sexta-feira, 20 de junho de 2014

CADA UM TEM SEU TEMPO: DEPOIS, ENTRA NO SILÊNCIO DO MISTÉRIO



 
Há um livro curioso do Primeiro Testamento, o Eclesiastes (em hebraico, Coélet), que não menciona a eleição do povo de Deus, nem a aliança divina, nem sequer a relação pessoal com Deus.
Representa a fé judaica inculturada na visão grega da vida. Há uma passagem assaz conhecida que fala do tempo:

“Há tempo de nascer e tempo de morrer, tempo de plantar e tempo de colher, tempo de rir e tempo de chorar, tempo de amar e tempo de odiar, tempo de guerra e tempo de paz”; e por aí vai (c. 3,2-8).
 
Há muitas formas de tempo. Precisamos nos libertar de um tipo de tempo dominante, aquele dos relógios. Hoje ninguém anda sem algum tipo de relógio mecânico, que mede o tempo a partir das rotações da Terra ao redor do Sol. Mas essa visão mecânica do tempo do relógio estreitou nossa percepção dos muitos tempos que existem. Foram os cosmólogos modernos que nos despertaram para os vários tempos. Tudo, no processo da evolução, possui o seu timing.

Assim, por exemplo, imediatamente após a primeira singularidade, o Big Bang, ocorreu a primeira expressão do tempo. Se a força gravitacional, aquela que faz expandir e ao mesmo tempo segurar as energias e as partículas originárias, fosse por milionésimos de segundo mais forte do que se apresentou, retrairia tudo para si e causaria explosões sobre explosões, tornando o universo impossível.

EXPANSÃO E CONTENÇÃO

Mas ocorreu aquele tempo necessário para o equilíbrio entre a expansão e a contenção que acabou abrindo um tempo para surgir tudo o que veio posteriormente. Se esse tempo exato fosse desperdiçado, nada mais teria acontecido. Num exatíssimo momento de alta complexidade da evolução do universo, irrompeu a vida. Tudo apontava para a irrupção da vida lá na frente.

Há, pois, tempos e tempos, e não apenas o tempo escravizante e mecânico do relógio. A Igreja guardou o sentido da diversidade dos tempos. Para cada tempo do ano, seja Natal, Quaresma ou Páscoa, há a sua cor específica.

Geralmente, vivemos os tempos das quatro estações, com as transformações que ocorrem na natureza. Na nossa infância interiorana, os tempos eram bem-definidos: janeiro a abril – tempo das uvas, dos figos, das melancias; maio – o plantio do trigo; e outubro e novembro – tempo de sua colheita.

DOIS TEMPOS…

Nós, crianças, esperávamos com ansiedade dois tempos sociais nos quais a vila toda se reunia para uma grande confraternização: a festa da polenta e a dos passarinhos. Como as matas eram virgens, abundava todo tipo de pássaros, que eram caçados especialmente para a festa. A outra era a buchada, comida com pão e vinho, em longas mesas, seguida de cucas e geleias.

Esses tempos e outros conferiam distintos sentidos para a vida. Havia a espera do tempo, sua vivência e sua recordação.

O universo inteiro tem o seu tempo, que se concretiza em dois movimentos que se dão também em nós: nossos pulmões e nossos corações se expandem e se contraem. O mesmo faz o universo mediante a gravidade: ao mesmo tempo em que se dilata, ele é segurado. Quando perde esse equilíbrio, é sinal de que prepara um salto para a frente e para cima, rumo a uma nova ordem que também se expande e se contrai.

Cada um de nós tem seu tempo biológico, determinado não pelo relógio mecânico, mas pelo equilíbrio de nossas energias. Quando chegamos ao seu clímax, se fecha o nosso ciclo e entramos no silêncio do mistério. Dizem que é aí que habita Deus, nos esperando com os braços abertos, como um pai e uma mãe cheios de saudades.

20 de junho de 2014
Leonardo Boff

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