quarta-feira, 11 de abril de 2012

UEBA OBAMA É BRASILEIRO!

E este provérbio no meu Twitter: "Demóstre-me com quem andas, e a Polícia Federal te dirá quem és!"


Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Oba Oba Obama!
Dilma nos States! E sabe o que a Michelle falou pro Obama quando a Dilma chegou? "Não, Obama, essa

NÃO é a Mônica." E o que a Dilma foi fazer nos Estados Unidos? Chutar o pau do Barack! Rarará!
E o Obama é brasileiro. Bota uma bermuda e umas havaianas nele pra você ver. O Obama tem perfil de moeda, mas é a cara do primo do Romário. O Obama é filho do Bezerra da Silva!

E o Obama tem que puxar o saco dos brasileiros: "Brasileiros gastam R$ 3 bi no exterior em fevereiro": R$ 1 bi na Gap, R$ 1 bi na Disney e R$ 1 bi na Nike. Tem brasileiro que vai fazer supermercado em Miami. Rarará! E se, em Miami, você encontrar um monte de areia com uma sacola em cima, pode cavucar que é um brasileiro!

Ah, e os atores da Globo gastaram R$ 1 bi na Broadway. Pra assistir a "O Fantasma da Ópera". Pela enésima vez!

E manda a Dilma perguntar pro Obama quando vai diminuir a fila do visto. Isso é o que os brasileiros querem saber!

E adorei a charge do Pelicano com o Obama falando: "O Brasil é um país abençoado! Não tem ciclones nem tornados". E a Dilma: "É... mas tem Cachoeira". Rarará!

E atenção! Acaba de sair um novo apelido pro Desmóstenes: Debóchenes! Debóchenes Torres!
E olha o provérbio que um cara deixou no meu Twitter: "Demóstre-me com quem andas, e a Polícia Federal te dirá quem és!" Rarará!

E aqui na minha rua tem um buraco em homenagem ao Obama: Buraco Obama. Do tamanho dos Estados Unidos! Rarará!

É mole? É mole, mas sobe!

Ou como disse aquele outro: é mole, mas trisca pra ver o que acontece!
O Brasil é Lúdico! Esta é direto da Bahia: "Oba Oba Music Hall. NOITE DA APERTADINHA! Open Bar Para Elas. Até a primeira ir ao banheiro". Rarará!

E esta placa no portão: "Seu ladranzinho puga de bunda! Um dia eu te pego, seu cuzão". Rarará!
E este cartaz no estacionamento do supermercado: "Cuidado, Ladrão de Moto". O dono rouba no preço e o ladrão ainda te leva a moto!

E aqui em casa todo mundo canta, todo mundo dança, todo mundo Obama. Rarará!
Nóis sofre, mas nóis goza.

Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!
11 de abril de 2012
josé simão

segunda-feira, 9 de abril de 2012

TÔ VELHO !!! QUE COISA BOA !

Eu nunca trocaria meus amigos surpreendentes, minha vida maravilhosa, minha amada família por menos cabelo branco ou uma barriga mais lisa.
Enquanto fui envelhecendo, tornei-me mais amável para mim, e menos crítico de mim mesmo. Eu me tornei meu próprio amigo...
Eu não me censuro por comer biscoito extra, ou por não fazer a minha cama, ou pela compra de algo bobo que eu não precisava, como uma escultura de cimento, mas que parece tão? avant garde? no meu pátio. Eu tenho direito de ser desarrumado, de ser extravagante.
Vi muitos amigos queridos deixarem este mundo cedo demais, antes de compreenderem a grande liberdade que vem com o envelhecimento.
Quem vai me censurar se resolvo ficar lendo ou jogar no computador até às quatro horas e dormir até meio-dia? Eu Dançarei ao som daqueles sucessos maravilhosos dos anos 60 & 70, e se eu, ao mesmo tempo, sentir desejo de chorar por um amor perdido... Eu vou.
Vou andar na praia em um short excessivamente esticado sobre um corpo decadente, e mergulhar nas ondas com abandono, se eu quiser, apesar dos olhares penalizados dos outros.
Eles, também, vão envelhecer.
Eu sei que eu sou às vezes esquecido. Mas há mais, algumas coisas na vida que devem ser esquecidas. Eu me recordo das coisas importantes.
Claro, ao longo dos anos meu coração foi quebrado. Como não quebrar seu coração quando você perde um ente querido, ou quando uma criança sofre, ou mesmo quando algum amado animal de estimação é atropelado por um carro? Mas corações partidos são os que nos dão força, compreensão e compaixão. Um coração que nunca sofreu é imaculado e estéril e nunca conhecerá a alegria de ser imperfeito.
Eu sou tão abençoado por ter vivido o suficiente para ter meus cabelos grisalhos, e ter os risos da juventude gravados para sempre em sulcos profundos em meu rosto.
Muitos nunca riram, muitos morreram antes de seus cabelos virarem prata.
Conforme você envelhece, é mais fácil ser positivo. Você se preocupa menos com o que os outros pensam. Eu não me questiono mais.
Eu ganhei o direito de estar errado.
Assim, para responder sua pergunta, eu gosto de ser velho. Ele me libertou. Eu gosto da pessoa que me tornei. Eu não vou viver para sempre, mas enquanto eu ainda estou aqui, eu não vou perder tempo lamentando o que poderia ter sido, ou me preocupar com o que será. E eu vou comer sobremesa todos os dias (se me apetecer).
Que nossa amizade nunca acabe porque vem direto do coração!
09 de abril de 2012 
(desconheço a autoria)

sábado, 7 de abril de 2012

O ESCRITOR E A LOUCURA

Para quem só conhece Rubem Fonseca no Brasil, é difícil imaginar a cena ocorrida na semana passada em Póvoa de Varzim, cidade de Eça de Queirós, ao Norte de Portugal, quando o escritor que não dá entrevistas, não se deixa fotografar e não faz palestra, a nossa Greta Garbo, de microfone em punho, rodando em volta da mesa onde deveria estar sentado ao lado de meia dúzia de importantes colegas portugueses, iniciou sua fala: "Aqui nessa mesa todos somos loucos." Dizia e punha a mão no ombro de cada um, inclusive do quase nonagenário filósofo Eduardo Lourenço. "A literatura é uma forma socialmente aceita de loucura", justificava. Na plateia, mais de 200 pessoas assistiam meio incrédulas, misturando espanto e muitos risos, à palestra-show do autor de "Bufo & Spallanzani", que foi premiado no 13 Correntes d'Escrita, o encontro anual que reúne escritores de expressão ibérica.

Citando em dez minutos doze autores de variadas nacionalidades (é o único a fazer isso com naturalidade, sem ser pedante), Rubem apontava as condições necessárias para alguém se dedicar ao ofício da escrita. A primeira, indispensável, seria então a loucura. Recorrendo a um exemplo do inglês W. H. Auden, ele garantiu que a maneira de formar um poeta é torná-lo, quando criança, bem neurótico. Basta isso? Perguntou, para responder que não, que o candidato devia ser alfabetizado, "mas não muito". E não precisa ser inteligente? Nem sempre. Segundo ele, Somerset Maughan confessou ter conhecido centenas de colegas, mas poucos, inteligentes. "Concordo com isso", acrescentou Rubem, para delírio da plateia.

As outras condições seriam ser motivado ("sem motivação você não descasca nem uma banana"), imaginativo (e, virando-se para os que compunham a respeitável mesa, disse: "O escritor tem que ter imaginação, ouviram, meninos") e, finalmente, ser paciente. Para ilustrar, citou o caso do romancista francês Gustave Flaubert, que levou cinco anos para escrever "aquele livrequinho de 200 páginas, 'Madame Bovary', porque ficou à procura da palavra certa, o 'mot juste'". "Não existe sinônimo, estão ouvindo? Cada palavra tem um significado diferente", ensinou, provocando mais risos: "Essa coisa de sinônimo é conversa mole para boi dormir dos gramáticos."

No final, sobrou também para o público: "Vocês aí, não pensem que, por não serem escritores, não são loucos também." Foi aplaudido de pé.

Em 1995, assisti a um show parecido em Havana, onde ele e eu fomos jurados do Prêmio Casa das Américas. Quando descrevi na volta o que tinha visto, um Rubem Fonseca solto, desinibido, fazendo graça e arrancando gargalhadas ao ler dois contos, um violentíssimo e outro quase obsceno, muitos aqui duvidaram.

Agora tem o YouTube para comprovar. Podem conferir:http://youtu.be/QqjLOOs8h5k
 
07 de abril de 2012
zuenir ventura

ACASO E NECESSIDADE

Sintomas, como problemas, não se resolvem, mas se dissolvem: na marra


Se houvesse uma eleição da melhor abertura de romance de todos os tempos, eu votaria nessa, de “O amanuense Belmiro”, de Cyro dos Anjos: “Ali pelo oitavo chope chegamos à conclusão de que todos os problemas eram insolúveis. Florêncio propôs, então, um nono, argumentando que outro copo talvez trouxesse uma solução geral.” Com efeito, se não todos os problemas, o problema do todo certamente não pode ser resolvido. O que fazer, então? Esquecê-lo, agir como se ele não existisse. Os problemas que não podem ser solucionados podem contudo deixar de existir. Essa é a função do nono chope na filosófica abertura transcrita acima: não resolver, mas dissolver o problema. Chamo essa abertura de filosófica porque a questão do acaso e da necessidade, à qual ela remete, é uma das mais tradicionais da filosofia. É ela que quero abordar aqui, por meio de um grande filme.

Refiro-me a “Um conto chinês”, do diretor argentino Sebastian Borensztein. É um desses filmes que conseguem tratar de enormes questões filosóficas sem qualquer grandiloquência. “Um conto chinês” tem como prólogo uma situação absurda. Dois jovens chineses estão num barquinho, num cenário idílico da China rural. Ritualizam ali seu noivado. O jovem vai buscar as alianças para colocar no dedo de sua plácida amada — quando, de repente, uma vaca cai do céu, destroça o barco e mata a noiva.

Corta para Buenos Aires. Um homem de meia-idade, Roberto (o sempre brilhante Ricardo Darín), trabalha numa pequena loja de ferragens, herdada de seu pai. Roberto é rabugento, metódico e obstinadamente solitário. No ano anterior conhecera Ana, irmã de seu único amigo (ou o mais próximo disso que ele consegue se permitir). Eles transaram numa noite, ela desde então quis se juntar a ele, que por sua vez mantevese aferrado a sua solidão. Um dia, Roberto vê um chinês ser assaltado na rua. O chinês é pobre, não fala espanhol e veio de seu país procurar um tio. Roberto o ajuda, mas o tio vendeu sua loja e não deixou rastro. Roberto se vê então obrigado a abrigar o chinês em sua casa. Para a exasperação de seus sintomas, os diaspassam e nada de o tio do chinês ser localizado.

Em meio a essa narrativa, conhecemos melhor Roberto. Ele é honesto e corajoso. Revolta-se com a fábrica de parafusos, que lhe vende caixas com menos peças do que o indicado na embalagem. Revolta-se também com fregueses que duvidam de sua honestidade. Revolta-se com um policial que abusa de seu poder.
Roberto tem por hábito colecionar notícias absurdas, golpes quase inverossímeis do acaso, que colhe de jornais de diversas proveniências. Enquanto isso, Ana continua a procurá-lo e tentar demovê-lo de sua solidão fechada, opaca para o amor ou qualquer relação com o outro.

Após inúmeros atritos com o pobre chinês, que apenas por estar ali atingia em cheio o sintoma de Roberto, finalmente a embaixada chinesa localiza o tal tio. Nessa noite, por estar aliviado pela iminente partida de seu hóspede indesejado, Roberto se permite conversar com ele pela primeira vez. Tendo como tradutor um entregador de comida chinesa, fazem perguntas um ao outro. O chinês quer saber o que são aqueles recortes de jornal que ele coleciona. Roberto conta que seu pai era um italiano que imigrou fugindo da guerra. Mas, ao chegar na Argentina, acabou por ter que ceder seu filho como combatente à guerra das Malvinas. O pai de Roberto morre por desgosto com esse acaso. O filho passa então a colecionar notícias absurdas, como o pai que foge de uma guerra e cai em outra.

Pausa para interpretar. Roberto é paralisado pelo acaso, que é a causa mortis filosófica de seu pai. Sua vida se mantém atrelada a isso, condenando-o a uma posição melancólica, de inação. Ora, a melancolia tem uma forte relação com o acaso: se a vida é gratuita, se existir não faz sentido, para que agir? A honestidade rigorosa de Roberto parece ser uma tentativa de dar algum sentido às coisas; e sua revolta volta-se contra os que não colaboram com os pactos, com a ordem, instaurando um caos que remete ao acaso que o melancoliza.

Roberto está narrando algumas das notícias absurdas dos jornais para o chinês, quando lhe
conta aquela , mais absurda entre todas, de um chinês que tinha sido atingido por uma vaca que veio do céu. Os olhos do chinês se enchem de lágrimas, e o tradutor traduz: “Era ele quem estava naquele barco.” No dia seguinte, após ter deixado o chinês no aeroporto, Roberto retorna à sua casa e encontra uma imensa vaca pintada, pelo chinês, na sua parede. Ele pega o carro e parte para a província onde mora Ana. Liberou-se, e o filme acaba.

O acaso de o chinês da notícia ter vindo parar, por uma trama improvável, em sua vida, não precisa ser compreendido como um “sinal” (de uma lei oculta, metafísica) de que há necessidade “por trás” dos eventos aleatórios. Mas sim que o acaso podeformar acontecimentos cheios de sentido, com estrutura de sentido. Um chinês perde a noiva num golpe infeliz do acaso, e acaba, por outra volta do acaso, cumprindo o papel de enfrentar o sintoma — uma doença da gratuidade — de um melancólico solitário. Sintomas, como problemas, não se resolvem, mas se dissolvem: na marra, por meio de um encontro inesperado. O mesmo acaso que originou a melancolia de Roberto também lhe impôs um término. Não há necessidade, há finalidades sem fim. Não há necessidade, mas é preciso agir como se houvesse. Antes que uma vaca caia do céu e cumpra o único evento necessário.

 
07 de abril de 2012
francisco bosco

O CÁRCERE DE BLAU

A vida “natural”, que Blau persegue, não precisa de expressão. Ela apenas é


Entre os aforismos de Elias Canetti, existe um, que se refere ao escritor austríaco Robert Musil (1880-1942), que me interessa em particular. Anota Canetti: “Musil me fascina por um tipo de uniforme. Teria que defini-lo como o uniforme da claridade?” Autor do monumental “O homem sem qualidades”, romance em que o pensamento — a claridade — se sobrepõe à ficção, Musil, evocado por Canetti — vejam que caminho tortuoso! — me ajuda a ler “A vida obscena de Anton Blau”, o dilacerante romance de Maria Cecília Gomes dos Reis (Editora 34). Por que Canetti? Por que Musil?

Por que os dois me levam aos nervos de Blau? Tento explicar. Nunca lemos só o que um livro nos diz. As palavras são faróis: elas iluminam também nossos próprios pensamentos, reverberam e se deformam em nossa mente. Vamos a Anton Blau. Ele vive retido no eterno presente. A condenação reflete — ou é efeito? — da escrita de Maria Cecília, que trabalha seu romance sem se apegar às ilusões dos vínculos e da perspectiva. Ilusões? É talvez isso, um tanto de sonho, o que falta a Blau. O que o aprisiona.

Romance estranho — aviso logo. Que se lê com dificuldades. Ou, se não são dificuldades, são incômodos, como se algo muito fino nos espetasse. Na aparência, Anton Blau é um homem dominado pelo desleixo, pela preguiça, pela autoindulgência. Um homem comum; um homem sem qualidades, exatamente como o célebre personagem de Robert Musil. Mas insisto: tudo na aparência. Na verdade, Maria Cecília nos oferece uma visão fatiada de Blau. Ela o pega em momentos distintos de sua vida, na perspectiva de observadores e encarnações diferentes. Se não é isso o que faz, simula isso. Falta-lhe aquilo que define, por excelência, a claridade de que fala Canetti: o foco. Já na abertura do livro, o leitor recebe a seguinte advertência: “A verdadeira experiência consiste em restringir o contato com a realidade e aumentar a análise desse contato”. Em outras palavras: quanto mais limitamos nosso olhar, mais a claridade aumenta. Ao contrário: quanto mais o alargamos, como a autora faz, mais opaca se torna a existência.

Blau, contudo, é um homem das miudezas. Procura “as impressões que ninguém está interessado em descrever”. Procura o desprezível. As sobras, dejetos: o lixo. É na direção dos restos que Blau se vira. Quando se tira tudo de um homem, quando nada mais lhe resta, o que ainda assim lhe resta: ele está aqui. Ele “é” o presente. Clarice Lispector viajou na mesma direção: arrastou seus personagens rumo à Coisa — aquilo que ela, às vezes, chamou de “it”. Claro: o instante. A claridade do instante, tão breve, tão frágil, que logo no instante seguinte já não é mais. Blau busca o que está aqui e mais nada. Não se interessa por antecedentes, tampouco por consequências. Não quer saber da história, ou do futuro. Ele é. Ele é a Coisa de que nos fala Clarice.

Todos nós somos, só que nos agasalhamos na ilusão — lonas protetoras do passado, coletes
imaginários do futuro. Blau está emparedado. O romance fala de sua imobilidade. Ele nem chega a ser um personagem: ele é o amigo imaginário da menina Marta. Prisioneiro do disperso, resta-lhe atuar. Não precisa do pensamento — que um escritor como Musil desdobrou em centenas e centenas de páginas. Nele, a claridade está em não pensar, em não ver, em não refletir. Deseja livrar a vida dos invólucros que a adornam. “A vida prejudica a expressão da vida”. Dizendo de outra maneira: a vida “natural”, que Blau persegue, não precisa de expressão (literatura). Ela apenas é.

Cruel traição: tudo isso se passa, contudo, em um romance, que de natural nada tem. Sim, a vida precisa de expressão, ainda que seja para falhar no inexpressivo. A cada manhã, Anton Blau desperta para sua vida comum, que se caracteriza não pela dor, ou pelo terror, mas pelo “desconforto difuso”. Viveu a infância “entre a neblina e cumes de recordação”. A adolescência, entre “sombras e pequenas dissimulações”. Teatro fracassado, a vida humana é só um disfarce. O presente não se interessa por encenações. Tampouco se importa com o disfarce. O presente grita. Clarice dizia que o presente era um grito.

Mas logo não se trata de Anton, e sim de Jamil, o terceiro filho de uma mulher chamada Lia. As presenças se desdobram, mas ainda é sempre o presente. O meu presente, o seu presente, o presente alheio: todos comprimidos no mesmo instante e, ainda assim, tão distantes uns dos outros. Também não se trata, agora é Jamil quem nos adverte, da aposta no “mundo interior”. Observa o mundo e conclui: “Sou algo ínfimo diante disto tudo, um indivíduo qualquer plantado no planeta, um móvel em trajetórias grudado à superfície do globo”. Maria Cecília, a autora, usa sua imaginação para destruir qualquer possibilidade de imaginação. Ao escolher o presente perpétuo, é como se ela dissesse a seu leitor: “Suporta, aguenta firme, isso basta”.

Não basta, e o próprio livro é um desmentido das teses que Anton Blau encarna. De repente ele é Klaus, e sua única esperança é não ser processado por uma ofensa. Ou seja: é permanecer (preso) onde já está. É Klaus quem nos diz: “O homem experimenta uma forma complexa de ser: ‘estar’ e ‘não estar’ ao mesmo tempo”. Uma forma contrária, portanto, ao princípio de não contradição. Somos contradição pura, Klaus e seu séquito de nomes nos mostram. Vivemos estagnados no que somos, mas é exatamente essa estagnação que nos fornece um ponto de partida e que nos permite enfim nos desdobrar. Prossegue Klaus (ou será Blau?): “A identidade de cada pessoa é dada por seu veio circunstancial — único e mesmo”. Ao mesmo tempo, afirma: “A pessoa é variação sob variação. E também variação (sujeito) ante variação (objeto)”. Chega-se aqui ao horror: até a variação é um efeito da repetição.

Maria Cecília nos oferece um romance que se parece com um charco. Sob as águas mórbidas, contudo, alguma coisa se mexe. Esse mexer-se — amar, gerar filhos, escrever livros — pode ser repetição pura. Ainda assim, e seu livro nos mostra isso, só ele é capaz de produzir as coisas que em nós mesmos nos espantam.
07 de abril de 2012
josé castello

NUDEZ

O comportamento compulsivo incide muitas vezes sobre atividades reprimidas, censuradas e passíveis de punição legal, como o jogo, o sexo, o uso de drogas. Por esse motivo, os que incorrem em tais práticas tão proibidas podem ser vistos como detentores de invejáveis ousadia e liberdade pela maioria cumpridora de deveres e submetida às sanções socialmente estabelecidas. E está aí o paradoxo da compulsão, pois aquelas pessoas são tudo, menos livres e ousadas. Estão acorrentadas à repetição incessante do mesmo desempenho que jamais lhe proporciona a tão buscada satisfação.

Não se pode esquecer que a droga, o sexo e o jogo são negócios geradores de uma forte economia paralela negada pelo mercado oficial. Se isso ocorre é por atenderem a uma realidade humana cuja complexidade não é reconhecida adequadamente, motivo do fracasso das medidas tomadas em relação a eles, como mostra o suposto combate internacional ao tráfico de drogas.

Não se trata de substituir a hipocrisia moralista por um diagnóstico médico ou psicológico, e sim de não negar o sofrimento dos praticantes de tais atividades e as consequências danosas que elas têm sobre suas vidas, como bem mostra o filme Shame, de Steve McQueen, com Michael Fassbender no papel de um compulsivo que vive em Nova York. Como era de se esperar, para ele o sexo nunca é a via para o prazer e sim o aguilhão que o conduz à procura de um gozo mortífero. As razões do desespero que inutilmente procura esconder atrás de sucessivos orgasmos são evocadas pela irmã frágil e suicida, que insinua um passado familiar traumático.

O filme teve nos Estados Unidos um inesperado efeito colateral decorrente dos momentos do nu frontal de Fassbender, gerador de muitos gracejos. George Clooney deu o tom da gozação ao mencionar, num programa de televisão de grande audiência, que Fassbender poderia jogar golfe sem taco, bastando mover o corpo de um lado para outro. Outros colunistas disseram que Fassbender não fora indicado para o Oscar por "inveja do pênis" por parte dos membros da academia...

Aproveitando a deixa, James Wolcott, colunista da revista Vanity Fair escreveu um divertido artigo, The Hung and the Restless, uma espécie de história do pênis no cinema americano. Nele lista os filmes em que o tabu do nu frontal masculino foi derrubado, entendendo a diferença no trato da nudez de cada um dos sexos como decorrente do fato de vivermos numa sociedade machista, na qual o corpo da mulher é objeto de desejo fetichisado e a nudez masculina suscita pânico homossexual, leitmotiv de infindáveis piadas entre os homens.

A meu ver, a crescente tolerância com a nudez nos filmes de Hollywood não pode ser dissociada da liberação da pornografia proporcionada pela internet. O número impressionante de acessos aos sites pornográficos evidencia o apelo que esse material tem frente ao público, especialmente o masculino, fazendo com que os cineastas se sintam mais seguros de acrescentar em seus filmes ingredientes dali provenientes. É o que ocorre com Shame. A roupagem mainstream - grande produção, bons atores, roteiro sofisticado e "sério" - mal esconde a realidade de um soft porn caça-níqueis.

Mas essa não é uma questão simples. A linha divisória entre pornografia e criação artística é difícil de traçar, sujeita que é a sutis determinações socioculturais. É o que mostra o uso da nudez na arte. Exaltada por gregos e romanos, a nudez entrou em relativo ostracismo com a implantação do cristianismo, voltando à cena com estardalhaço na Renascença. Michelangelo foi acusado de obscenidade e imoralidade ao expor o afresco O Julgamento Final na Capela Sistina, desencadeando um movimento de censura que exigia a remoção ou dissimulação das partes pudendas das figuras nuas ali pintadas.

O que teve início com Michelangelo cristalizou-se no Concílio de Trento, quando, entre tantas outras deliberações, ficou estabelecido que nada que pudesse estimular a concupiscência e a luxúria poderia ser exposto na arte patrocinada pela Igreja. Em outras palavras, a nudez estava definitivamente banida e condenada. Na bula papal de 1557, Paulo IV tornou obrigatório o uso de folhas de figueira para esconder os genitais das imagens pintadas ou esculpidas antes da proibição. A medida foi aplicada com empenho pelos papas Inocêncio X (1574-1655) e Clemente XIII (1693-1769).

Essa zelosa atitude foi retomada por Pio IX (1792-1878). Sob seu comando, todos os mármores da antiguidade clássica existentes no Vaticano tiveram seus falos destruídos e por cima das mutilações foram colocadas as folhas de figueira. Episódio semelhante ocorreu em 1897, quando a rainha Vitória foi presenteada pelo grão-duque da Toscana com uma réplica idêntica do David de Michelangelo. A estátua deixou a rainha escandalizada, motivo de sua imediata remoção para o museu de Kensington Gardens, onde foi providenciada uma folha de figueira que deveria ser colocada em defesa do pudor das damas que eventualmente aparecessem por ali em visita.

Se tudo isso nos parece lamentável e risível é por não atentarmos para o fato de que, de certa forma, resquícios dessa atitude persistem na atualidade, como estamos vendo nas repercussões em torno do nu frontal de Fassbender.

Em nossa cultura, a nudez feminina é corrente, chega a ser banalizada, o que não ocorre com a masculina, que continua sendo objeto de uma repressão maior. Isso se deve aos aspectos machistas apontados por Wollcott. O próprio machismo é um dos incontáveis efeitos imaginários da diferença anatômica existente entre os sexos, tal como Freud mostrou. As consequências psíquicas inconscientes dessa diferença não podem ser menosprezadas. Ter ou não ter o falo assume um papel de extraordinária importância no mundo mental de homens e mulheres. Símbolo de força e potência vital criadora, invejado e atacado, ameaçado permanentemente com possibilidade da castração, o falo ora se confunde com o pênis e se exibe orgulhosamente, ora se oculta misterioso atrás de folhas de figueira, panos e véus, afirmando uma mística e transcendente inacessibilidade, recusando-se a ser equiparado a um mero e vulgar órgão sexual masculino. Será por causa da forte carga significante do falo que a nudez masculina é mais censurada que a feminina?

O Ministério da Justiça acaba de lançar um Guia Prático da Classificação Indicativa estabelecendo o que crianças e adolescentes podem ver na televisão e no cinema. Fica ali liberada a nudez, desde que ela seja "sem conotação sexual". Entende-se a intenção do Ministério em proteger crianças e menores, mas será possível dissociar o nu do sexual, do erótico? Não é a nudez que expõe a animalidade do corpo, as vergonhas da carne, a diferença dos sexos? Poderá ela algum dia ser vista com naturalidade? Estaria o Concílio de Trento totalmente equivocado ao atribuir à nudez o estímulo à luxúria e a concupiscência?
 
07 de abril de 2012
sérgio telles

DESCONSTRUIR E DESCONVERSAR


Isso é que é planejamento. Menos de três anos depois de inaugurada solenemente com a presença do então presidente Lula, do governador Sergio Cabral e do prefeito Eduardo Paes, a estação de metrô Ipanema/General Osório vai ser fechada (e a do Cantagalo também) por pelo menos oito meses para a abertura de uma nova e discutível boca de saída que, não se sabe por quê, não foi prevista. Mas tem mais. Esse genial projeto de desconstrução pretende também destombar a Praça Nossa Senhora da Paz, desmanchando o lazer e o prazer de velhinhos e crianças, desmatar o parque, desplantando 113 árvores, e inutilizar o espaço por no mínimo onze meses para abrir uma estação que, conforme pesquisa, a grande maioria da população do bairro dispensa por desnecessária. Mas, se o plano é transformar o trânsito num caos durante esse tempo, isso com certeza vai-se conseguir.
O pior é que, pra variar, não se fornece ao respeitável público uma razão, sequer um argumento convincente, para todo esse surto de bota-abaixo. O projeto parece ser desconstruir e desconversar.
XXX
Vamos ficar devendo muito à operadora Sprint Nextel (a Nextel Brasil diz que não tem nada a ver com isso), que acabou enganando os que achavam que, eles sim, estavam enganando. Pois foi graças à propaganda enganosa que o bicheiro CarlinhosCachoeira e sua máfia foram desmascarados.
Acreditando que os aparelhos habilitados nos EUA eram à prova de grampos, eles se abriam sem medo e sem vergonha. Se não fossem as escutas nos rádios importados, não se ficaria sabendo que Demóstenes Torres recebeu de Cachoeira não só a mixaria de R$ 3 mil para o táxi-aéreo, como muitos milhões em propina.
Não se saberia também de diálogos incríveis como o havido entre um sócio do bicheiro e o chefe da Divisão de Combate ao Crime Organizado da PF de Goiás, Deuslino Valadares, um delegado acima de qualquer suspeita:
— Bem-vindo ao Nextel Clube — disse o delegado.
O sócio informa que estava saindo de uma reunião “maravilhosa” em Brasília.
— Beleza! Tava roubando aí ou tava fazendo o quê?

XXX
Vendo a genialidade de jogadores como Messi e Neymar, que transformam cada drible, cada jogada numa obra de arte, não dá para aceitar que se coloque na mesma categoria de esporte uma luta na qual vence quem der o soco, o pontapé ou a cotovelada mais violenta na cara do outro, de preferência desfigurando-a. É como diz o ex-boxeador Maguila sobre o MMA: “Não é luta, é briga de rua. Você joga o sujeito no chão e fica batendo.”

XXXSinal dos tempos. Outro dia, ao buscar Alice na creche, flagrei-a beijando na boca Davi, seu namorado. Os dois têm pouco mais de dois anos. Avô moderno, não disse nada, mas ainda não me refiz do choque, principalmente porque não sei quais são as intenções do rapaz.
07 de abril de 2012
zuenir ventura

MEMÓRIA RESGATADA

 

BECKETT AOS SOBRESSALTOS

O belo em Beckett é que o vazio se torna um bordado

Um homem se ergue e parte. A princípio, uma luz externa o ilumina. Logo ela se apaga e se instala a escuridão. O homem se entrega. “Talvez soubesse muito bem o que ficava embaixo e não desejava vê-lo de novo”. Ver o quê? Ver a si mesmo, nivelado ao chão. O homem se ergue para se movimentar, mas o movimento é também repetição. É imobilidade. Eis a solidão maior: mesmo movendo-se, ele não pode se mover. Mesmo lutando para chegar ao outro, retorna sempre a si.

Falo de “Sobressaltos”, talvez o mais agudo relato de “Companhia e outros textos”, de Samuel Beckett (Editora Globo). O texto que empresta seu título ao livro, “Companhia”, é uma conhecida viagem através da solidão. Um homem, deitado no escuro, ouve uma voz cuja origem desconhece A voz o perfura, derramando uma mistura gosmenta de sonho e memória. Aos sobressaltos, lutando para ignorar a voz, mas por ela arrastado, o homem se apega a fios que pendem, frágeis — últimos sinais de uma cabeleira —, de sua mente. Mas em “Sobressaltos” não há nem mesmo essa voz que, mal ou bem, ainda é uma esperança de companhia. O homem leva sustos consigo mesmo e com sua incapacidade de se mover. Não é que não se mova; move-se, mas isso é inútil e não o leva a lugar algum.

Nesse sacolejar, defronta-se com seus próprios sentimentos, que são incompreensíveis e não o levam a lugar algum também. Por exemplo: tem vontade, mas ao mesmo tempo tem medo de sumir. Antagônicas, as duas ideias se anulam. Resta o ruído estridente de um atrito.

Como viver com sentimentos que se esmurram em nosso interior? Como conferir sentido a uma vida que
se desenrola, ao mesmo tempo, em dois sentidos opostos, de modo que um sentido anula o outro? Esse impasse deixa o homem “meramente esperando”. Não que não se mexa, mas dá no mesmo. Caminha por estradas ermas, arrasta-se em uma paisagem escura. Habita um cenário (uma Natureza?) que de nada lhe serve. “Nada a mostrar que não o mesmo”, ele diz. Se a paisagem se repete, tudo se anula. É como se viajássemos em um carro que fizesse voltas intermináveis em torno da mesma praça. Na repetição que se acumula, a paisagem afunda em um buraco. Uma boca que nos engole.

Beckett — como todo escritor — está falando da literatura. A literatura não tem “solução”. Não há direção, ou destino. Na frente do ônibus pode estar a placa: “Destino”. Mas isso nada nos assegura. Esse girar em torno da mesma praça — do mesmo poço — transforma a escrita de Samuel Beckett em um gaguejar. Sua escrita evoca a sílaba que os gagos repetem, em aflição, buscando a sílaba seguinte que nunca lhes chega. Há uma dor — mesmo que se aceite a dor. Há um silêncio (uma pausa) — mesmo que, ao fim, algo se expresse. Escrita rota, aos farrapos, aos frangalhos. Aos sobressaltos.

Por vezes o homem (o e s c r i t o r ) e m e rg e d o mundo exterior e volta a si. Reencontra-se. Reencontra-se? Há um sentimento de reencontro e nada mais. Nada mais. Beckett poderia, quem sabe, repetir as palavras de Nietzsche em “Ecce Homo”: “Naquela época meu instinto decidiu-se de maneira inexorável contra a continuação da condescendência, do seguir-aos-outros, do enganar-a-mim-mesmo”. Há uma (tentativa de) ruptura. Há uma volta a si — como alguém que, de repente, se levanta de um desmaio. Mas, se em Nietzsche esse erguer-se, mesmo tosco, e ainda que aterrorizante,
se converte em potência, em Beckett ele é só um desdobramento da imobilidade. Uma espera ainda.

O homem, então, se vê em um campo de relva. Mas até o campo acolhedor se converte, l o g o , e m o b s t á c u l o .

“Pois ele não conseguia se lembrar de nenhum campo de relva no coração mesmo do qual nenhum limite de nenhum tipo pudesse ser descoberto”. Também os campos de relva estão delimitados (encarcerados) por grades, canteiros, cercas, muros. Mesmo a mais romântica liberdade é uma prisão. Precisa fazer algo disso, mas o problema está aí: faz e, no entanto, nada se altera. O que não impede de fazer (de escrever). É o ato — fazer, escrever — que lhe salva.

Resta-lhe, por fim, apenas a memória, em cuja barriga escura vasculha o homem restos, resíduos, sobras que construam algum sentido — que lhe sirvam de bengala! Nada encontra. Inclina a cabeça, então, em posição de meditação, que é a desistência de pensar para entregar-se ao vazio.

Constata que está vazio de desejos e sabe que, ainda que os tivesse, de nada lhe serviriam. É um escritor: planeja, organiza, deseja, mas a escrita é sempre outra coisa. Sai de si para entregar- se a esse outro e sua luz efêmera; mas isso também não o salva e, por fim, (fechado o livro), está, mais uma vez, sozinho. As palavras (as luzes) tagarelam. A elas, ainda assim, se apega.

O belo em Beckett é que o vazio se torna um bordado. Costurado com uma linha inexistente, ainda assim ele traça uma forma. Somos, nós leitores, arrastados por essa ilusão de cura pela beleza que em nenhum momento elimina nosso mal. Chegamos então — o personagem de Beckett chega — ao “tanto faz”. Mas atenção: é desse “tanto faz”, que apesar de tudo é tanto, que algo fazemos. Alguma coisa que nos console, como nos diz o homem, “do horror de tudo ter fim”. Ele ainda exclama: “Oh tudo ter fim”. Nem essa frase, que se parece com um fecho, dá conta do que ele sente.

A literatura, para muitos, é só um deserto. Algo inútil, porque vazio e sem sentido — sem senso de direção. A literatura: uma embriaguez? Algo em que algo (o principal) sempre falta.

É como recordar Vladimir e Estragon à espera infinita de Godot. Seu amado Godot não chega e tudo o que o lhes resta é a espera. Beckett: autor da espera. Como se estivesse em uma gravidez que jamais conduzisse a um parto e que, por fim, fosse apenas peso e angústia.

Algo deslocado de seu centro: de repente, olhando com mais cuidado, vemos nossa espinha que, à distância, nos acompanha. O homem de Beckett está deslocado de si. Vagueia, insiste, “até nada sobrar do fundo desse dentro!” As frases se enroscam, são gatos preguiçosos, que só querem o silêncio. Ainda assim, nos acariciam.Ainda assim, nos consolam.
Ainda assim estão ali.
 
07 de abril de 2012
José Castello

sexta-feira, 6 de abril de 2012

TOLSTOI ÀS AVESSAS?

O "Princípio de Anna Karenina", articulado numa das frases de abertura mais famosas da literatura universal, diz que "todas as famílias felizes são iguais, enquanto as infelizes o são ao seu próprio modo". Aplicado à indústria, esse princípio parece funcionar às avessas. Todas as indústrias felizes o são ao seu próprio modo, enquanto todas as indústrias infelizes são iguais...

Digamos que a "felicidade" da indústria seja medida pela sua participação no PIB do país de origem. A ideia reflete o raciocínio atual do governo brasileiro, a julgar pelas recentes declarações e medidas para proteger a indústria nacional da tal concorrência predatória alardeada pelo ministro Mantega. Indústria feliz, segundo o governo, é aquela que gera a maior parte dos empregos e da renda do País. É preciso, pois, cultivá-la, mesmo que para isso se introduzam impostos diferenciados para os produtos domésticos e os importados, uma prática no mínimo antipática. Também é necessário usar medidas emergenciais, como o alargamento das compras governamentais para priorizar a aquisição de bens e serviços nacionais, ainda que isso onere os cofres públicos e tenha efeitos indesejados sobre a inflação. Não faz mal. O que importa é ser feliz. Mas onde estão as indústrias mais felizes?

De acordo com a métrica proposta, a Coreia e a Alemanha são igualmente "felizes": ambas têm indústrias de mais de 30% do PIB. Já o Brasil e os EUA são menos felizes: suas indústrias correspondem a uns 20% do PIB (a participação da indústria de transformação no Brasil é ainda menor, uns 13%). Nesses dois países, a situação já foi muito diferente. Por aqui não faltam comparações com a década de 80, quando a indústria correspondia a pouco mais de 30% do PIB, como na Coreia e na Alemanha. Mas os saudosistas de plantão se esquecem de que esses foram anos de brutal desarranjo macroeconômico no País, além de a economia ser muito fechada, a indústria era pouco exposta à competição internacional.

Os EUA também tiveram lá o seu grau de felicidade industrial à Alemanha e Coreia no início do século 20. O vigoroso capitalismo industrial que impulsionou a economia, tornando-a uma das mais importantes do mundo, sobretudo depois das duas grandes guerras e da débâcle dos regimes comunistas, perdeu fôlego. Ao longo do tempo, foi cedendo um espaço cada vez maior à ascensão do capitalismo financeiro, o modelo de crescimento econômico baseado no crédito farto e desregulado que culminou na crise de 2008.

Há muito pouco em comum entre a redução da participação no PIB da indústria brasileira e da americana. Mas há uma semelhança importante entre os dois modelos de industrialização. Tanto lá quanto aqui se optou pela diversidade, pela ampla gama de produtos industriais, de aviões a calçados, de engenharia e mecânica a móveis e utensílios domésticos, da siderurgia a têxteis, de automóveis a tecnologia de informação. Evidentemente, não é possível ser competitivo em todos esses setores simultaneamente. Tome-se como exemplo a indústria automobilística americana, o grande símbolo da revolução industrial dos EUA, o país que inventou o Modelo T, carinhosamente conhecido como Tin Lizzie. Tin Lizzie não resistiu aos Hondas, Subarus, Daihatsus, Toyotas - mais baratos, mais econômicos, mais resistentes.

E a Alemanha e a Coreia? Bem, esses países concluíram não ser possível competir em pé de igualdade com o resto do mundo em todos os setores. Resolveram priorizar um modelo de industrialização baseado na capacidade de produzir um determinado bem a um custo unitário menor, o que os economistas chamam de vantagem comparativa. A Alemanha, e sua inigualável engenharia, concentrou-se na indústria de processamento. A Coreia direcionou seus esforços para a capacitação tecnológica, tornando-se um dos polos mais importantes de fabricação de eletrônicos no mundo. Foram igualmente felizes na especialização. Enquanto isso, continuamos aqui, a discutir a proteção à nossa indústria universal. Parece que continuaremos infelizes na nossa diversidade.
 
06 de abril de 2012
Monica Baumgarten de Bolle
 

COTOVELADAS, EMPURRÕES, SAFANÕES, PUXÕES


Como o âncora do telejornal anunciava, com estrondoso orgulho, que agora o sistema de ônibus de São Paulo terá horários e o usuário poderá saber o momento exato em que vai pegar a sua condução, Alzeni, que trabalha conosco há 18 anos, correu a ouvir. Era uma notícia interessante. O repórter mostrava entusiasmo fora do comum pela tecnologia de ponta. Um sistema da internet vai possibilitar que possamos, no ponto, acessar o site que vai mostrar onde está nosso ônibus e a que hora ele chegará.

Com um belo iPad na mão, o jovem acessava e descobria que o ônibus por ele desejado chegaria ao ponto em uma hora. Ficou meio desapontado e repetiu a operação com outra linha. Em 15 minutos um carro encostaria, só que em ponto a 30 quadras dali, para outro destino. De qualquer maneira, a notícia, dizia o jovem que deve viver conectado o tempo todo com tudo, era boa para quem anda de ônibus. Finalmente, poderemos chegar ao ponto na hora exata em que devemos embarcar.

No mesmo instante me vi nos anos curiosos em que vivi em Berlim e o meu ônibus 29 chegava ao ponto às 13h37, sem erro. Chegasse atrasado, veria o que é bom para a tosse. Claro, era Berlim, pouco trânsito, ruas pavimentadas como se fossem por blocos de mármore, lisos e limpos. A nostalgia se dissolveu na realidade paulistana.

Logo, um popular entrevistado pelo eufórico repórter respondeu com uma pergunta: "Tudo bem! E quem informa ao congestionamento que o meu ônibus tem horário para chegar àquele ponto e todos devem sair da frente?" Aliás, em jornalismo há algumas coisas inúteis, mas nenhum chefe de reportagem se dá conta. Já fiz muito isso. Para que entrevistar povo na rua? As respostas são: "Não sei. De que o senhor está falando? Anh? Ah! É? Vai ser bom, né!"

Ninguém sabe nada. Há alguns que tuitam rapidamente para se informar. Como se o twitter desse alguma informação. É tudo questão de encher linguiça, como se dizia na Pré-história. Outra categoria inútil para ser entrevistada: jogador de futebol após o jogo. Suados, cansados, esbaforidos, loucos para irem ao vestiário, nada dizem. Não têm o que dizer. A maioria também não joga, não tem cacife para jogar. Dia desses o Valdivia respondeu: "Perdemos porque entramos com sono". Gostei. O primeiro que disse uma coisa engraçada, curiosa, verdadeira.

Voltemos aos transportes. Alzeni olhou para mim e perguntou: "Então, vai ser resolvido o problema dos ônibus? Porque não entendi nada do que falaram aí". Nem eu, acrescentei. Pergunto: serão distribuídos computadores, iPhone, iPads e outros acessórios para toda a população acessar os horários? Depois virão os cursos para se saber manejar tudo? Depois, dirão aos concessionários das linhas para colocarem carros em número suficiente para atender às demandas? Depois virão os aumentos de tarifas?

Sábia, Alzeni arrematou, como se diz no interior: "Quando ônibus chegar no horário, quando eu entender de computador, quando político se preocupar com o povo, estarei velhinha, aposentada e sentada em casa na frente da televisão, não virei trabalhar, vou olhar netos e bisnetos. Ônibus no horário e transporte decente para pobre só na cabeça de quem vive enganando trouxa".

Sábia Alzeni que me conta que o ônibus, que a traz de manhã, para no ponto quando quer. Ou quando não está superlotado. O ônibus passa quando lhe dá na telha. Ela entra e jamais se sentou nestes 18 anos em que trabalha conosco. Vem sempre em pé, socada. Amassada, empurrada, recebendo cotoveladas, empurrões, safanões, puxões, repelões, palmadas, pancadas, piparotes, colisões. Como Cristo atravessando a Via-Sacra (Afinal, hoje é Sexta-Feira Santa).

Ela é jogada dentro do veículo por braços que a forçam a subir. Ela está num lugar e vai sendo levada para outro, até se ver amassada, com falta de ar, sufocada. Por que nossos "modernos" ônibus têm janelas que um abre, o outro fecha, um terceiro reclama, o quarto xinga do golpe de vento, o último diz que vai morrer sem poder respirar? Ar condicionado? Para pobre? Pobre fica gripado com ele.

Pisam nos pés, cutucam, dão beliscões, essas viagens são assim, mas quem comanda os transportes não sabe. Nunca um prefeito, vereador, secretário de transportes, seja quem for esperou num ponto, viajou num ônibus. Nem me falem em horários de pico, todos os horários são de pico. O transporte é uma calamidade, assim é que se trata o usuário, os que trabalham e chegam exaustos, exangues, moídos, prostrados, arfantes, extenuados, esgotados, esbaforidos. Sucumbidos. Pedir produção a essa gente? Prometer horários? Olhem aqui se tem guaraná nos meus olhos! (Só quem é caipira vai entender esta).
 
06 de abril de 2012
Ignácio de Loyola Brandão
 
 

ACUADO PELO CHATO

Millôr Fernandes e Chico Anysio morreram quase juntos, com poucos dias de diferença.

Senti-me tentado a seguir junto com eles. Por verossimilhança.

Alguém escreveu que era amigo íntimo de Millôr Fernandes. Fui perguntar-lhe, então, o que devolvia quando trocava ideias com Millôr.

Lendo Millôr é que eu fiquei calculando quanto me falta ainda para me tornar um gênio.

Um tipo de chato muito corrente em festas ou restaurantes: o sujeito que fica arregimentando as pessoas na mesa para posarem para uma foto.

O chato enveredou com duas crianças pela mão em minha direção e disse com aparente gentileza: “Eu sei, Sant’Ana, que tu estás almoçando, mas eu vou te incomodar. Quero que assines aqui nestas folhas 12 autógrafos para parentes nossos que são teus fãs e vão vibrar com essas recordações”.

Perguntei: “O senhor quer que eu pare de almoçar para assinar 12 autógrafos, se entendi bem?”.

E o chato: “Não exatamente assim, para não te sacrificar, podes continuar almoçando e entre uma garfada e outra vais assinando os autógrafos”.

Um amigo me ensinou um antídoto contra chatos: quando o chato estivesse se aproximando de mim, eu tiraria o celular do bolso e fingiria que estava falando no aparelho.

Da primeira vez que tentei, o chato, enquanto eu fingia que falava no celular, ainda disse: “Eu espero que tu fales e em seguida a gente conversa”.

Por via das dúvidas, continuei fingindo que telefonava. E demorei no fingimento.

O chato foi buscar uma cadeira e abancou-se do meu lado.

Até que desisti e larguei o telefone.

O chato então me atacou de vez: “Como o assunto que tenho contigo é importante, peço-te que desligues o telefone para que não sejamos novamente interrompidos”.

Admitido a uma confraria de que faço parte, na semana passada, Ibsen Pinheiro disse em meio ao discurso: “Admito que sou muito inteligente, como vocês estão dizendo. Eu sou brilhante, sou excepcional, vocês estão repetindo aqui. Mas gênio é este aqui que está na minha frente, Paulo Sant’Ana”.

E depois explicou que todo gênio é mercurial, tem picos de genialidade, mas é capaz também de produzir absurdos.
 
06 de abril de 2012
Paulo Santana

APENAS UM PREFEITO


A pior maldição de São Paulo é seu gigantismo. Por mobilizar um dos maiores orçamento da União, administrar a cidade parece não ser mais algo que tenha valor em si.

Ao contrário, São Paulo é apenas uma passagem, seja para voos mais altos, como a Presidência da República, seja para a utilização de seu peso político na construção de novos partidos, seja para a luta pela construção de hegemonias partidárias.

Há tempos a população paulistana não tem um prefeito, apenas um prefeito -alguém que queira simplesmente administrar a cidade e debruçar-se não sobre as taxas de juros do Banco Central ou dos grandes problemas do país, mas sobre o trânsito infernal da avenida Brasil ou a falta de bibliotecas na periferia.

Não por outra razão, a cidade nunca é referência quando se discute soluções urbanas inovadoras. Não há mais pensamento urbano em São Paulo -isto porque não há um poder público capaz de incentivá-lo e implementá-lo no interior de uma ação integrada de planejamento.

Do ponto de vista da criatividade referente à vida nas grandes metrópoles, São Paulo é uma cidade morta. Seus fios elétricos expostos, seus semáforos que não funcionam e seus ciclistas atropelados lembram como ela está parada no tempo, como alguém que parece desconhecer seu próprio tamanho.
Colabora para isso o fato de, nos últimos anos, o morador da metrópole ter sido obrigado a conviver com a mediocridade administrativa travestida de autossatisfação.

Enquanto as pesquisas eram unânimes em mostrar o descontentamento profundo da população com a metrópole, a ponto de vermos pesquisas em que a maioria dos habitantes afirmava querer simplesmente mudar de cidade, éramos obrigados a ouvir o atual prefeito dizer que daria para si mesmo nota dez. Há de perguntar-se quem precisa de tanta insensibilidade no cerne do governo.

De fato, é difícil para qualquer cidade sobreviver depois de uma série de prefeitos como Jânio Quadros, Paulo Maluf, Celso Pitta e o atual.

Não por acaso, eles representam momentos do desenvolvimento do mesmo grupo político, com concepções muito parecidas para a cidade. Todos eles (à parte Celso Pitta, cuja carreira foi destruída por escândalos de corrupção) entraram na prefeitura olhando para outros mares.

Por isso, a única coisa que a população paulistana pede nessas eleições é que os candidatos mostrem querer realmente administrar a cidade, ter ideias factíveis e detalhadas, do tamanho da real dimensão dos problemas brutais que vivemos no cotidiano.
06 de abril de 20122
Vladimir Safatle

O SISTEMA SE DIVERTE


RIO DE JANEIRO - Há dias, em São Paulo, um grupo de "artistas" despejou 200 litros de tinta no cruzamento da avenida São João com a rua Helvétia, no centro. Ao passar sobre as poças, os carros espalhavam a tinta e deixavam rastros verdes, vermelhos, amarelos e azuis. Os que vinham atrás eram respingados e também saíam imundos. A sinalização do asfalto desapareceu, o caos se instaurou e ninguém achou graça naquilo.

Semanas antes, revelou-se que as pichações com letras de sete metros de altura que têm aparecido em paredes, viadutos e túneis da cidade estão sendo feitas com extintores de incêndio cheios de tinta, não mais com os já ingênuos sprays. Ao aplicar os grandes jatos, as letras escorrem como nos cartazes de filmes de terror. Os pichadores alegam se inspirar em "artistas" de Nova York, Londres e Paris.

O objetivo é "protestar contra o sistema". No primeiro caso, disse um dos lambões, ele está "manifestando seu descontentamento" pelo fato de São Paulo ser uma cidade "cinza e fechada e as pessoas não conversarem entre si". Olha só. No segundo, o protesto não fica claro, porque os garranchos dos extintores não fazem sentido. Mas a ideia é "incomodar o sistema", segundo um manifestante -e, se o sistema não se incomodar, eles "não vão mais fazer".

Não sei o que o sistema pensa desses protestos (os donos dos lava-rápidos adoraram, porque tiveram muito mais carros para lavar), mas não conheço ninguém do "povo" -a pior vítima do sistema- a favor dessa agressão a prédios e ruas. Por ironia, quem admira os vândalos e os chama de "artistas" é justamente o sistema, do qual os críticos de arte, historiadores, curadores de museus e galeristas fazem parte.

Só espero que, com tanto estímulo oficial ao protesto, os meninos não resolvam radicalizar implodindo o MASP.
 
06 de abril de 2012
Ruy Castro
 
 

PÁSCOA


A velha colocou as quatro cabeças, em linha reta, por sobre uma pedra redonda; todos esboçavam sorriso

Duas crianças amarradas. Choravam. Nuas, sentiam frio. As cabeças doíam porque estavam meio abertas por pancadas que recebiam de vez em quando.

O bando se ocupava com o cotidiano. Bater aos pouquinhos na cabeça de suas vítimas era um modo de preparar o cérebro para ser comido. Assim garantiam que estariam macios ao toque dos dentes.
Duas mulheres se acariciavam e se lambiam uma a outra, enquanto o filho de uma tentava em vão penetrar uma delas.

Três homens chegavam ao lugar onde viviam e traziam consigo outras duas crianças, duas meninas arrastadas pelo chão.

Gritaria e felicidade. Precisavam de quatro crianças. O jantar estava próximo. A fome era um desconforto profundo. Eles se perguntavam, às vezes, o porquê de sentirem fome. Não seria mais fácil a vida tranquila das pedras? Quando aquela dor invadia suas barrigas, as boas sensações desapareciam em meio a vontade furiosa de mastigar alguma coisa.

Sentiam uma estranha sensação de que o céu acima era poderoso, assim como a água que despencava dele. Olhavam horas para o céu, mas nenhuma voz saia daquela imensidão vazia.

Uma menina chupava os dedos sujos do próprio sangue que escorria entre suas pernas.
Outras crianças assistiam àquele gesto que já se tornara como que um hábito. Meninas faziam aquilo enquanto o velho estranho, dado a gritar, andava ao seu redor fazendo gestos com as mãos, que repetia o gesto da menina.

Em círculos, outras meninas começam a repetir o gesto da primeira, até que todas estivessem sangrando. Meninos, parados, devorados por um interesse estranho naquilo tudo, de vez em quando, corriam até o círculo das meninas e tentavam lamber o sangue delas também. Pedras jogadas por mulheres mais velhas expulsavam os meninos dali.

De vez em quando, meninos e meninas se lançavam contra as duas crianças amarradas, tentando cortar pedaços delas, mas os mais velhos as seguravam. Eles precisavam entender que apenas quando caísse a escuridão do céu eles comeriam uma parte delas, e, mesmo assim, sendo aquele dia um dia especial -porque comeriam a carne de animais iguais a eles-, a ceia demoraria mais do que o normal porque a morte seria lenta, a fim de garantir que a carne do cérebro estaria macia.
Um pouco distante da fogueira grande, mulheres preparavam uma placa de pedra e a lavavam com sangue de animais mortos no dia anterior. Os três homens colocaram as duas meninas junto às outras duas crianças. Foram buscar água e lavaram as mãos, depois se aproximaram do velho estranho dado a gritar. O velho fez um gesto com a cabeça e deu para eles três pedaços de madeira pintados de uma tinta amarelada.

Os três homens voltaram para as quatro crianças amarradas, pintaram elas com a mesma tinta e começaram a bater na cabeça das quatro, uma de cada vez, e cada vez um deles, ritmados e numa perfeição harmônica que fez todos ali pararem para assistir.

Silêncio absoluto. Fora os gemidos das quatro vítimas. As duas primeiras crianças já não choravam. Enquanto os três continuavam a bater ritmadamente na cabeça das duas crianças recém-chegadas, quatro mulheres se puseram a cortar o pescoço das duas primeiras, enquanto outras mulheres colhiam o sangue que jorrava do pescoço em cascos de frutas arredondados.

Já dentro da noite, todos permaneciam em silêncio enquanto as mulheres terminavam de cortar o pescoço das duas últimas e escorrer o sangue. Em seguida, uma velha munida de uma pedra muito fina, arrancou o cérebro das quatro cabeças pela base do crânio, numa destreza maravilhosa. Todos esboçavam um sorriso de emoção diante daquela habilidade.

Ao final, todos ao redor da pedra comeram um pedaço do cérebro das crianças (começando pelos mais velhos até os mais novos, mesmo os bebês), primeiro das duas mortas, depois das duas últimas. Beberam o sangue das quatro.

Os homens pegaram os quatros corpos sem cabeça e enterraram a distância de suas moradias. A velha colocou as quatro cabeças em linha reta por sobre uma pedra arredonda, e lá ficou por horas, como que meditando sobre o sentido da vida.
06 de abril de 2012
Luiz Felipe Ponde