terça-feira, 6 de setembro de 2011

PATOS SELVAGENS

A minha amiga Lili contou uma historinha sobre os sapos. Sapos fervidos, sacou? Não? Quando joga o pilantra na água fervendo, se ela não for a água do seu habitat, o safado, mesmo com o rabo chamuscado, salta longe... Mas se a água for a do ambiente dele, onde ele fica só pescando insetos, e se ela for aquecida gradualmente com o besta lá dentro, ele vai ficando numa boa, imaginando até que tá fazendo uma saunazinha e assim, acaba cozinhadozinho sem nem saber o que aconteceu... Palavra de cientista! E não duvidem da minha amiga!

MORAL DA HISTÓRIA


A gente fica tão acomodado no nosso lugarzinho, tá tão bom, já que não precisamos fazer qualquer esforço para conquistar alguma coisa que justifique a nossa vida, que terminamos por morrer gordos e felizes, embora estúpidos e insensatos.

Mas eu vou contar outra historinha.
Essa é a do pato.
Era uma vez um bando de patos selvagens que voava nas alturas. Lá em cima era o vento, o frio, os horizontes sem fim, as madrugadas e os poentes coloridos.
Tudo tão bonito! Mas era uma beleza que doía. O cansaço do bater das asas, o não ter casa fixa, o estar sempre voando e as espingardas dos caçadores...

Foi então que um dos patos selvagens, olhando lá das alturas para a terra aqui embaixo viu um bando de patos domésticos. Eram muitos. Estavam tranqüilamente deitados à sombra de uma árvore. Não precisavam voar. Não havia caçadores. Não precisavam buscar o que comer: o seu dono lhes dava milho diariamente.

E o pato selvagem invejou os patos domésticos e resolveu juntar-se a eles. Disse adeus aos seus companheiros, baixou seu vôo e passou a viver a vida mansa que pedira a Deus. E assim viveu por muitos anos. Até que...

Até que, num ano como os outros chegou de novo o tempo da migração dos patos. Eles passavam nas alturas, no fundo do azul do céu, grasnando, um grupo após o outro.

Aquelas visões dos patos em vôo, as memórias de alturas, aqueles grasnados de outros tempos começaram a mexer com algum lugar esquecido dentro do pato domesticado, o lugar chamado saudade. Uma nostalgia pela vida selvagem, pelas belezas que só se vêem nas alturas, pelo fascínio do perigo...

Até que não foi mais possível agüentar a saudade. Resolveu voltar a ser o pato selvagem que fora. Abriu suas asas, bateu-as para voar, como outrora... mas não voou. Caiu. Esborrachou-se no chão. Estava gordo demais. E assim passou o resto de sua vida: em segurança, gordo de barriga cheia, protegido pelas cercas e triste por não poder voar...
(Rubem Alves)

Essa historinha não tem aquele negócio de MORAL DA HISTÓRIA. Não tem por duas razões:

1. o recheio moral é óbvio demais para ser explicado;

2. desnecessário acrescentar MORAL DA HISTÓRIA, numa história que não precisa de muletas. Ela por si é ululante. E até por que daria um trabalho danado ter que pedir autorização ao autor, que certamente não autorizaria...

Mas eu vou dizer por conta própria o seguinte: somente a transgressão das normas é capaz de inventar uma vida que vale a pena ser vivida. Foi por conta das transgressões que a vida, em muitos e magníficos momentos, conseguiu alcançar patamares realmente significativos.

M. AMERICO

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