sábado, 10 de abril de 2010

FECHARAM A PORTA E APAGARAM A LUZ!

Quando nos damos conta de que "há algo de podre no Reino da Dinamarca", paulatinamente iniciamos um processo de mudança e adaptação de hábitos, descobrindo novas habilidades, novos prazeres e mais simples formas de bem-estar. Isso nos dá uma nova visão do sentido essencial da vida.
Nossos sonhos não serão mais dirigidos por uma mídia que vende ilusões e fantasias, quando precisamos apenas da nossa capacidade de admirar a vida e o que nela podemos encontrar de grandioso e atender às necessidades básicas do corpo e do espírito, cujos prazeres nunca podem ser comprados e também não precisam ser tão complicados.
Nesse momento, já não estamos mais nas grandes avenidas do dinheiro, da ambição desmedida que soterra em nós a criatividade, a elegância, a estética, a competência para o amor.
Nesse momento, enveredamos por estreitas vias, por onde caminhamos apenas com o nosso esforço. Cada passo é uma descoberta, uma mudança interior, e cada mudança, um sentimento de renovação e liberdade. Liberdade em relação a nossa capacidade de decisão.
Fala-se demasiado em liberdade, mas pouco se diz da necessidade de disciplina para possuí-la.
Liberdade e disciplina?! Engraçado, não? Que conúbio mais estranho se poderia arranjar! Mas é isso mesmo: liberdade é disciplina, como canta Rentato Russo.
Mas antes de adentrarmos em discussões desse porte, quero que o leitor desmistifique comigo, os tortuosos caminhos da "felicidade banalizada" oferecida por preços "razoáveis" nas feéricas feiras do consumo e das vaidades, com pagamento facilitado em prestações a perder de "vida".
Ainda não vi nos veículos mediáticos um casal de 'gordinhos' repousando em campo aberto e florido. O horizonte jogado na última linha do olhar, aquelas margaridas derramadas na geometria caótica e casual, a garrafa aberta de vinho, em toalha alva de linho, as taças tombadas romanticamente... As fisionomias alegres, daquela alegria que se esparrama, nascida na simplicidade do prazer gratuito; alegria belíssima de dentes 'branco global'. A paixão desenhada em céu azul, recortada pela frondosa árvore, como aquela do filme "O vento levou".
Por quê? Por que ainda não assisti a essa cena na TV? As pessoas gordas não podem ser eroticamente felizes? Os seus corpos não permitem a felicidade? Ou a grande indústria da estética anórexica e longilínea não autoriza, não permite? Sim, porque se ganha muito dinheiro com o mito da 'felicidade elegante', do 'sexo elegante', da 'saúde elegante'...
As clínicas de estética, spas e outras arapucas de emagrecimento, a indústria de alimentos "diet" e "light", as drogas milagrosas, as academias de "malhação" e tantas outras formas de vender, não a apregoada saúde do corpo, mas a "felicidade do corpo", o "prazer do corpo", somente possível segundo um certo peso corporal, uma certa medida et coetera.
Já estamos diante de um sofisticado sistema de consumo: o consumo do próprio corpo, segundo certos padrões considerados o ideal, a medida certa da felicidade, da liberdade de expressão erótica, da expansão do ego para os horizontes do subjetivo.
Já não cobiçamos o objeto. Como magos, almejamos realizar no corpo a fantasia de sonhos que possam encobrir a realidade, transmutá-la nos nossos desejos. As tatuagens invadiram os corpos e imprimem neles as figuras dos nossos obscuros desejos. Quase mandalas do nosso inconsciente...
Não por outras razões as revistas, os jornais, a televisão, apregoam as vitaminas da moda, a ginástica da moda, os músculos ressaltados a base de drogas... Tudo isso produz muito dinheiro!
É facil descobrir por que não vemos na TV demonstrações de amor e respeito entre pessoas que não integram os padrões de beleza; pessoas comuns que fazem piquenique nas praias, no campo. Isso não produz a riqueza desejada pela máquina do consumo; não se ganha dinheiro com formas de prazer que estão ao alcance de qualquer pessoa, gratuitamente.
A 'felicidade', por representar um estado de completo prazer nas três dimensões humanas (corpo, mente, espírito), deve ser um produto 'caro', acessível somente a poucos eleitos (assim como possuir uma Mercedes Benz conversível - sonho maior de consumo dos divagantes estranbóticos e delirantes...). Por isso, necessário se faz apregoar na televisão os ingredientes da receita e, obviamente, o seu preço.
Poderíamos, a grosso modo, classificar o prazer em três grupos: o deleite do corpo, o prazer do intelecto e o êxtase do espírito (dimensão estética e religiosa).
Preocupemo-nos apenas e incialmente, com o deleite do corpo, já que as outras dimensões do prazer, melhor serem discutidas em grossos tratados.
O deleite do corpo, independente do corpo que tenhamos, é simples como um copo de água: namorar, tomar um sorvete, olhar o mar, um 'papo' com os amigos, uma feijoada no sábado, um franguinho na brasa com farofa e um bom vinho, uma caipirinha bem tomada, um pagode no fundo do quintal, um por-de-sol, lua cheia... Deus meu! Quantas coisas poderiam ser lembradas... Quantas coisas disponíveis e ao alcance de qualquer mortal! O calor do sol na pele, quando caminhamos à beira-mar, pisando suas espumas brancas; ou numa trilha, mergulhados no silêncio da mata, nos ruídos da vida; admirar uma criança brincando, absorta em seus movimentos graciosos, pairando numa realidade invisível para nós. Você já abraçou uma árvore? Já sentiu a potência vital, transbordante, que dela emana? Não?! É de graça! Tente... Não se paga por isso!
Mas quando estamos naufragados na "felicidade" dependente de pacotes vendidos à retalhos e a crédito, não acreditamos que possa ser diferente, ou que possa haver alguma outra maneira de "estarmos felizes". Nunca de "sermos felizes". Poque estar é diferente de ser.
O sistema empurra-nos para a "angústia da felicidade", se é que me explico bem. Nos torna neuróticos, angustiados, ansiosos para sermos felizes... E nesse jogo de comprar a alegria, de comprar o prazer, de comprar a 'felicidade', acabamos sempre por cair na cilada do "amanhã tudo será diferente".
Lembra-me aqueles versos do nosso poeta, a propósito da felicidade sempre adiada, por ser  "uma árvore arreada de dourados pomos" e que "está sempre apenas onde nós a pomos / mas nunca a pomos onde nós estamos."
A vida, como o malabarista, equilibra-se em fino fio suspenso no abismo. Brilho fugaz entre duas escuridões, entre dois infinitos, entre dois imponderáveis, entre dois sonhos. Como disse o poeta inglês, séculos atrás, "morrer, dormir, sonhar talvez, quem sabe..."
E trata-se exatamente disso. Trata-se de evitar, na sociedade do prazer ilimitado, do gozo eterno, o contato doloroso com a Verdade da Vida, que nos prepara para a sua essencialidade, toldando-nos o trágico sentimento de nossa efemeridade.
A antiga serenidade dos homens que atravessavam o grande abismo da vida, e que mistificavam a morte com os seus mitos, foi substituída na 'modernosa' e hipnótica sociedade pós-industrial, por novos mitos que mistificam a dor e vende a crença do prazer sem fronteiras do corpo, que se compra a preços módicos.
A proposta do grande sistema, aquela que se vende por todos os cantos da mídia e que se insinua sempre como a proposta de uma enorme, desmedida, gigantesca felicidade que se deve adquirir a preços de liquidação e em suaves prestações, mistifica o sentido essencial da Vida e gera a ilusão de que seremos felizes para sempre, com o último modelo  de televisão ou com aquele carro zero km, que desliza sobre a inveja e os olhares concupiscentes da multidão despossuída.

M. AMERICO

sexta-feira, 9 de abril de 2010

MITOLOGIA E INCONSCIENTE

Inconsciente coletivo. Assim Jung chamou o que seria um arquivo oculto de imagens, uma espécie de memória ancestral da humanidade. Essa memória manifesta-se com muita clareza nos esquizofrênicos. Essas imagens, que Jung chamou de 'símbolos arquetípicos', também foram identificados pela psiquiatra Nise da Silveira, quando de seu trabalho em um hospital psiquiátrico, e dirigia a seção de terapêutica ocupacional no Centro Psiquiátrico Pedro II, no Rio de Janeiro, entre os anos de 1946 e 1974. Seu livro "Imagens do Inconsciente", entre análises e reflexões, apresenta inúmeros trabalhos (desenhos, pinturas, modelagens) dos pacientes internos.
Encontramos tais símbolos na mitologia, nas pinturas, nos rituais religiosos, nos signos gráficos de civilizações em qualquer tempo histórico.
O símbolo surge mais claramente, como linguagem fundamental e manifestação dominante, porque a consciência não atua repressivamente e o psiquismo, no esquizofrênico, encontra a sua conexão com o que está subjacente nas camadas mais profundas, sem a censura da mente lógico-formal.
Carregamos uma 'memória da humanidade', onde estão latentemente armazenadas no inconsciente, experiências ancestrais da espécie.
As lendas, os contos de fadas, as mitologias, a comunicação de massas, usam os signos, porque são capazes de expressar conteúdos através de histórias e narrativas, melhor do que a formulação de conceitos.
Na esquizofrenia, perde-se o contato com o consciente vivenciando-se apenas a relação mais ou menos profunda com o inconsciente.
Tais símbolos revelam a relação imemorial do homem com os mesmos elementos básicos da natureza e as forças profundas do cosmos.
Os arquétipos, do que ele denominou insconsciente coletivo, sempre estavam presentes, embora sob diferentes formas, em civilizações separadas por séculos ou milênios, e também em outras mais próximas.
O mito é a forma de conservar e de significar valores através de um símbolo ou metassímbolo. É portanto, a representação de uma verdade profunda da mente.
As lendas, os contos de fadas, não são historinhas fantasiosas. Há o relato de uma íntima conexão com o psiquismo. Expressam realidades profundas da psique, suas fantasias e difusas emoções.
O mito é a tradução explícita dos conflitos do ser humano para compreender o processo de relacionar-se com a realidade e nela inserir-se. Expresso através do símbolo, da fábula, da lenda, o mito faz emergir a verdade profunda da mente mergulhada no enigma, no inconsciente ou no 'elo perdido'.
O mito é o incurso comum, paralelo ao incurso ideológico.
Retoma-se da mitologia grega, os seis elementos: o Logos, o Ethos, Eros, Psiche, Theós, Pathos, que estão, direta ou indiretamente, simbolicamente expressos sob a forma de lendas e fábulas, presentes em toda comunicação, como incursos.
São enigmas originários das zonas não iluminadas da mente e presentes, fundamentalmente, em qualquer discurso.
As pessoas de um modo geral, preferem ignorar as complexidades. Passam pela vida, para libar o prazer ou usufruir o poder.
O mito cristão toca o cerne, a raiz da questão vital: "Só a verdade vos libertará."
Não foi dado ao ser humano contemplar a verdade. Somente as verdades circunstanciais estão ao seu alcance. Somente 'verdades de razão' (as geométricas, por exemplo, ou as matemáticas) são possíveis ao ser humano.

M. AMERICO

quinta-feira, 8 de abril de 2010

OBSERVAÇÕES SOBRE UM CASO DE COMOÇÃO NACIONAL

Com uma certa freqüência ouço ao meu redor comentários sobre o recente caso de comoção nacional Nardoni&Jatoba. Comentários sobre os procedimentos legais do Judiciário: "Nardoni pega 31 anos, 1 mês, 10 dias de prisão; Jatobá pega 26 anos e 8 meses. Por ser pai da vítima, o calhorda foi condenado a uma pena maior. Que maravilha! Ambos cumprirão suas penas em regime fechado. Na prática, segundo o jurista Luiz Flávio Gomes, ficarão, respectivamente, 13 e 11 anos na cadeia." Diante dessa realidade, os comentários beiram a indignação! A manifestação em frente ao Fórum onde ocorreu o Julgamento Nardoni&Jatoba, mostrava a 'fúria popular'.
Fórum, nas antigas cidades romanas era o nome das praças públicas que serviam de ponto de equilíbrio da vida social. Era o 'locum' onde os cidadãos se reuniam para discutir e decidir os destinos da comunidade. Também era ali, que acusados de crimes tinham o direito de tentar provar a sua inocência diante de um júri popular.
Essa 'fúria' mostrada pelos canais de TV que cobriam o 'espetáculo', para os especialistas decorre do 'desejo de vingança' da própria noção de justiça, quando determinadas Normas são violadas e provocam a reação coletiva.
O que é interessante observar na indignação da sociedade, quanto ao abrandamento da pena, na sucessão do tempo da condenação, é a consideração de uma certa lassidão na aplicação das penas. Uma certa condescendência legal com o criminoso. Cobram, na sua ira, na sua indignação, a dureza de Talião: olho por olho, dente por dente! Inconformadas, berram por maior rigidez.
Observadas as reações da sociedade, é interessante notar que a Legislação brasileira é das mais severas, consideradas as demais legislações do mundo ocidental e quiça, da outra banda também, com exceções, é claro.
Vejamos: a Lei brasileira garante que, com o cumprimento de 2/5 da pena, pouco mais de 12 anos no caso Nardoni e 10 para Jatoba, eles saem do regime fechado para o semiaberto; passam a cumprir pena numa colônia penal agrícola ou industrial. Depois disso, cumprem mais 1/6.

O cumprimento de mais 1/6 da pena garante o direito de passar o dia trabalhando e voltar para a penitenciária só para dormir (regime aberto). Esse fato legal tem um nome técnico: progressão da pena.

Pergunta-se, obviamente: "Qual é a lógica desse aparente absurdo? Porque tantos benefícios a assassinos condenados por crimes bárbaros? Não seria um caso de privilégios para criminosos?
Vamos para algumas considerações históricas. Essa redução da pena surgiu na Inglaterra do século XVIII, com o objetivo de estimular o bom comportamento na prisão. É uma realidade, até hoje, na maioria dos países democráticos.

Do Código Penal comentado (Delmano Junior, criminalista): "O preso precisa de um estímulo para se comportar bem. Sem a recompensa, fica insustentável administrar uma penitenciária." Outro argumento dos defensores da redução na pena é "a necessidade - num país sem prisão perpétua, como o Brasil - de reinserir os criminosos recém-libertados na sociedade."
Mesmo os reincidentes por crimes hediondos têm o direito de cumprir uma pena reduzida.
O direito a redução da pena está na Constituição, no Código Penal e na Lei de Execuções Penais.
Na Europa, o prazo vai de 30% a 40% da pena. "O Brasil, que exige 40%, está entre os mais rigorosos", diz o jurista Luiz Flávio Gomes.
Em outros países, a lei não é tão branda para os crimes graves. Na Espanha, os presos por terrorismo são obrigados a cumprir a pena até o final. Nos Estados Unidos, há penas dura como prisão perpétua e até pena de morte. E no caso de liberdade condicional, o agente da lei estabelece claros limites para que o detento usufrua do benefício.

Há um risco na redução da pena; há riscos em devolver criminosos ao convívio social, apenas porque agem e se comportam bem na cadeia, mas reincidem quando ganham a liberdade. E esses riscos não podem ser facilmente avaliados, de modo que garantam um comportamento adequado quando em liberdade.
“É preciso avaliar cada caso”, diz o coronel José Vicente da Silva Filho, ex-Secretário Nacional de Segurança Pública. “Não se pode usar como critério apenas o tempo de pena já cumprido.” (Humberto Maia Jr. Revista Época)

COMO É A PROGRESSÃO DE PENA
Do regime fechado para o semiaberto
Réu primário > crime comum >> 1/6 da pena
Réu primário > crime hediondo >> 2/5 da pena
Reincidente > crime hediondo >> 3/5 da pena

DO SEMIABERTO PARA O ABERTO
Todos os casos >1/6 do restante da pena

LIBERDADE CONDICIONAL
Réu primário > crime comum >> 1/3 da pena
Réu primário > crime hediondo >> 2/3 da pena
Reincidente > crime doloso >> 1/2
Reincidente > crime hediondo >> NÃO TEM DIREITO
(Revista Época)

M. AMERICO

quarta-feira, 7 de abril de 2010

CONVERSA INÚTIL

Outro dia eu proseava com os meus amigos Macarrão e Bochecha (que chegou ao desplante de querer que sua alcunha fosse escrita com X. Dava mais importância, status). Como já tínhamos rido de quase todo mundo, sobrava apenas a situação política do Brasil, nesse momento lulítico, raquítico e asmático.
Vai daí, que esse negócio de política é um verdadeiro estropício, rende que não acaba mais, e porque não se pode falar nada de bom desse momento em que estamos atolados nessa lama, que só caranguejo se dá bem, tentei deixar claro aos meus amigos que o 'assunto' me era penoso por demais, e que já me afastara dele fazia muito tempo.
Macarrão argumentou que a política tem dois lados: o lado sujo, da corrupção, da traição, da falta de ética no exercício da 'res publica' - onde estão aqueles que estão no Poder, e o nosso lado, que não somos o poder, simplesmente porque estamos destituídos dele, e que por isso mesmo, representamos o lado ético, responsável, incorruptível.
Antes que vocês se ofendam, vou explicar para que não haja um linchamento intelectual do Macarrão.
Macarrão é um cínico, no sentido etimológico e filosófico da palavra, isto é: 'kinismós', doutrina e modo de vida dos cínicos, partidários do filósofo Antístenes de Atenas (444-365 a.C.), e de Diógenes de Sinope (413-323 a.C.), fundadores da Escola Cínica que se caracteriza, principalmente, pela oposição radical e ativa aos valores culturais vigentes; oposição nascida do discernimento de que é impossível conciliar as Leis e convenções morais e culturais com as exigências de uma vida segundo a natureza. Macarrão considera uma certeza o ponto de vista de J. J. Rousseau, de que o homem nasce puro e a sociedade o corrompe. Vai daí não ter certeza do que o poder poderia fazer com ele, mas garante que seria quase certo deixar o segundo lado, passando rapidamente para o primeiro.
Expliquei ao Macarrão que, quando era jovem, universitário, acreditava com uma ferocidade invejável que era possível mudar o mundo, ou pelo menos o Brasil. Era um engajado, um leitor obsessivo de jornais políticos, de revistas, de livros. Quando cheguei, em números mais ou menos exatos, aos meus 45 anos, descobri que tudo continuava 'como dantes no quartel de abrantes'. Foi uma tijolada. Sabe aquele 'insight' que derruba fé de beata? Pois foi... uma cacetada tamanha, que nunca mais eu me recuperei. Vez que outra ensaio uma invasão no território dos homens. O pior não é ler o que acontece, ou ouvir o que eles dizem. O problema maior é o cheiro. Não há pituitária que agüente! É um sufoco!
É por isso que não costumo passar perto de aterro sanitário. Pesado demais. Me dá um comichão, uma urticária que é o cão! Agora, depois que eu comi uma feijoada no Boteco do Libório, parece que a digestão retirou muito sangue do cérebro pra metabolizar caroços e toicinhos e rabo e joelho e..., e de lá pra cá, dei para sondar, primeiro as lixeiras menores, coisas municipais, estaduais, lixo menor: latinha de cerveja, garrafa plástica, pvc, lixo químico, hospitalar, sacola de plástico adoidado... Mas sinto que já estou chegando nas federais.
A essa altura, Bochecha meio que dormitava. Com Bochecha é assim, se não for futebol, mulher e a arte de ganhar dinheiro fácil, não necessáriamente nessa ordem, seu interesse cai e uma névoa tolda a sua cara e ele meio que desencarna. Lógico, depois de descer alguns lúpulos e diversas pingas.
Macarrão aproveitou minha confissão e partiu pra cima.
Mas então o momento é esse, homem, conte as novidades! Mas não quero saber de coisas de municípios... quero coisa grande! Mas antes me diga uma coisa: que tal essa tal de Democracia?
"Muito bem, Macarrão. Vou mandar a última. Mas aproveita, porque não é sempre que adentro por essas bandas podres."
E mandei.
Vou parodiar o velho e sempre atual Bernard Shaw que, quando perguntado "o que achava da civilização americana", ele respondeu: "Seria interessante." É mais ou menos isso, Macarrão: O que acho da Democracia? Sabe que seria interessante? Olha só o que li outro dia:
"Quase metade das eleições é roubada." E isso é um estudo sério, pois analisa cerca de 786 pleitos em 155 países, nos últimos trinta anos. Vamos aos números: 41% das eleições, em média, apresentam algum tipo de fraude ou irregularidade. Quando há possibilidade de reeleição, as fraudes sobem para 45%. Agora veja esses outros números, indicativos da bandalheira democrática:
América do Norte: 0,004% ( e ainda dá aquela gritaria toda!)
Amperica Latina: 36% (Ave Maria!!! Meu Jesus Cristinho!!!)
Rússia: 11%
Índia e vizinhos: 46,8%
Norte da África: 60,4%
Sul da África: 69,6
Centro-sul da África: 80,3%
No caso da Índia e da África, fico me perguntando: pra que eleição?
E ainda podemos acrescentar, segundo a pesquisa: políticos honestos ficam em média 6,4 anos no poder. Os desonestos, em média 15,8 anos.
Macarrão limpava as unhas com um 'trim'. Olhou nos meus olhos e disse, enfático: você é um caso perdido!

M. AMERICO

terça-feira, 6 de abril de 2010

PERCEPÇÃO DO MUNDO

A percepção é um proceso complexo com múltiplas facetas, iniciada quando nossos neurônios sensoriais captam informação do meio ambiente e a enviam ao cérebro na forma de impulsos elétricos. Como todas as criaturas viva, temos uma percepção sensorial limitada. Não vemos a radiação infravermelha ou percebemos os campos eletromagnéticos como os pássaros (que usam essa informação para se orientar). Contudo, a quantidade de informação que entra por meio dos cinco sentidos é impressionante - cerca de  400 bilhões de bits por segundo!
Obviamente não recebemos nem processamos conscientemente essa quantidade - pesquisadores afirmam que passam por nossa consciência apenas 2 mil bits por segundo! Portanto, nas palavras do doutor Andrew Newberg, quando o cérebro trabalha para "tentar criar para nós uma história do mundo, ele precisa de muitos dados supérfluos."
Por exemplo, enquanto lê essas palavras, embora seus sentidos captem a temperatura do ambiente, a sensação do corpo na cadeira, a textura da roupa sobre a pele, o zumbido do refrigerados e o cheiro do xampu, você está quase toralmente desligado de tudo. O doutor Newberg prossegue:
"O cérebro precisa filtrar uma tremenda quantidade de informação irrelevante para nós. Ele faz isso inibindo coisas, evitando que algumas respostas e informações neurais acabem por chegar ao nível consciente, e assim ignoramos a cadeira em que estamos sentados. Ou seja, filtrando o que é conhecido. E então, existe a filtragem do que é desconhecido...
Ao vermos alguma coisa que o cérebro não consegue identificar buscamos algo similar ("Não é um esquilo... mas é muito parecido.") Se não houver nada semelhante, ou se for algo que saibamos não ser real, descartamos a informação com: "Eu devo estar imaginando coisas."

Assim, nós não percebemos a realidade de fato; vemos a imagem dela que nosso cérebro construiu, usando o impulso sensorial e associações obtidas em suas vastas redes neurais. "Dependendo de suas experiências", diz o doutor Newberg, "e de como você as processa, isso realmente cria seu mundo visual [...] O cérebro é, afinal, quem percebe a realidade e cria nossa versão do mundo."

Como sugere a pesquisa da doutora Pert, dos Institutos Nacionais de Saúde, o que determina como e se vamos perceber algo é tanto o que acreditamos ser real quanto o que sentimos em relação ao que os nossos sentidos capturam. Ela diz: "Nossas emoções decidem o que é digno de atenção (...) Os receptores são os mediadores na decisão sobre o que vai se tornar um pensamento ao chegar à consciência e o que vai permanecer como um padrão de pensamento não digerido, enterrado num nível mais profundo do corpo."
Como diz Joe Dispenza; "As emoções foram projetadas para fixar quimicamente algo em nossa memória de longo prazo." (Quem somos nós?)

UMA EXPERIÊNCIA INTERESSANTE SOBRE A REALIDADE
Pesquisadores colocaram gatinhos recém-nascidos em um ambiente experimental onde não havia linhas verticais; semanas depois, quando colocados no ambiente "normal", os gatinhos não eram capazes de ver nenhum objeto com uma dimensão vertical (como as pernas de uma cadeira), e esbarravam nesses objetos.

M. AMERICO

segunda-feira, 5 de abril de 2010

AH! AS NOSSAS EMOÇÕES...

Ah! As emoções! Hoje elas são o 'prato do dia' dos psicólogos de RH. Pragmáticos, para atender as exigências das relações funcionais, das relações empresariais, direcionam suas análises para a 'utilidade' das emoções. "De que modo podemos melhor usar as nossas emoções?" - perguntam-se os psicólogos de plantão. E eles mesmos respondem: "dominem suas emoções! Façam-nas trabalhar a seu favor!"
"Façam-nas gerar estados produtivos e úteis de relações funcionais!" - digo eu.
Gosto de ver como as coisas ficam simples nas mãos dos 'especialistas'. É tão fácil dominar as emoções!!! Parece que estão nos pedindo para bebermos um copo da outra: viu? Como desce redondo?
Ah! as emoções... Hoje elas ganharam importância, na medida em que a relacionam com a inteligência. A tal inteligência emocional.
Como disse, gosto de ver como as coisas ficam simples, quando olhadas de um ponto de vista reducionista. Afinal, a complexidade das emoções não pode ser tratada assim, já que nos acompanham desde o nascimento. Nascemos com elas e iniciamos nossa aprendizagem com elas, muito antes de sabermos usar a terceira inteligência. Começamos com ela e será ela o signo mais importante das inteligências motora e cognitiva. Nunca mais nos abandonará e será a nossa "marca registrada". A nossa imagem diante dos outros. A nossa cara, a que estará sempre exposta para quem souber ler.
Nascemos com as emoções e delas dependerá o nosso futuro. Começamos débeis, frágeis, porque nascemos inocentes. A vida diante dos nossos olhos, que mal vislumbram contornos, ainda é uma paisagem de sombras. Sentimos apenas. Emoções apenas nos empurram, nos ensinam a respirar, a buscar o calor do corpo materno, na abundância do seio que nutre os primeiros sinais da vida. E ainda será ela, a fonte primodial que nos permitirá viver, porque será pelo amor que atravessaremos a ponte entre as duas escuridões silenciosas, os dois infinitos: antes da vida e depois da vida.
Será pelo alento recebido que construiremos a nossa vida afetiva, que definiremos um modo de ser, que faremos as nossas escolhas. E será a emoção, essa energia, essa força que transcende a razão, a fonte básica dos nossos maiores prazeres.
A razão acontece em nossa vida, quando as emoções já nos ensinaram a andar, a olhar, a denominar as coisas do nosso mundo circundante, a descobrir a realidade do nosso corpo. A razão acontece tardiamente, quando já conhecemos o caminho do coração. E repetindo Pascal, o velho Pascal: "o coração tem razões que a própria razão desconhece."
Depois, quando a vida ja se organizou, quando já conseguimos automatizar padrões e organizá-los em modelos repetentes, salvam-se apenas aqueles que são capazes de despertar a fonte das emoções, de alimentar as paixões que possam conduzir aos caminhos insólitos do descobrimento de veredas não trilhadas.
A Arte, o caminho das nossas percepções mais sutis, manifestação profética do espírito, nossa maneira de admirar o mundo, é parte fundamental e a mais rica da nossa humanidade. Através dela descobrimos a realidade adjacente, invisível a razão. A razão organiza a realidade em modelos projetados a partir das nossas percepções.
As emoções podem levar-nos a descobrir um sentido maior para a vida. Mas também será pelas emoções que descobriremos a angústia, o 'nonsense', a perda da grandeza humana, a perda da nossa humanidade.
A razão escamoteia a paixão, mas não consegue escapar ao seu sortilégio fascinante. Engendra mil artifícios, mas não nos convence e não nos demove da paixão.
Navegantes dos mares insólitos da vida, marinheiros despreparados para atravessar a procela das emoções!
Modificamo-nos pela paixão, porque é dela que recebemos o fogo da criação. Porque a paixão é o amor incontido, o amor sem limites, o amor que devasta o bom-senso, que anula o cartesianismo.
Falo do amor que recria a realidade, que modifica o homem, que o incendeia. O amor em seu sentido maior, aquele que confere grandeza e dignidade ao ser humano.
Pela paixão pode o homem avançar por caminhos desconhecidos, sem se preocupar com a volta, porque na paixão não há retorno possível.
A nossa história será sempre a história comovente dos grandes apaixonados e dos seus seguidores, porque nada se renova senão pela paixão.
A paixão requer o amor em grau amplíssimo. Trata-se de uma dimensão ainda desconhecida por muitos. Trata-se da perpetuação do sonho de liberdade, do sonho de ampliar os limites da realidade, cujos ciclos tendem sempre a fechar o homem em espaços reduzidos, não permitindo que se renove o sentido maior da vida. Modernamente, o amor se fez em Tereza de Calcutá...
A doença é a resistência à mudança, é a 'mineralização' dos sentimentos proféticos, impedindo que possam expandir-se e romper os limites impostos pelo bom-senso.
Podemos adoecer de muitos modos. Na dimensão macro, impedindo que a transformação aconteça, bloqueando o devir histórico. Na micro, reprimindo nossos impulsos de afetividade, nossas emoções; retraindo nossos desejos de mudança, nossos sonhos, nossa grandeza, amordaçando o corpo. Somos grandiosos quando nos permitimos ser. Somos pequenos, quando aceitamos nossas limitações.
Lidar com as emoções não é tarefa fácil. Sempre usamos a razão para procurar as respostas.
Ocorre-me aquela cena teatral de B. Brecht: a personagem procurava alguma coisa que havia perdido, sob um poste, no clarão de sua luz. Passa alguém e fica a ajudá-lo. Depois de algum tempo, resolve perguntar o que perdera e se fora naquele lugar. A personagem responde que perdera uma chave, mas não ali. A luz do poste, no entanto, facilitava procurá-la. E assim estava tentando encontrá-la onde lhe parecera mais fácil. Um artifício da mente!
Não permitimos que nossos sentidos extraordinários encontrem respostas. Caminhamos sempre em direção à mente. Nela procuramos nossos placebos, embora já saibamos que ela continuará a nos enganar. A mente é traiçoeira, dominadora, velha como o planeta, antiga como o nosso corpo; sobretudo impostora. Sufoca mais do que nos permite respirar.
Pretender encontrar com a mente as respostas de que precisamos para a vida, é uma ilusão! A mente pertence ao mundo, a geometria, ao tempo. Nada tem a ver com a vida!
Deixar fluir a vida, permitir que o corpo repouse, sem tensões, relaxado, é a primeira chave. Aquietar a mente, permitir que as energias vitais fluam livremente, essa a maneira de nos aproximarmos dos estados diferenciados de percepção. E a meditação também é um caminho para a libertação. Um caminho para equilibrar o fluxo energético do corpo, deixá-lo livre dos nós cegos.
São os truncamentos, os embaraços, que quebram a unidade psicossomática. São as emoções desequilibradas, e por isso perigosas, que nos adoecem.
Quando falamos em emoção estamos entrando num universo complexo, no reino das pulsões, das tensões.
Emoção é tensão, é conflito, é energia transbordante. A vida é tensão, é conflito, é superação de estados contraditórios. Essa a razão porque lidar com emoções é sempre perigoso. Pretender usá-las como 'utensílios', é desconhecer a sua natureza.
Como dizia Guimarães Rosa, "viver é perigoso." Não se pode sofisticar a vida.

M. AMERICO

domingo, 4 de abril de 2010

RÓTULOS

Li Gertrude Stein faz muito tempo. Quando ela escreveu o seu poema: "Uma rosa é uma rosa é uma rosa", causou um 'frisson' no mundo literário. Mais ou menos o que aconteceu com a 'pedra' do Drummond ("No meio do caminho havia uma pedra, havia uma pedra no meio etc...etc...etc...).
Gertrude não define, não diz nada, nada é acrescentado... Nada na verdade foi dito! Gertrude apenas desvela...
Mas, sai das sombras alguém e pergunta: "Por que você escreveu isto? Sabemos todos que uma rosa é uma rosa é uma rosa! Não há sentido no que você escreveu! Não acrescenta coisa alguma ao nosso conhecimento, e menos ainda a rosa!"
Stein respondeu: "Os poetas falaram de rosas por milênios. Todos leram e cantaram as rosas em muitos cantochões, e a palavra rosa deixou de ser uma rosa, perdeu a sua 'rosicidade', o que tira da palavra "rosa" o seu sentido conspícuo, o que faz da palavra "rosa" coisa nenhuma! Por isso eu tenho que repetir que "uma rosa é uma rosa é uma rosa", para que você acorde do seu profundo sono, e reconheça uma rosa.
(Esclareço que esse diálogo é imaginário. G. Stein foi apenas esculachada pelos críticos de plantão, mas jamais lhe perguntaram alguma coisa, porque crítico é para criticar e G.Stein é para escrever sobre a originalidade e o mistério das palavras.).
Há uma obsessão por rotular a realidade. Não coloque rótulos! Porque se assim o fizer, a beleza escorrerá pelos seus dedos e o rótulo não permitirá que você veja a realidade das coisas. O rótulo envelhece as coisas, roubam o seu sentido original. Não rotule, pois a realidade não aceita rótulos. A realidade é um fluxo, um rio. Como disse Heráclito, você não se banha duas vezes nas mesmas águas de um rio.
As palavras denotam a realidade, como um dedo acusador! Mas a realidade é sagaz e muda a cada instante.
As palavras desgastam as coisas, mas as coisas continuam intocadas, guardando a sua essência e o seu mistério, superando a banalização.

M. AMERICO

sábado, 3 de abril de 2010

TRÊS POETAS

O que me encanta em Adélia Prado (e o seu nome já parece um canto), é seu gesto simples de apanhar o verso, como quem colhe uma pedra no caminho. Não requer o amor à vida, mais do que gestos simples, mais do que olhar o cotidiano e deliciar-se com ele: vento no cio roçando a copa dos pequenos arbustos, pássaro pousado na cerca de bambu, procissão contrita cortando a cidade pelo meio, riacho correndo manso, cantando aquele verso de Garcia Lorca: "y el murmurio del agua es una cosa eterna..."
Essa vocação para o encantamento das coisas, creio eu que é a fonte, a nascente da poesia.
Adélia carrega esse vocação: o sagrado olhar de quem vê as coisas pela primeira vez. Porque é no primeiro olhar que descobrimos a beleza, ou não a desvelamos mais.
Falo de Adélia, de Cora Coralina, e de Ferreira Gullar com o coração disparado.
Quando batemos os sentidos na poesia de Cora Coralina, é inevitável sentir uma coisa muito funda, bem lá dentro da nossa alma. Há sempre a sensação de que algo fundamental tocou na nossa mais sentida emoção.
Há santidade, há sabedoria, há cheiro dos mistérios da terra, dos viventes... Dos vegetais no campo. Na poesia de Cora vive um pouco de cada um de nós, algo telúrico. É muito bom beber a poesia de Cora.
Já Ferreira Gullar é uma parabólica, negando, a intervalos escuros, o consumo do modismo, da discreção elegante, da hipocrisia. Sua palavra afronta o comodismo, o olhar barato das vitrines, das luzes coruscantes.
Mas o olhar está sempre aprisionando o cotidiano dos homens e das coisas, o cotidiano de todos os viventes. Há sentimentos transbordantes, incontidos, penosos porque não seguram o fluir da vida, não aprisionam o instante vivido como se fosse uma eternidade.
Não há muito o que falar quando se trata de poesia. Mas basta ouvir o seu canto...

BAIRRO
(Adélia Prado)
O rapaz acabou de almoçar
e palita os dentes na coberta.
O passarinho recisca e joga no cabelo do moço
excremento e casca de alpiste.
Eu acho feio palitar os dentes,
o rapaz só tem escola primária
e fala errado que arranha.
Mas tem um quadril de homem tão sedutor
que eu fico amando ele perdidamente.
Rapaz desses
gosta muito de comer ligeiro:
bife com arroz, rodela de tomate
e ir ao cinema
com aquela cara de invencível fraqueza
para os pecados capitais.
Me põe tão íntima, simples,
tão à flor da pele o amor
o samba-canção,
o fato de que vamos morrer
e como é bom a geladeira,
o crucifixo que mamãe lhe deu,
o cordão de ouro sobre o frágil peito
que.
Ele esgravata os dentes com o palito,
esgravata é meu coração de cadela.

O PODER DA ORAÇÃO
(Adélia Prado)
Em certa manhãs desrezo:
a vida humana é muito miserável.
Um pequeno desencaixe nos ossinhos
faz minha espinha doer.
Sinto necessidade de bradar a Deus:
"brim coringa não encolhe."
E eu entendo comprido
o comovente esforço da humanidade
que faz roupa nova para ir na festa,
o prato esmaltado onde ela ama comer,
um prato fundo verde imenso mar cheio de estórias.
A vida humana é muito aventurosa.
"Brim coringa não encolhe?"
Meu coração também não.
Quando em certas manhãs desrezo,
é por esquecimento,
só por desatenção.

MINHA CIDADE
(Cora Coralina)
Goiás, minha cidade...
Eu sou aquela amorosa
de tuas ruas estreitas,
curtas,
indecisas,
entrando,
saindo
uma das outras.
Eu sou aquela menina feia da ponte da Lapa.
Eu sou Aninha.

Eu sou aquela mulher
que ficou velha,
esquecida,
nos teus larguinhos e nos teus becos tristes,
contando estórias,
fazendo adivinhação.
Cantando o teu passado.
Cantando o teu futuro.

Eu vivo nas tuas igrejas
e sobrados
e telhados
e paredes.

Eu sou aquele teu velho muro
verde de avencas
onde se debruça
um antigo jasmineiro,
cheiroso
na ruina pobre e suja.

Eu sou estas casas
encostadas
cochichando umas com as outras.
Eu sou a ramada
dessas árvores,
sem nome e sem valia,
sem flores e sem frutos,
de que gostam
a gente cansada e os pássaros vadios.

Eu sou o caule
dessas trepadeiras sem classe,
nascidas na frincha das pedras:
Bravias.
Renitentes.
Indomáveis.
Cortadas.
Maltratadas.
Pisadas.
E renascendo.

Eu sou a dureza desses morros,
revestidos,
enflorados,
lascados a machado,
lanhados, lacerados.
Queimados pelo fogo.
Pastados.
Calcinados
e renascidos.
Minha vida,
meus sentidos,
minha estética,
todas as vibrações
de minha sensibilidade de mulher, têm, aqui, suas raízes.

Eu sou a menina feia
da ponte da Lapa.
Eu sou Aninha.

De FERREIRA GULLAR, apenas alguns poucos versos do seu POEMA SUJO.

[...]
Que importa o nome a esta hora do anoitecer em São Luís do
Maranhão à mesa do jantar sob uma luz de febre entre irmãos
e pais dentro de um enigma?
                                          Mas que importa um nome
debaixo deste teto de telhas encardidas vigas à mostra entre
cadeiras e mesa entre uma critaleira e um armário diante de
garfos e facas e pratos de louça que se quebraram já
                       um prato de louça ordinária não dura tanto
                       e as facas se perdem e os garfos
                       se perdem pela vida caem
                       pelas falhas do assoalho e vão conviver com ratos
e baratas ou enferrujam no quintal esquecidos entre os pés de
                                                      [erva-cidreira
e as grossas orelhas de hortelã
                       quanta coisa se perde
                       nesta vida
                       Como se perdeu o que eles falavam ali
                       mastigando
                       misturando feijão com farinha e nacos de carne assada
e diziam coisas tão reais como a toalha bordada
ou a tosse da tia no quarto
e o clarão do sol morrendo na platibanda em frente à nossa
janela
        tão reais que
        se apagaram para sempre
                                             Ou não?
[...]

M. AMERICO

sexta-feira, 2 de abril de 2010

É POR ESSAS E OUTRAS QUE É MELHOR PREVENIR

O meu amigo Macarrão, um filósofo de bodega, discorda veementemente quando se critica esse negócio de prisão especial para autoridades, cela especial para celebridades e para nível superior e outros melífluos artifícios jurídicos ditos legais. Mas não é de graça que o homem se opõe. Ele tem lá a sua teoria sociológica, e diria até mesmo antropológica.
O que digo, pela boca do meu amigo Macarrão, por quem tenho grande estima, resultou de um papo batido num pé-sujo que, ainda segundo o Macarrão é a grande casa democrática, onde o debate é livre e a platéia sequer sabe em que língua se está falando. Meio paradoxal, mas o Macarrão é assim mesmo... Ele acha que Democracia só vai bem para os políticos, porque os eleitores não sabem o que é cidadania.
Voltando ao que interessa, a tese do Macarrão é até interessante... Vejam bem!
Ele acredita que, quando o regime militar, jogou os presos políticos em celas comuns, misturados com outros criminosos, complicou a História do Brasil. Como jogar azeite num copo d'água. Não houve mistura. Os presos políticos, intelectuais de esquerda, ativistas sindicais, homens participantes de um processo político vinculado a organizações (na época chamadas terroristas...), acabaram por contaminar, com o gênio da palavra e, conseqüentemente, da ideologia, a turma descontente com distribuição desigual da renda, o que os fazia amigos do alheio, que distribuiam a renda entre eles.
A tese explicita que desse contato, surgiu o crime organizado. Naquele momento, entenda-se bem, não havia o interesse individual e o 'crime' se destinava a expropriar os capitalistas, banqueiros e seus cofres. Isto é, o assalto a Bancos destinava-se a criar recursos para a manutenção do ativismo de esquerda, chamada na época de guerrilha urbana. Não esquecendo o sequestro, que foi um grande instrumento de chantagem política para libertação de presos também políticos (aliás muito bem aproveitado nos dias de hoje. Como sempre, a imaginação trata logo de desdobrar o negócio em novos negócios e o crime criou o chamado 'sequestro relâmpago'. O cara precisa de uma grana rápida pra comprar uma arma ou nova partida de drogas e... pimpa! Sequestro relâmpago, com direito até a trovoada.)
Vai daí, e nesse momento Macarrão se torna enfático, que a moçada expropriada da participação da renda, resolveu se organizar, porém para fins diferentes: botar no próprio bolso a bufunfa dos banqueiros... Nascia o crime organizado, o PCC e o seu rival o CV, facções mafiosas, que com o tempo, criaram os seus próprios intelectuais, que prescreveram uma bula diferente, baseada no príncipio: "senão dá, a gente toma."
Essa a tese do Macarrão, que endossa a sua veemente contrariedade quando se critíca a cela privada para celebridades ou doutores.
Depois, com as portas giratórias e outros efeitos pirotécnicos, a moçada do lado de lá, descobriu que o narcotráfico era o grande negócio! Vai daí... Bem sobre isso não é necessário discursar que todo mundo já sabe o que aconteceu.
Explica Macarrão, explica. E Macarrão, com muita tranqüilidade e um bafo já acentuado de cerva, diz:
- "Põ, cara, tá na face! Imagina se a Justa joga na cela comum esses políticos de merda? Já pensou nisso? Vão nascer novas organizações criminosas... Exemplo: PCM (traduzindo: PRIMEIRO COMANDO DO MENSALÃO), ou sei lá, são tantas possibilidades... Como diria Aristóteles são tantas corrupções e corruptores...
Paguei a mesa, quero dizer as cervas e as lingüiças fritas e fui para casa, pensando: Não é que o puto do Macarrão até que tem bestunto?

M. AMERICO

quinta-feira, 1 de abril de 2010

DUALIDADE E DUALISMO.

Não posso deixar de registrar a beleza do texto de Leonardo Boff. Nesses tempos de desperdício da vida, quando as vitrines são mais importantes e atraentes do que a experiência da reflexão; quando a multidão é mais importante do que os necessários momentos de meditação, eu jogo esse texto do livro "A águia e a galinha - Uma metáfora da condição humana", para que possamos parar no sinal vermelho da nossa exaustão, pela cumplicidade com a banalidade, e buscar compreender a teia e as conexões desse cosmos fantástico.

"A natureza e o universo não constituem simplesmente o conjunto dos objetos existentes, como pensava a ciência moderna. Constituem, sim, uma teia de relações, em constante interação, como os vê a ciência contemporânea. Os seres que interagem deixam de ser apenas objetos. Eles se fazem sujeitos, sempre relacionados e interconectados, formando um complexo sistema de inter-retro-relações. O universo é, pois o conjunto das relações dos sujeitos.
As dualidades antes referidas são dimensões da mesma e única realidade complexa. Formam uma dualidade, mas não um dualismo. Errôneo seria confundir dualidade com dualismo.
O dualismo vê os pares como realidades justapostas, sem relação entre si. Separa aquilo que no concreto, vem sempre junto. Assim, pensa o esquerdo ou o direito, o interior ou o exterior, o masculino ou o feminino.
A dualidade, ao contrário, coloca E onde o dualismo coloca OU. Enxerga pares como os dois lados do mesmo corpo, como dimensões de uma mesma complexidade. Complexo é tudo aquilo que vem constituído pela articulação de muitas partes e pelo inter-retro-relacionamento de todos os seus elementos, dando origem a um sistema dinâmico sempre aberto a novas sínteses."

M. AMERICO

quarta-feira, 31 de março de 2010

TEMPO DE RENOVAÇÃO

O corpo é a nossa casa. Nele habitamos e é nele somente, que podemos construir o maior dos bens: a saúde. Não adianta falar de 'felicidade' ou qualquer outra forma de realização pessoal, se não possuirmos a condição fundamental da vida que é a saúde.
Não atinamos com a sua importância, porque quando a possuímos, ela é de alguma forma, invisível. Como dizia o mago Jefa (Dr. Jorge Adoum), "A ordem é invisível."
De fato, quando entramos em algum lugar, não nos damos conta de imediato, de certo prazer que nos invade e nos proporciona uma sensação de organização, de beleza, a sensação de que o conforto, o bem-estar, é inerente ao espaço.
Quando chegamos a algum lugar em que a desordem predomina, de imediato percebemos o desarranjo dos objetos, um descompasso, uma geometria caótica, e nos damos conta da desagradável sensação de que alguma coisa se perdeu. O desconforto, o impulso de nos afastarmos, a repulsa e o desejo de distanciamento apoderam-se de nós. Logo identificamnos a causa.
A ordem ou a desordem é apenas o reflexo interior do homem, e o modo inerente de percebermos o mundo. Organizamos o exterior segundo a nossa ordem interna. E nem sempre a nossa ordem interior reflete o sentido de harmonia. Ela é um padrão mental e emocional, e como tal, varia de individuo para individuo.
Assim também a nossa casa, o corpo. Ele refletirá a nossa condição interna. Inútil pensar que poderia ser diferente. Somos o que comemos, somos o que sentimos, somos o que pensamos.
A saúde é uma condição inerente ao nosso modo de vida. Podemos possuí-la, podemos melhorá-la, podemos perdê-la.  O modo como percebemos a importância e a delicadeza  do sistema que nos proporciona a vida, é a chave de como vivemos.
Refazer os caminhos, corrigir os erros, disciplinar hábitos, inovar padrões mais sadios de comportamento, esse é o caminho da renovação.
Quando despertamos para a renovação é sinal de que algo maior já está acontecendo. Maturidade, sofrimento, consciência... o que quer que seja! O importante é que acordamos para as nossas limitações, e que precisamos corrigir o rumo para encontrarmos a paz.
Creio que a condição fundamental para a "felicidade" é a saúde. Muitos correm atrás dos bens materiais, como prêmio único da vida. Acreditam que lá está o essencial para a realização da sua existência.
Não percebem que "o essencial é ínvisível para os olhos."
Quebrar velhos padrões que integram a natureza humana, ou a sociedade dos homens, não é fácil, como possa parecer a muitos. Há que se ter coragem para crer e realizar...
A propósito da renovação, vou contar uma parábola.
A águia é a ave que possui a maior longevidade da espécie. Chega a viver 70 anos. Mas para chegar a essa idade, aos 40 anos ela tem que tomar uma séria e difícil decisão.
Nessa fase da vida, ela está com as unhas compridas e flexíveis e não consegue mais agarrar as presas de que se alimenta. O bico, alongado e pontiagudo, se curva. Apontando contra o peito estão as asas, envelhecidas e pesadas, em função da grossura das penas. E voar já é tão difícil !
A águia só tem duas alternativas: morrer ou enfrentar um doloroso processo de renovação, que irá durar 150 dias.
Esse processo consiste em voar para o alto de uma montanha e se recolher em um ninho próximo a um paredão, onde ela não precise voar. Após encontrar esse lugar, a águia começa a bater com o bico em uma parede até conseguir arrancá-lo. Depois de arrancá-lo, espera nascer um novo bico com o qual vai em seguida arrancar suas unhas.
Quando as novas unhas começam a nascer, ela passa a arrancar as velhas penas. E só após cinco meses, sai para o grandioso vôo de renovação e para viver mais 30 anos.
Também em nossas vidas, devemos em determinados momentos, recolher-nos ao silêncio e a meditação, para iniciarmos o nosso processo de renovação. Arrancando velhas lembranças que nos adoecem, velhos padrões, velhas tradições que nos amarram ao sofrimento inútil, velhas emoções que somente nos causam doença e dor.
Somente livres do peso que nos impedia de voar, cumpriremos o ritual da nossa renovação.

M.AMERICO

terça-feira, 30 de março de 2010

AS FRONTEIRAS DOS NOSSOS SONHOS...

Se acreditarmos nos limites que os 'padrões' procuram inculcar em nossas mentes, acabaremos restritos e confinados ao espaço medíocre da descrença em nossos misteriosos poderes.
Costumo afirmar que somos maiores do que orginariamente imaginamos.
Ao limitarmos a nossa visão de mundo ao acanhado horizonte de uma fronteira produzida inconscientemente, e muitas vezes conscientemente, porque nos cega a fantasia de uma realidade que supomos máxima e além da qual parece impossível divisar qualquer possibilidade de vida mais rica, mais inteligente, permitimos que o melhor de nós se afogue na banalidade fabricada e instituída pelo cotidiano, pela seqüência mundana "que-vai-movendo-a-vida-pra-lugar-nenhum'.
Não devemos aceitar que a grande onda que avassala valores, referências, arraste no seu bojo o que realmente somos.

O grande estardalhaço que procura abafar as nossas vozes, que procura calar as melhores vozes, passará e não deixará senão cinzas. Não somos do tamanho que nos querem fazer crer. Não somos tolos para acreditar nas 'verdades' que tentam nos empurrar goela abaixo. E a realidade nos mostra a cada momento, que não podemos crer que seja bom e belo o que assistimos à nossa volta.
Não podemos aceitar que a miséria de tantos seja um fato 'natural'. Não podemos admitir que somos melhores que os demais e por isso merecemos o que temos... Não podemos continuar acreditando que o planetinha Terra seja "o melhor dos mundos possíveis", como pensava o Doutor Pangloss, de Voltaire, para que o nariz existia para o apoio do óculos.
É tempo de acordar! Ou então, o que nos restará será o sono dos injustos...
"Carpa aprende a crescer" é uma parábola belíssima! Diria que é a parábola da libertação, a parábola da 'rebelião' contra a mediocridade, contra o acanhamento espiritual, contra a miserável condição humana que por séculos vimos nos impondo. Então, vai aqui a parábola:

A CARPA APRENDE A CRESCER
A carpa janonesa (koi) tem a capacidade natural de crescer de acordo com o tamanho do seu ambiente. Assim, num pequeno tanque, ela geralmente não passa de cinco ou sete centímetros, mas pode atingir três vezes mais este tamanho, se colocada num lago.
Da mesma maneira, as pessoas têm a tendência de crescer de acordo com o ambiente que as cerca. Só que neste caso, não estamos falando de características físicas, mas de desenvolvimento emocional, espiritual e intelectual.
Enquanto a carpa é obrigada, para seu próprio bem, a aceitar os limites do seu mundo, nós estamos livres para estabelecer as fronteiras de nossos sonhos. Se somos um peixe maior do que o tanque em que fomos criados, ao invés de nos adaptarmos a ele, deveríamos buscar o oceano, mesmo que a adaptação inicial seja desconfortável e dolorosa.

M. AMERICO