sábado, 21 de junho de 2014

A GRANDE TRANSFORMAÇÃO E A CORRUPÇÃO DE NOSSO TEMPO

 

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Normalmente, as sociedades se assentam sobre o seguinte tripé: economia (que garante a base material da vida humana), política (pela qual se distribui o poder e se montam as instituições que fazem funcionar a convivência social) e ética (que estabelece valores e normas que regem os comportamentos humanos). Geralmente, a ética vem acompanhada por uma aura espiritual que responde pelo sentido último da vida e do universo, exigências sempre presentes na agenda humana.

Essas instâncias se entrelaçam numa sociedade funcional, mas sempre nessa ordem: a economia obedece à política e a política se submete à ética. Mas, a partir da Revolução Industrial no século XIX, a economia começou a se descolar da política e a soterrar a ética. Surgiu uma economia de mercado, de forma que todo o sistema econômico fosse dirigido e controlado apenas pelo mercado, livre de qualquer controle ou de um limite ético.

A marca registrada desse mercado não é a cooperação, mas a competição, que vai além da economia e impregna todas as relações humanas. Mais ainda: criou-se, no dizer de Karl Polanyi, “um novo credo, totalmente materialista, que acreditava que todos os problemas poderiam ser resolvidos por uma quantidade ilimitada de bens materiais”(“A Grande Transformação”, Campus, 2000, pág. 58). Esse credo é, ainda hoje, assumido com fervor religioso pela maioria dos economistas do sistema imperante e, em geral, pelas políticas públicas.

EIXO ÚNICO

A partir de agora, a economia funcionará como o único eixo articulador de todas as instâncias sociais. Tudo passará pela economia, concretamente, pelo PIB. Quem estudou em detalhe esse processo foi o filósofo e historiador da economia, já referido, Karl Polanyi. Demonstrou ele que, “em vez de a economia estar embutida nas relações sociais, são as relações sociais que estão embutidas no sistema econômico” (pág. 77). Então, ocorreu o que ele chamou de “a grande transformação”: de uma economia de mercado se passou a uma sociedade de mercado.

Em consequência, nasceu um novo sistema social, no qual a sociedade não existe, apenas os indivíduos competindo entre si. Tudo mudou, pois tudo vira mercadoria. Qualquer bem será levado ao mercado para ser negociado em vista do lucro individual. Polanyi não deixa de anotar que tudo isso é “contrário às substâncias humana e natural das sociedades”. Mas foi o que triunfou, especialmente no pós-guerra.

Aqui, cabe recordar as palavras proféticas de Karl Marx: “Chegou, enfim, um tempo em que tudo o que os homens haviam considerado inalienável se tornou objeto de troca, de tráfico, e podia vender-se. (…)
O tempo da corrupção geral, da venalidade universal, ou, para falar em termos de economia política, o tempo em que qualquer coisa, moral ou física, uma vez tornada valor venal, é levada ao mercado para receber um preço, no seu mais justo valor”.

EFEITOS DESASTROSOS

Os efeitos socioambientais desastrosos dessa mercantilização de tudo estão sendo sentidos hoje pelo caos ecológico da Terra. Temos que repensar o lugar da economia no conjunto da vida humana, especialmente face aos limites da Terra.

Quando uma sociedade se entorpece como a nossa, e por seu crasso materialismo se faz incapaz de sentir o outro como outro, e somente o vê enquanto eventual produtor e consumidor, ela está cavando seu próprio abismo.

Agora, cabe o retorno ao “não há alternativa”: ou mudamos, ou pereceremos, porque os nossos bens materiais não nos salvarão. É o preço letal por termos entregue nosso destino à ditadura da economia transformada num “deus salvador” de todos os problemas.

21 de junho de 2014
Leonardo Boff

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