sexta-feira, 2 de setembro de 2011

A ILHA APODRECIDA


Brasília tornou-se infelicidade.

Fui morar no mato porque queria ter vida à minha volta. Ver o passarinho fazer um ninho, pisar no chão de terra, ver a nuvem, o vento, o tempo; a Mãe Natureza, sabe?... Sentia a falta do seu carinho.

Um amigo que me vendia pães de maçã saborosamente integrais foi quem me deu a dica: “Lá, onde eu moro, é tudo assim, desse jeito aí que você falou”.

A primeira tentativa foi logo feita. Apareci bonito, ao natural, com barba e cabelo. E fui logo recebido pelo homem simples do local. Gostei da modéstia e da casinha recém reformada. Confirmei interesse e levei parentes para gostarem também.

Trato feito, ficou tudo acertado, firmado na oralidade. Dali a alguns dias, a mudança seria levada a cabo. Mas logo veio o desencanto: a casinha que tanto queria fora querida por outros também. Trato desfeito. Quebra de confiança. Poxa, logo com um homem da roça – de enxada na mão e tudo mais... Mas, quem desconfiaria?

Logo entendi que minha conversa tinha culpa. Quem manda falar para homem pobre que o dinheiro não vale nada? Que o valor maior está nos olhos, ou escondido, dentro do coração?

Pois foi o que fiz, cheio de ladainha e poesia, quis permear a prosa de valores verdadeiros, mas não financeiros. E as portas daquela casinha se fecharam.

Mas o tempo, o vento levou, e fez-se a próxima temporada; e mais uma empreitada.

Soube de nova casinha, a uma outra colada.

Bati palmas. Saiu de lá um sujeito franzino e dentuço, com cara de espiritualidade e roupas brancas, me lembrando a eternidade. Perguntou o meu nome e disse que ia meditar antes de me aceitar. Ao fim do dia, me ligou: "Gostei de você. Acho que vamos nos entender muito bem!”. Tornamo-nos vizinhos e grandes amigos.

Foi um tempo bom aquele... No início, quando tudo é novidade, a vida ganha contornos coloridos; até água fria e falta de energia são motivos de tranquilidade. De lá, o céu era mais bonito que o da cidade, e sempre tinha estrelas.

Enquanto isso, eu fazia tudo o que queria. O que eu mais gostava era de pular da cama e, ainda nu, ir direto ao jardim para fazer o xixi da manhã. Bocejar para as plantas é melhor do que para azulejo. De um lado, via mangas, goiabas e amoras recém-nascidas. Abaixo, formigas levando folhagem ao formigueiro. E ao longe, bem longe, os parcos sons de uma cidade da qual eu já não gostava tanto.

Aranha tinha. Barata não. Prefiro cinco aranhas a uma única barata.

E enquanto eu ia aprendendo a passar o tempo sem muito fazer, conversava com quem aparecesse. Gente diferente e sem preconceito. Gente pobre, gente simples e, como eu, cheia de defeitos. Eu, agora, tinha vizinhos à vontade; daqueles que dão “bom dia” por gosto, e não por ofício ou vício. Claro, faziam picuinha como a gente da cidade, embora fossem bem mais, gente de verdade.

Eu agora tinha janelas e portas abertas para a vida. Para as meninas que brincavam no gramado em frente, e que sempre invadiam minha casa, sorridentes. Para o vizinho que meditava. Para o amigo novo que chegava e logo se acomodava.

Foi realmente um tempo bom, um tempo novo. Que me estimula a olhar para frente, talvez olhar diferente... Já não posso mais afirmar o amor que um dia pensei sentir pela minha cidade.

Viver numa grande caixa, cheinha de gente, nunca me fez muita alegria. Invejava aqueles que, ainda que mais pobres, tinham uma turma, uma rua, uma comunidade a qual pertenciam. Eu nunca pertenci a Brasília; a uma superquadra – ainda que por ali houvesse toda a vida vivido. Mais de 30 anos em apartamentos de alto padrão não me davam alento, só solidão.

Acho que ela se tornou paradigma anticomunitário. Um reflexo espúrio do excremento mesquinho, pérfido e pútrido das autoridades que aqui cagam, cheias de cinismo e imunidade. Uma cidade que não se mexe e não se envergonha de nada. Que perde espaço para os muros e os condomínios feitos em dissonância; à perfeição dos anseios de cada individualidade.

Já não há o sonho candango, que, aliás, é palavra feia. Nunca foi adotada pelas elites que aqui chegaram com tudo já feito... Pelos próprios candangos!

Já não há tantas crianças pela grama. Já não há tantas crianças pelas ruas ou pelas quadras... Onde estão as crianças? Meteram-nas todas em grandes shoppings? Mas tantas assim? Sim, constroem-se mais shoppings e cinemas e casas de jogos e tudo mais o que for possível para tirá-las do convívio simples e real de uma vida comunitária. Dizem pertencer a várias comunidades que – pasmem! – não existem nem no papel, senão em telas – e somente nelas.

Ocupada, desordenada e desencantada. O livre caminhar perdeu rumo. O concreto virou vidro. A espontaneidade perdeu o sentido. A esperança virou desalento, medo, castigo.

E agora, Lúcio? E agora, Oscar? Porventura desconfiariam que o avião iria naufragar?

Pois naufragou a nossa Brasília, tornou-se puramente ilha, Brasólia, inglória.

Antes que derrubem meu mato, boto minha viola no saco e vou-me embora, farto.

maltrapo

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