quarta-feira, 7 de setembro de 2011

DOMINGÃO TRANQÜILO NO BOTECO

Chibungo aguardando um petisco

Estou sentado com Macarrão. Dou um gole na geladinha. Chibungo está deitado aos meus pés, lambendo a pata. Espera algum petisco, o sonso...

- É Macarrão, muita gente pensa que a vida é um grande negócio. Um fórum pra se ganhar dinheiro. Uma grande feira livre. Nem desconfiam que a vida é uma grande viagem, e tão bela, quanto sejamos capazes de vislumbrar a paisagem... A vida é um dom... É de graça! E porque a recebemos assim, dada, não sabemos muito bem o que fazer com ela...

- É isso aí, Guará. Não é o que muita gente pensa. Imagino que deve ser uma angústia muito grande, para os que vivem para acumular, saber que tudo o que juntaram durante a vida, vai ficar por aí, rolando, coberto de poeira. Não se leva nada. Como dizia o outro bebum, outro dia, sentado perto da gente: "a gente leva da vida, a vida que a gente leva!"

Rio com Macarrão. As vezes as pequenas e dolorosas verdades estão jogadas aí, numa mesa simples de bar, ditas casualmente.

- É verdade Macarrão. A vida é casual. Encontramos pérolas nos lugares mais inusitados, naqueles onde ninguém acredita que possa haver algum tesouro.

- Guará, as vezes eu fico pensando, em coisas que li quando jovem, e que cedo aprendi a reconhecê-las como verdades, as tais verdades que terminam por determinar o que somos e o que seremos pela vida afora. A gente carrega essas coisas como uma mochila. E vamos colocando o que nos parece verdadeiro, nessa bagagem. E é dela que podemos sacar o nosso conforto nos momentos difíceis.

- Essa conversa tá parecendo conversa de bebum, Macarrão...

Bochecha vai chegando, com o seu andar gingado, um pouco cansado dos anos, mas ainda vigoroso.

- Buenas, que me abanco, tchê!

- Desde quando virou gaúcho, bochecha?

- Desde que comecei a ler o Tempo e o Vento, do Érico Veríssimo! Já leram?

- Falar em ler, lembrei-me do extraordinário milagre de Jesus, quando curou dez homens leprosos, e apenas um deles, um samaritano, voltou para agradecer ter recobrado a saúde.
E o Mestre perguntou:
"Não foram dez os limpos? Onde estão os outros nove?"

- E daí, Guará.

- Daí, apenas um voltou. Somente aquele que mostrou gratidão. A gratidão é um estado de graça. Um estado mágico. O homem que demonstra gratidão pelo bem que recebe, dá o primeiro passo para apreciar a paisagem da vida. Sacou Macarrão?

- Saquei.

- O que aconteceu com os outros? Curados, esqueceram da doença e foram comemorar... - Ficou pensativo, e continuou: Por que é tão difícil agradecer?

- Você tá indo fundo, Guará! Tocar nesses mistérios é uma verdadeira viagem!

- Deixa eu acabar, Macarrão. A gratidão nos torna mais humanos. A vida não pode ser "toma lá, dá cá". A vida é muito mais do que isso. A gratidão quebra o egoísmo que nos faz parecer os únicos vencedores, ocultando no anonimato as outras pessoas que nos possibilitaram alcançar o êxito. Saber partilhar uma conquista, esse é o segredo que nos faz grandes... É preciso entender que não caminhamos sozinhos. É aquele poema do Brecht, que diz: Alexandre conquistou o mundo. Só ele? Quem cozinhou para Alexandre? Quantos morreram para a sua conquista e glória?

- Esse poema você já disse uma vez aqui no Boteco, tá lembrado?

- Tou sim. É preciso mais gestos de gratuidade, de agradecimento pelos que nos suportam, nos carregam, aliviam nossas dores, nos alimentam... Aquela professorinha das primeiras letras que nos alfabetizou; aquele enfermeiro que pensou nossas feridas, no momento da dor; aquele médico que nos salvou de doença grave... As coisas boas que comemos e que vieram das mãos anônimas de cozinheiros... É impossível ser feliz sozinho! E gratidão é estar acompanhado... Quando Jesus pergunta: e onde estão os outros?

- É isso que temos que perguntar, né Guará? Onde estão os outros que me fizeram chegar até aqui... Vou tomar uma pinga. Fiquei emocionado.

M. AMERICO

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