sexta-feira, 20 de junho de 2014

RESPOSTA A CONTRISTADA CARTA DE UM AMIGO SOBRE A VELHICE

Como vai o meu velho amigo velho!
Meia idade já não é mais o nosso caso, pois estamos na finalidade...
Esta sim, nos coloca de cara no retrovisor e nos enche de longevidade...
Tenho cá comigo minhas idéias sobre esta tal de senectude.  Como costumo dizer, começamos a envelhecer quando passamos a saborear lembranças, a escarafunchar pequenos fatos da nossa juventude, quando iniciamos a viagem dos rostos que nos foram caros, quero dizer, quando nos pegamos olhando as faces que estiveram ao nosso lado, breve ou longamente.
E também penso, apesar das mazelas que silenciosamente atacam o nosso corpo, que velhice é sobretudo um estado de espírito.
Há jovens velhos, que causam dó. Desesperançados, cansados, curvados já ao pouco peso da existência que começam a carregar.
E há velhos jovens, enérgicos, plenos de vitalidade, que saboreiam o que a vida ainda pode lhes ofertar. Os pequenos prazeres que se ocultam aos que ainda estão chegando, porque de tão simples, não despertam o interesse, embora carreguem a graça e a leveza da, digamos, "felicidade'. Exemplos? Estar a sós consigo mesmo, sem entediar-se, porque ainda há muitas coisas a serem desveladas. Uma garrafa de vinho, bebida solitariamente, degustando sem pressa o que um dia foi uva nas parreiras: o aroma delicado, o paladar, e sobretudo os olhos, perdidos no passado, visitando pequenas alegrias que nos fizeram sorrir. O caminhar solitário, sentindo o calor do sol, a brisa, ou o entardecer. Um amigo que abra o coração para partilhar nossos desejos, rir de pequenas anedotas, falar de livros... Um jogo de xadrez, em que mergulhamos na invisível batalha da inteligência da estratégia, que nos faz soberanos de nosso pequeno exército de tabuleiro... Uma bela refeição regada a conversas inteligentes...
Enfim, não gosto da palavra VELHICE. Ela nega a nossa capacidade de viver e enfrentar os dissabores; ela escamoteia a nossa vitalidade, tentando roubar-nos a vida e os prazeres. Velhice é a contraface da VIDA. Ela furta a nossa competência para suportar as dores, e compreender que a nossa morada, ainda que já esteja com avarias, ainda serve de morada ao espírito.
Um grande abraço do amigo de muitos anos.


m.americo



http://umaraposanaestrada.blogspot.com/2014/06/resposta-contristada-carta-de-um-amigo.html


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