O "Princípio de Anna Karenina", articulado numa
das frases de abertura mais famosas da literatura universal, diz que "todas as
famílias felizes são iguais, enquanto as infelizes o são ao seu próprio modo".
Aplicado à indústria, esse princípio parece funcionar às avessas. Todas as
indústrias felizes o são ao seu próprio modo, enquanto todas as indústrias
infelizes são iguais...
Digamos que a "felicidade" da indústria seja
medida pela sua participação no PIB do país de origem. A ideia reflete o
raciocínio atual do governo brasileiro, a julgar pelas recentes declarações e
medidas para proteger a indústria nacional da tal concorrência predatória
alardeada pelo ministro Mantega. Indústria feliz, segundo o governo, é aquela
que gera a maior parte dos empregos e da renda do País. É preciso, pois,
cultivá-la, mesmo que para isso se introduzam impostos diferenciados para os
produtos domésticos e os importados, uma prática no mínimo antipática. Também é
necessário usar medidas emergenciais, como o alargamento das compras
governamentais para priorizar a aquisição de bens e serviços nacionais, ainda
que isso onere os cofres públicos e tenha efeitos indesejados sobre a inflação.
Não faz mal. O que importa é ser feliz. Mas onde estão as indústrias mais
felizes?
De acordo com a métrica proposta, a Coreia e a
Alemanha são igualmente "felizes": ambas têm indústrias de mais de 30% do PIB.
Já o Brasil e os EUA são menos felizes: suas indústrias correspondem a uns 20%
do PIB (a participação da indústria de transformação no Brasil é ainda menor,
uns 13%). Nesses dois países, a situação já foi muito diferente. Por aqui não
faltam comparações com a década de 80, quando a indústria correspondia a pouco
mais de 30% do PIB, como na Coreia e na Alemanha. Mas os saudosistas de plantão
se esquecem de que esses foram anos de brutal desarranjo macroeconômico no País,
além de a economia ser muito fechada, a indústria era pouco exposta à competição
internacional.
Os EUA também tiveram lá o seu grau de
felicidade industrial à Alemanha e Coreia no início do século 20. O vigoroso
capitalismo industrial que impulsionou a economia, tornando-a uma das mais
importantes do mundo, sobretudo depois das duas grandes guerras e da débâcle dos
regimes comunistas, perdeu fôlego. Ao longo do tempo, foi cedendo um espaço cada
vez maior à ascensão do capitalismo financeiro, o modelo de crescimento
econômico baseado no crédito farto e desregulado que culminou na crise de
2008.
Há muito pouco em comum entre a redução da
participação no PIB da indústria brasileira e da americana. Mas há uma
semelhança importante entre os dois modelos de industrialização. Tanto lá quanto
aqui se optou pela diversidade, pela ampla gama de produtos industriais, de
aviões a calçados, de engenharia e mecânica a móveis e utensílios domésticos, da
siderurgia a têxteis, de automóveis a tecnologia de informação. Evidentemente,
não é possível ser competitivo em todos esses setores simultaneamente. Tome-se
como exemplo a indústria automobilística americana, o grande símbolo da
revolução industrial dos EUA, o país que inventou o Modelo T, carinhosamente
conhecido como Tin Lizzie. Tin Lizzie não resistiu aos Hondas, Subarus,
Daihatsus, Toyotas - mais baratos, mais econômicos, mais resistentes.
E a Alemanha e a Coreia? Bem, esses países
concluíram não ser possível competir em pé de igualdade com o resto do mundo em
todos os setores. Resolveram priorizar um modelo de industrialização baseado na
capacidade de produzir um determinado bem a um custo unitário menor, o que os
economistas chamam de vantagem comparativa. A Alemanha, e sua inigualável
engenharia, concentrou-se na indústria de processamento. A Coreia direcionou
seus esforços para a capacitação tecnológica, tornando-se um dos polos mais
importantes de fabricação de eletrônicos no mundo. Foram igualmente felizes na
especialização. Enquanto isso, continuamos aqui, a discutir a proteção à nossa
indústria universal. Parece que continuaremos infelizes na nossa diversidade.
06 de abril de 2012
Monica Baumgarten de Bolle
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