? Como ela fez o caminho ao redor do mundo, visto que não possui sementes? Será que os ‘Manu’, sobre quem a saga indiana conta, a trouxe consigo de outra estrela – como um alimento completo?”

Em uma cândida e demolidora entrevista concedida, onde mais, na revista Playboy em agosto de 1974 ao então novato jornalista Timothy Ferris – que posteriormente produziria o disco dourado enviado nas sondas Voyager – após expor como mal havia lido e pesquisado boa parte das supostas provas que apresentou, concedendo que várias delas, como o pilar de ferro de Delhi, não seriam realmente um mistério “e podemos esquecer sobre essa coisa”, o clímax chega quando Ferris encerra:


“Ferris: Uma última pergunta vem à mente porque das suas teorias, a nossa favorita é aquela em Gold of the Gods em que você sugere que a banana foi trazida à Terra vinda do espaço. Você estava falando sério?

Von Daniken: Não, e poucas pessoas sacaram isso.

Ferris: O que nos leva a perguntar a você se tudo que você escreveu é uma piada. Você diria que é, como um escritor sugeriu, ‘o mais brilhante satirista do século na literatura alemã’?

Von Daniken: A resposta é sim e não. Temos um maravilhoso termo em alemão: jein. É uma combinação de ja e nein, sim e não. Em parte, absolutamente não; eu realmente acredito no que digo seriamente. De outras formas, eu tento fazer as pessoas rirem.

Ferris: Bem, você teve sucesso em alcançar as duas coisas”.

Podemos ter sido visitados por civilizações extraterrestres, uma ideia verdadeiramente fabulosa e fantástica. Ela foi proposta com mais propriedade e parcimônia por diversas figuras anos antes que o hoteleiro suíço condenado e preso por fraudes fizesse fortuna com seu “estilo” repleto de “efeitos” os quais se permite como autor tentando “de outras formas fazer as pessoas rirem”.




Infelizmente, este estilo ainda faz muito sucesso, e nem o fato de que o próprio Daniken tenha admitido imprecisões, falsidades e mesmo piadas em suas obras já há mais de duas décadas afeta muito sua popularidade.

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As Cavernas Subterrâneas e um Astronauta de Verdade

Além da fantasia publicada por Däniken como realidade, admitida em frente às câmeras como um “efeito” literário, a história das cavernas sul-americanas tem outra reviravolta curiosa: participaria dela ninguém menos que o astronauta Neil Armstrong. Após ler o livro de Däniken, o escocês Stanley Hall ficou fascinado com a história e contatou Juan Moricz. Sua ideia era organizar uma nova expedição ao local, em uma cooperação entre os exércitos britânico e equatoriano. Em um relato a Philip Coppens, Hall conta que


“a expedição precisava de uma figura honorária, e o nome do príncipe Charles, que havia recebido um diploma em arqueologia, foi proposto, mas eu sabia que [o astronauta] Neil Armstrong tinha conexões escocesas. Minha mãe era uma Armstrong e através de outro Armstrong em Langholm, onde Neil Armstrong se tornou um cidadão honorário, eu fiz contato. Meses depois, recebi a resposta de que Neil Armstrong estava bem disposto a se juntar a nós nesta missão. Foi quando a expedição se tornou o desafio de uma vida”.




O primeiro homem a pisar na Lua pisou no sistema de túneis em 3 de agosto de 1976 como parte de uma das mais elaboradas expedições espeleológicas, contando com inúmeros profissionais e militares de apoio. Pode-se conferir as fotos de Neil Armstrong na expedição, incluindo a acima, na galeria de imagens de Hall. A despeito de extensa pesquisa, não se descobriu nenhum sistema de milhares de quilômetros de túneis, não se descobriu nenhum zoológico milenar de animais de metal desconhecido, tampouco o maior tesouro de todos, a biblioteca de plaquetas com a história da humanidade desde seus primórdios em civilizações perdidas.

O que se descobriu foram 400 novas espécies de plantas assim como uma câmara de sepultamento cerimonial na Cueva de los Tayos, com um corpo sentado, datada a 1.500 AC. Para muitos este seria o fim da história e o desmentido, se é que seria necessário após a negação de Moricz e a confissão do próprio Däniken. Para outros, contudo, a crença jamais morreria. Moricz faleceu em 1991 sem jamais revelar onde estaria a “verdadeira” entrada para o sistema de túneis, mas segundo Coppens e ao próprio Stan Hall, que jamais deixaram de acreditar na realidade das cavernas subterrâneas, a figura-chave seria Petronio Jaramillo. De fato Moricz sempre reconheceu que havia sido outra pessoa a lhe indicar a descoberta, e desde o início havia várias conexões entre Moricz e Jaramillo.

Ainda que Jaramillo fosse a fonte original, lamentavelmente como Moricz e Däniken, ele contou ter testemunhado as cavernas e seus tesouros, e como eles, deu desculpas variadas para não revelar onde estaria a entrada – o mundo ainda não estaria preparado para a revelação (!) – ou para não ter coletado nenhuma evidência física – segundo Jaramillo, os livros da biblioteca eram muito pesados e não podiam ser levados para fora – ou ainda para não ter sequer tomado fotografias – “elas não provariam nada”. Desculpas absurdas, e uma figura que morreria assassinada em 1998, após um assalto.

Jaramillo não revelou o local exato para a entrada, mas com o auxílio de seu filho e uma enorme persistência, Stan Hall diz ter descoberto em maio de 2000 a lendária entrada, ou ao menos, o melhor que ele e o filho da figura-chave puderam encontrar combinando as descrições daqueles que dizem ter visitado a caverna. Em 17 de janeiro de 2005, com 69 anos e antevendo não poder concluir sua busca, Hall apontou ao governo equatoriano o local da caverna que deveria ser o foco de uma nova expedição: 77º 47′ 34″ W, 1º 56′ 00″ S.




Seria esta a verdadeira entrada? Um detalhe é que segundo Hall e outros encantados pela fantástica história, a verdadeira entrada não só não estaria na Cueva de los Tayos, como estaria submersa em água. Ainda que nada se encontre lá – como outras expedições em outros locais “promissores” nada encontraram – os eternos fiéis na história apenas concluirão que a “verdadeira” entrada está em outro local.

É mais uma versão da mítica e sempre inalcançável El Dorado.

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