terça-feira, 6 de setembro de 2011

CONVERSA DE BOTEQUIM

É preciso entender um pouco da história do homo sapiens, para compreender que conversa de botequim não tem leme. É uma espécie de barco à vela. Ela vai pra onde sopra o vento. E não adianta querer seguir numa direção, se o vento sopra em outra.

Essa "tese" foi o resultado de uma longa conversa com o Macarrão.
Eu já falei do Macarrão? Pois é. No dia desse papo, Macarrão estava um tanto quanto irritado. Fora jogar sinuca no Boteco do Libório, e lá resolvera citar Pascal. E conversa daqui, rola prali, Pascal pra frequentador de boteco e a capital do Curdistão, é aquela história: ninguèm sabe o que é e menos ainda onde fica.
O Macarrão, leitor assíduo de Blaise Pascal, irritou-se, e danou a falar da miserabilidade do ser humano, da sua efemeridade, do brevíssimo tempo de sua vida; e ainda por cima resolveu citar uma passagem do poeta Brecht, aquela do círculo de giz.

Disse Macarrão pra uma platéia absolutamente desinteressada, que eles eram como aquele peru do Brecht. A parte os malentendidos, que quase gerou porrada, sobrou um tempo pro Macarrão explicar.

O peru a que ele se referia, era aquele de uma peça de teatro do B. Brecht: o peru, no meio de um círculo de giz, não conseguia pular e evadir-se.
O velho Libório, já escaldado com porradaria, polícia e prejuízo, observava de longe.

Mas aquela de círculo de giz, peru, prisão, e a burrice do peru, prendeu a atenção dos bebuns. E Macarrão explicou a simbologia do círculo. Não representava ele nenhum impedimento para que o peru se evadisse na direção que quisesse. O problema era o peru entender que bastava passar por cima do risco de giz.

Assim era o problema da mediocridade. Como um círculo de giz, aprisiona muita gente incapaz de entender que basta um passo para passar para o outro lado. Silêncio total. Macarrão observando a cara do pessoal, sem reação e sem entendimento do que fora dito. Continuavam presos no círculo de giz.
"Mas é essa a tua irritação, Macarrão?" - perguntei. E ele sério, entornando guela abaixo o último gole, disse: veja se você pula o círculo de giz!

Lili se acomodou melhor na cadeira. Suspiro fundo. Olhou pro pessoal com carinho.

- Fiquei triste vendo esse papo. Tenho estado dentro de um círculo de giz ha muito tempo.
Acho que vou tomar uma cachaça para pensar a respeito.

Macarrão, um sentimental que oculta o coração, porque pensa que homem não pode ter essas fraquezas, brincou:

- Toma duas logo duma vez, sô! Uma por mim... Pensando melhor, toma três: duas por mim!

Lili sorriu. Vou tentar uma variante desse peru idiota.
Uma variante do circulo de giz: água quente.
Vários estudos sobre comportamento animal demonstram que um sapo colocado num recipiente com a mesma água de sua lagoa, fica estático durante todo o tempo em que aquecemos a água, mesmo que ela ferva. O sapo não reage ao gradual aumento de temperatura (mudanças de ambiente) e morre quando a água ferve. Inchado e feliz.

Por outro lado, outro sapo que seja jogado nesse recipiente com a água já fervendo salta imediatamente para fora. Meio chamuscado, porém vivo.

As vezes, somos sapos fervidos. Não percebemos as mudanças. Achamos que está tudo muito bom, ou que o que está mal vai passar - é só questão de tempo. Estamos prestes a morrer, mas ficamos boiando, estáveis e apáticos, na água que se aquece a cada minuto. Acabamos morrendo inchadinhos e felizes, sem termos percebido as mudanças a nossa volta.

Bochecha deu um gole na cerva, e disse:

- Sapos fervidos não percebem que além de ser eficientes, têm que fazer as coisas. E, para que isso aconteça, há necessidade de um continuo crescimento, com espaço para o diálogo, para a comunicação clara, para dividir e planejar, para uma relação adulta.O desafio ainda maior está na humildade em atuar respeitando o pensamento do próximo.

Lili cortou o incompreensível discurso do Bochecha:

Há sapos fervidos que acreditam que o fundamental é a obediência, e não a competência: manda quem pode, e obedece quem tem juízo.
E, nisso tudo, onde está a vida de verdade? É melhor sair meio chamuscado de uma situação, mas vivos e prontos para agir.

Olhei pra Lili, servi seu copo com mais cerveja, acrescentando:

- Sabe Lili, acho que ocê num seguiu o meu conselho e tomou pra lá de uma... Inclusive tomou as minhas. Santa Brígida! Que sermão! Mas ocê me perdoa as ponderações abaixo? Eu perdoei ocê, por causa daquela poesia chinfrim (parece até auto-ajuda!). Aliás quem devia me perdoar era ocê. Mas eu vou saber quem é o anònimo daquela merda...

Isso de morrer inchado e feliz só porque foi fervido no seu habitat, ficou estranho pra caraca! Veja ocê: o 'sapo barbudo' ficou inchado e feliz, na fervura do Planalto, mas não morreu... Continua aí, pulando, vivim... vivim, por cima de tudo!
Tá certo que mudou o seu habitat, passou a tomar champanhe sem abandonar a pinga, jogar futebol na Granja do Torto (Quem seria o Torto?), mudou o seu habitat da fábrica para o palácio... mas até aí morreu o Neves afogado em cuspe!

Agora, se ferver antes o habitat do sapo e jogar o safado lá, quando estiver borbulhando, tu vai ver só o salto que o danado vai dar!!! Pode inté sair com o rabo chamuscado, mas eu garanto que morrer inchado e feliz... nunquinhas! Mas cientista é assim mesmo... Depois que o sapo pular, eles vêm com outra teoria...

Macarrão atalhou, enfático:
- E sapo inchadinho e feliz morrendo numa boa, só se for sapo rico, com a barriga cheia de insetos saborosos. Sapo pobre (e quase que eu digo sapupara!), tá sempre pulando pra num morrer de fome ou deixar a cobra morrer. E não precisa nem ferver a água. Só de riscar o fósforo ele já espanta carreira!

Tomei a palavra do Macarrão, e continuei:
- Minha amiga Lili, não se pode levar a vida muito a sério. Meu amigo Voltaire, ensinou-me muito cedo a rir das tolices humanas. Flaubert também não deixou barato, para não falar de Anatole France.
Fiquei tão ressabiado, que adotei alguns lemas, sem esnobismo. Nada de lema em francês, alemão, inglês que ninguém entende, mas acha inteligente pacas!

1. Tudo na vida é passageiro, menos motorista e trocador. (Anônimo)
2. Tudo passa, até uva passa. (Anônimo)
3. Formei-me em Letras, e na bebida busco esquecer (L.F.Veríssimo)

Juro que nunca mais eu falo em círculo de giz com ocê. Quem vai tomar umas agora sou eu. Santa Brígida

M. AMERICO

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