Tudo mudou esta semana, na campanha presidencial. Tínhamos quatro pretendentes ao Planalto, agora são dois. O quadro pode até se alterar de novo, mais tarde, mas Dilma Rousseff afastou Lula e Aécio Neves passou bem à frente de Eduardo Campos. A disputa se polarizou. O PT geralmente conta com o que eu chamo o "terço gordo" do eleitorado, isto é, fica alguns pontos acima dos 33%, mas segundo a pesquisa mais recente Dilma estaria batendo no limite inferior desse piso, com 35%. Já o antipetismo, que normalmente conta com um "terço magro" garantido, estaria superando o terço aritmético, ao somar os 23,7% de Aécio e os 11% de Eduardo. Teríamos um segundo turno no horizonte e, embora a mesma pesquisa dê vitória nele a Dilma, sua tendência de queda poderia continuar.
O primeiro sinal de mudança, esta semana, foi que Dilma decidiu lutar pela reeleição. Jornalistas bem informados asseguravam que Lula se dispunha a ser candidato. A presidenta fez então uma declaração sem precedentes em sua história: disse que confiava na "lealdade" de Lula a ela. Ora, a palavra "lealdade" tem uma cor hierárquica. É mais comum eu me dizer leal a meu superior, do que ele se considerar leal a mim, seu subordinado. O que Dilma disse foi, em outras palavras: "Eu sou a presidenta". E quero continuar sendo. Não desisto fácil - nem mesmo em favor de Lula.
Ao mesmo tempo, Aécio adquiria uma vantagem sobre Eduardo, que perdia votos ao demonstrar excessiva timidez em suas tomadas de posição. O ex-governador de Pernambuco tenta, faz tempo, caracterizar-se como uma oposição "light", que procuraria ser o pós-PT mais que o anti-PT.
Lula e Eduardo cedem a cena a Dilma e Aécio
Esse, aliás, parece ser o segredo do negócio: quem bater pesado demais no PT corre o risco de assustar os que admiram a inclusão social que esse partido promoveu. Assim, desde José Serra, em 2010, os candidatos da oposição procuram falar em "pós-PT" ou pós-Bolsa Família, em vez de baterem de frente no que o Partido dos Trabalhadores fez no governo. Quem conseguir que os eleitores acreditem nisso terá fortes chances de ser eleito.
Mas Eduardo também procurou ser o tucano leve. Quis ser aceitável para os que se cansaram de um lado ou outro, mas sem com isso irem do PSDB ao PT ou vice-versa. O problema, com isso, é que o candidato ficou sem identidade ou público próprio.
Marina Silva não deve gostar do resultado. Ela pode muito bem ter um projeto econômico que em muitos pontos converge com o dos tucanos, mas seu diferencial está na origem ecológica, que é o que dá cor ética à proposta dos sustentáveis. Porém, quando vemos Eduardo Campos parecendo fazer o segundo de Aécio, no encontro empresarial de Comandatuba ou no comício da Força Sindical em S. Paulo, ou quando lemos nos jornais cálculos de como seria um governo de coligação entre os dois partidos de oposição, a mensagem específica da terceira via se perde. Com isso perde a Rede, que não esperava isso ao se incorporar ao PSB, mas também perde o Partido Socialista, que fica parecendo mais um segundo PSDB do que uma agremiação com proposta e convicções identificáveis.
Some-se, a esse redesenho dos candidatos, uma mudança na postura interna ou na atitude pública dos empresários. Faz dois meses, ainda parecia dominante, nesse importante segmento da opinião, a preferência por Lula, o pragmático. Mas, ou porque Lula não será candidato, ou porque a ideologia da oposição sorri mais ao capital, esta semana viu definições claras de líderes patronais contra o PT.
Tal panorama favorece, em primeiro lugar, os dois partidos que ocuparam o Palácio do Planalto desde a eleição de 1994. O PT está tendo êxito em colar nos dois ex-ministros de Lula que devem formar a chapa do PSB, Eduardo e Marina, a marca de candidatos de oposição. A proposta de promover uma conciliação entre os dois lados, um meio termo (Eduardo), ou uma terceira via com uma alteração sensível no conceito de desenvolvimento (Marina), ficará seriamente prejudicada se o PT conseguir apresentá-los como defensores do arrocho salarial ou, ainda, como vertente auxiliar do PSDB. Essa estratégia, por sinal, acabará favorecendo também os tucanos, porque se no País tivermos só duas forças políticas principais, por que votar no PSB em vez do PSDB, por que preferir o incerto ao conhecido?
Em segundo lugar, o PT também está alcançando um certo êxito em pregar nos candidatos de oposição a imagem de opositores das políticas sociais. A declaração de Aécio Neves, prometendo aos empresários "medidas impopulares", pode ter sido positiva para o candidato tucano granjear apoios substanciais nesse setor, inclusive reduzindo o espaço de Eduardo - mas sinaliza, para o restante da sociedade, o risco de uma opção preferencial pelos ricos, com um arrocho salarial.
Para o PT, esse é um bom cenário de disputa, que fica entre ricos e pobres ou, para ser mais preciso, entre os vulneráveis a qualquer soluço da economia e aqueles cuja renda ou fortuna superior protege melhor de recessões e depressões. É claro que, do lado antipetista, este confronto será chamado de anacrônico, ou será debitado na conta do PT, como se o conflito pela apropriação dos recursos fosse uma invenção retórica, esquerdista, sem base na realidade. Mas há uma disputa real, entre os que consideram que deve prosseguir a agenda petista de inclusão social e os que a criticam porque a economia, se continuar no rumo petista, estaria em sério risco. O aspecto bom disso tudo é que é melhor debater a economia na campanha eleitoral, do que desviar a atenção destas questões, cruciais, apelando à agenda moralista do ataque a aborto, casamento homossexual e ateísmo.
15 de junho de 2014
Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo. Escreve às segundas-feiras
O primeiro sinal de mudança, esta semana, foi que Dilma decidiu lutar pela reeleição. Jornalistas bem informados asseguravam que Lula se dispunha a ser candidato. A presidenta fez então uma declaração sem precedentes em sua história: disse que confiava na "lealdade" de Lula a ela. Ora, a palavra "lealdade" tem uma cor hierárquica. É mais comum eu me dizer leal a meu superior, do que ele se considerar leal a mim, seu subordinado. O que Dilma disse foi, em outras palavras: "Eu sou a presidenta". E quero continuar sendo. Não desisto fácil - nem mesmo em favor de Lula.
Ao mesmo tempo, Aécio adquiria uma vantagem sobre Eduardo, que perdia votos ao demonstrar excessiva timidez em suas tomadas de posição. O ex-governador de Pernambuco tenta, faz tempo, caracterizar-se como uma oposição "light", que procuraria ser o pós-PT mais que o anti-PT.
Lula e Eduardo cedem a cena a Dilma e Aécio
Esse, aliás, parece ser o segredo do negócio: quem bater pesado demais no PT corre o risco de assustar os que admiram a inclusão social que esse partido promoveu. Assim, desde José Serra, em 2010, os candidatos da oposição procuram falar em "pós-PT" ou pós-Bolsa Família, em vez de baterem de frente no que o Partido dos Trabalhadores fez no governo. Quem conseguir que os eleitores acreditem nisso terá fortes chances de ser eleito.
Mas Eduardo também procurou ser o tucano leve. Quis ser aceitável para os que se cansaram de um lado ou outro, mas sem com isso irem do PSDB ao PT ou vice-versa. O problema, com isso, é que o candidato ficou sem identidade ou público próprio.
Marina Silva não deve gostar do resultado. Ela pode muito bem ter um projeto econômico que em muitos pontos converge com o dos tucanos, mas seu diferencial está na origem ecológica, que é o que dá cor ética à proposta dos sustentáveis. Porém, quando vemos Eduardo Campos parecendo fazer o segundo de Aécio, no encontro empresarial de Comandatuba ou no comício da Força Sindical em S. Paulo, ou quando lemos nos jornais cálculos de como seria um governo de coligação entre os dois partidos de oposição, a mensagem específica da terceira via se perde. Com isso perde a Rede, que não esperava isso ao se incorporar ao PSB, mas também perde o Partido Socialista, que fica parecendo mais um segundo PSDB do que uma agremiação com proposta e convicções identificáveis.
Some-se, a esse redesenho dos candidatos, uma mudança na postura interna ou na atitude pública dos empresários. Faz dois meses, ainda parecia dominante, nesse importante segmento da opinião, a preferência por Lula, o pragmático. Mas, ou porque Lula não será candidato, ou porque a ideologia da oposição sorri mais ao capital, esta semana viu definições claras de líderes patronais contra o PT.
Tal panorama favorece, em primeiro lugar, os dois partidos que ocuparam o Palácio do Planalto desde a eleição de 1994. O PT está tendo êxito em colar nos dois ex-ministros de Lula que devem formar a chapa do PSB, Eduardo e Marina, a marca de candidatos de oposição. A proposta de promover uma conciliação entre os dois lados, um meio termo (Eduardo), ou uma terceira via com uma alteração sensível no conceito de desenvolvimento (Marina), ficará seriamente prejudicada se o PT conseguir apresentá-los como defensores do arrocho salarial ou, ainda, como vertente auxiliar do PSDB. Essa estratégia, por sinal, acabará favorecendo também os tucanos, porque se no País tivermos só duas forças políticas principais, por que votar no PSB em vez do PSDB, por que preferir o incerto ao conhecido?
Em segundo lugar, o PT também está alcançando um certo êxito em pregar nos candidatos de oposição a imagem de opositores das políticas sociais. A declaração de Aécio Neves, prometendo aos empresários "medidas impopulares", pode ter sido positiva para o candidato tucano granjear apoios substanciais nesse setor, inclusive reduzindo o espaço de Eduardo - mas sinaliza, para o restante da sociedade, o risco de uma opção preferencial pelos ricos, com um arrocho salarial.
Para o PT, esse é um bom cenário de disputa, que fica entre ricos e pobres ou, para ser mais preciso, entre os vulneráveis a qualquer soluço da economia e aqueles cuja renda ou fortuna superior protege melhor de recessões e depressões. É claro que, do lado antipetista, este confronto será chamado de anacrônico, ou será debitado na conta do PT, como se o conflito pela apropriação dos recursos fosse uma invenção retórica, esquerdista, sem base na realidade. Mas há uma disputa real, entre os que consideram que deve prosseguir a agenda petista de inclusão social e os que a criticam porque a economia, se continuar no rumo petista, estaria em sério risco. O aspecto bom disso tudo é que é melhor debater a economia na campanha eleitoral, do que desviar a atenção destas questões, cruciais, apelando à agenda moralista do ataque a aborto, casamento homossexual e ateísmo.
15 de junho de 2014
Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo. Escreve às segundas-feiras
Nenhum comentário:
Postar um comentário