terça-feira, 6 de setembro de 2011

REFLEXÕES DE UM DIVAGANTE


Pedi silêncio na mesa. A discussão girava em torno do Zédirceu e sua quadrilha. O papo era gigante e ruidoso. Macarrão, Bochecha, Suspiro... A turma bradava aos infernos...
Xibungo, o vira-lata de estimação da mesa, rondava a espera de uma sobra dos petiscos. Um linguicinha caia bem naquele momento. Com seus olhos pidões, amolengava os nossos corações.

Aproveitei a 'deixa' e mandei os versos:

A compreensão que você reivindica a cada passo...
Depende de você!

A bondade que você admira nas pessoas e sonha possuir...
Depende de você!

A abertura que é o caminho para a renovação...
Depende de você!

A realização que você julga essencial...
Depende de você!

O amor que você quer encontrar nos outros...
Depende de você!

A organização que você apregoa...
Depende de você!

Macarrão olha para mim, surpreso com a bonomia pouco habitual do discurso e pergunta:

- Você sonhou com os anjos? Me permita discordar dessas palavras cheias de encantamento, ainda que doa fazer isso com a poesia...
Bochecha atravessa a fala de Macarrão:
- Isso deve ser alguma paixão!

Macarrão continua, apesar do riso matreiro de Bochecha.
- Mas eu acho que tem coisa que depende dos outros. A gente não consegue ser bonito se ninguém acha que a gente é. Não dá para ser admirador de determinado autor se não há outra referência, algum tipo de concordância.

E vou mais longe! Acho que a gente pode até morrer se for rejeitado demais. Eu sei porque sou criador de mula-sem-cabeça, e o bicho está em extinção por causa de um tipo de rejeição moderna.
Os padres não gostam mais de mulheres. Agora só gostam de crianças, quer dizer, não nasce mais mula-sem-cabeça nessa terra. Mas isso é apenas um exemplo.
Tomou um golaço de cerva, pra aliviar a goela.
- Ser o patinho feio o tempo todo não é saudável. Não depende só da gente mudar isso.
O homem é um animal social, precisa da aprovação do outro para se sentir bem (pelo menos de alguns). Se um dia o bicho não vira cisne, e arranca olhares estupefatos de pelo menos parte da platéia, morre de desgosto. Já vi acontecer.

Olhei para o Macarrão e sem refletir sobre as suas palavras, defendi-me:

- Um homem não pode devanear? Um homem não tem o direito de vagar por outros páramos, sem que lhe caiam em cima de paulada? Sei do que você está falando, Macarrão. E você Bochecha fique sabendo que nem tudo nessa vida é paixão por mulher! De vez em quando, um homem fica com o saco cheio dessa realidade pequena, mesquinha, que nos achata, nos apequena. Um gole de poesia é tão confortador como um gole de cerveja... E o que devemos aos poetas, não tem paga nesse mundinho de Deus. São a luz do mundo. Como as crianças, cujos sorrisos são intraduzíveis e enchem o mundo de alegria.
Lancei um naco de linguiça pro xibungo, que pegou no ar.
Macarrão atalhou:
- Até pode ser. É apenas uma questão de espírito, de momento. Agora, por exemplo, eu prefiro uma cerva gelada à poesia domesticada que você decantou. E quer saber? Zédirceu no momento é muito mais importante! Poesia não vai devolver a vida pública o que os ladrões estão tirando...
Cortei:
- Não. Não quero saber. Viva a cerveja que nos afaga o sentido. E a poesia! E o Zédirceu... Cadeia nele!

M. AMERICO

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