domingo, 4 de janeiro de 2015

IDIOTICES CONCEITUAIS

     

Há tantas coisas que não entendo no senso comum, tantas perplexidades que me acometem num simples passeio ao shopping, coisas que vejo, coisas que ouço, coisas que leio, coisas que intuo, coisas que me fazem sentir uma estranha no ninho. Nem preciso fazer pesquisa de comportamento para observar o espírito de manada e as bobagens que determinam o caminho da boiada que usa cartão de crédito.
Quem disse que uma calça jeans precisa custar 380 reais para durar 3 anos? Foi o que ouvi enquanto compartilhava a escada rolante com duas mulheres que vinham logo atrás de mim. Não queria ouvir, mas ouvi. A loira dizia à morena: - está vendo essa calça jeans, comprei na Ellus, paguei 380 reais, mas estou usando há 3 anos. Como se o valor da calça tivesse determinado o número de anos que a peça duraria. Não determina. Calça jeans é feita para durar muitos anos, até porque não se tem uma única calça, e o jeans, qualquer que seja a marca, é resistente ao uso que dele se faz, no dia a dia.
Eu poderia dizer a ela: - está vendo essa calça que estou vestindo, comprei há 5 anos na Marisa, e paguei 80 reais. O custo benefício da minha compra deixaria a dela com vergonha, mas claro, a minha calça não leva a marca que ela valoriza. E até pode valorizar,- a marca é boa, as peças são bem cortadas e vestem bem, -só não pode usar como argumento o quesito durabilidade x preço, com o qual ela justificara a compra.
Nos últimos tempos o mercado consumidor foi duramente atingido por uma referência chamada design. O mundo da moda é feito de design, sempre foi, mas a diversidade e o aprimoramento das técnicas, modificaram substancialmente  o uso que dele se faz. Uma cadeira, por exemplo, tinha um único design, com leves adaptações para melhor ou para pior, e o que variava era o material com que eram fabricadas, sem nenhuma preocupação conceitual. Hoje não. Hoje as cadeiras oferecem designs variados, tornando o ato de sentar um conforto que só perde para o  deitar. Antigamente comprava-se  uma mesa de jantar pela beleza e muitas vezes ninguém pensava em experimentar as cadeiras. Tenho lá em casa, na varanda, uma mesa de ferro batido com 6 cadeiras pesadas, duras, desconfortáveis, cuja função tem sido abrigar três gatos que dormem o sono da tarde, já que o bumbum dos habitantes prefere um material mais aconchegante, sensível ao toque, de formato anatômico e peso pena.
 O mercado consumidor tornou-se mais exigente e há campo para o trabalho desses profissionais que gastam tempo pesquisando e elaborando novos materiais para os mesmos usos. Mas isso não justifica os preços astronômicos que alguns profissionais cobram pelo produto e nem as bobeiras que declaram para conceituar a peça. E isso é culpa da mídia que fabrica o profissional de sucesso e exige dele  um outro tipo de habilidade com a qual o cidadão que sabe desenhar não sabe manusear: as palavras.
Se o cara faz sucesso em alguma área a mídia exige que ele se explique, que vá além das suas prerrogativas, que encante o universo intelectual com as suas declarações. E é aí que o bicho pega.
 Tenho em mãos uma entrevista que a revista Casa Cláudia fez com Patricia Urquiola, designer espanhola festejada no mundo todo. Essa profissional fez uma cadeira – cadeira não, chaise – pois é, fez uma chaise chamada Antibodi – isso mesmo. Se eu tivesse que descrever a cadeira diria que é bonitinha.  Chamada a declarar alguma coisa sobre a peça, Patricia disse que: abre aspas, o foco atual do design está na pele, na superfície das coisas, fecha aspas.
Vamos examinar a declaração grandiloquente da profissional: se “o foco atual do design está na superfície das coisas,” isso significaria que no profundo das coisas não houve grande preocupação? Se “o foco atual do design está na pele”, isso quer dizer que as vísceras não receberam idêntico cuidado? Ou seja: seria a cadeira uma coisa do tipo   “por fora bela viola e por dentro pão bolorento?”
Eu quero entender,  mas francamente não consigo. Contudo, o repórter que fez a entrevista deixou por aí mesmo e, dessa maneira, jamais conseguirei captar a mensagem da cadeirinha sob a ótica da sua criadora. Devo pois, tentar fazê-lo pela minha ótica, com a qual a descreverei para os meus leitores. Pensa num objeto que está a meio caminho entre uma cadeira de lona, sustentada por uma armação de aço, daquelas que deixam a bunda quase no chão, e uma cadeira de piscina para tomar sol.  Pensou? Agora tira a lona e forra a cadeira com um revestimento de lã, do tipo crochê, reproduzindo pétalas abertas. Imagine o toque da lã pinicando o corpo todo enquanto você tenta se ajeitar sobre a “superfície das coisas”. Entendeu por que o foco do design está na pele? Pois é. Mas quantos não entenderão e repetirão à exaustão o conceito como se fosse uma nova filosofia do mobiliário, é o que me preocupa.
Outra declaração da profissional: “ o que me interessa é o processo, eu absorvo muito aquilo que me cerca, assimilo tudo e transformo o resultado. Acho importante ser coerente com a própria cabeça e suas entranhas e trabalhar com a contrapartida disso tudo – a indústria – de um modo construtivo. “
Ham, ham. Tá bom, já chega. Vá desenhar Patricia, que o teu negócio é esse. Manda os jornalistas te deixarem em paz para você trabalhar cada vez mais e melhor.  E se você melhorar a superfície das coisas, sem esquecer das vísceras, nem precisa “ser  coerente com a sua própria cabeça e as suas entranhas,” que a gente já fica contente. 
 
04 de janeiro de 2015
ana maria ribas bernardelli

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