Zelação cruzou o céu do Araripe naquele dia 13 de dezembro de 1912. Januário delirou de alegria com a chegada de Luiz. Pai do Brasil, gênio da raça, filho da terra, tanto fez e tanto cantou que a gente não sabe mais quem veio primeiro: Gonzaga ou o Nordeste. Forma, ao lado do orixá Dorival Caymmi e do erê Noel, a minha santíssima trindade brasileira – senhor do mapa sonoro das nossas gentes.
Lua é feito banho de rio, balanço de rede, drible, passe, xirê, rabo de arraia, ciranda, quermesse, novena, baticum, asa branca, assum preto, légua tirana, água de cacimba e acauã.
Seu Luiz é o Brasil entranhado e os seus chamamentos, voz da seca e florada no pé da serra, canto ancestral e ancestral do canto, egungun brasileiro, entidade poderosa do povo de cá, totem, cerâmica marajoara, boneco de Vitalino, santo de andor e exu de rua – arrepiando no fole da sanfona que nem Seu Sete da Lira, sedutor de donzelas, faria melhor.
Muito do meu amor pelo Brasil devo a Lua, ídolo maior dos velhos que me criaram – avô e avó vindos de Pernambuco e das Alagoas. Eles me ensinaram, ao cantar o gigante do Araripe, a acreditar no Brasil insinuante, nó do mundo, ponto de virada, possibilidade de grandeza no rame-rame de suas belezuras.
Lua é a civilidade mais entranhada de alumbramentos, sanfonando o mundo como Besouro recriava o sonho no arrepiado das capoeiras e Mané driblava o desmantelo da vida em beleza na linha de fundo.
Os velhos do santo dizem que, depois de criar os orixás e as enormidades do universo, Olodumare passou a se preocupar com um detalhe: se os homens estão fadados ao esquecimento, quem saberá rememorar o dia da criação e louvar os seus encantamentos? Quem perpetuará o limiar dos tempos?
Para resolver o dilema, Olodumare concedeu a alguns homens o poder do canto, os secretos da música, da dança e dos chamamentos da poesia – para que a arte celebre o alvorecer da vida e seja capaz de ludibriar a finitude em sons imorredouros.
Luiz Gonzaga, o aniversariante de 13 de dezembro, é um desses eleitos permanentes do Deus maior, abençoado pelas musas de pés rachados e fulô nos cabelos que serpenteiam, pobres de marré-de-si, de baixo pra cima o Araripe, com as asas secretas de alforriar os mundos.
luiz antonio simas, DEZ/2011
Nenhum comentário:
Postar um comentário