terça-feira, 27 de setembro de 2011

EDUCAÇÃO É COMO MESA PARA A ESCADA

Alguma vez você já parou para pensar que valores motivam ações? Não estou falando da campanha do Betinho não: estou falando da vida rotineira de qualquer um de nós – homo erectus, homo tortus, homo agrárius, homo criminosus, homo lattes, homo lavamaisbrancus…

"olha o que você fez: mau designer, mau designer" "que cretino! Ô Bob, você nunca vai conseguir educar ele desse jeito. Você tem que pegar ele no ato!"

Vejamos um exemplo mais próximo de mim: o homo lattes. É uma tribo interessante de homo: pergunte o que ele faz e a resposta será “mestrado”, “doutorado”, “pós-doutorado” ou uma variação disso. No seu cérebro aquela pergunta se converte em algo como “Em qual degrau você está dA Escada?”. Quando a resposta vier do tipo “eu estudo os efeitos de x em…” ou “eu pesquiso as conexões entre y e…” com cenho franzido de quem tenta traduzir uma língua exótica, você pode ter certeza de que está em presença de um deslocado da comunidade dA Escada. O homo lattes é um homem de títulos.

O homo lattes olha com desdém os membros deslocados dA Escada. Alguns desses deslocados são dignos de pena: eles ficam por anos e aaaanos tentando subir os Degraus com uma manobra esquisita que só dificulta a subida – são um tipo demente de quem é melhor ficar longe. Mas alguns deslocados dA Escada alcançam os degraus mais altos muito rapidamente. Esses devem ser odiados, pois decerto vêm de uma família que está nA Escada por gerações, e com toda certeza, eles jogaram uma corda pra ele. Ou então esse deslocado vem de uma das poucas famílias com acesso a helicópteros: com certeza eles deram uma carona ao deslocado para o topo dA Escada.

O homo lattes não vê diferença entre títulos: são equivalentes gerais, como disse Marx sobre a moeda. Assim como uma mesa é uma mesa, igual a qualquer mesa por sua função, independente da arte que se use para fazê-la. Ele só vê função, e essa função é ao mesmo tempo seu valor de uso e seu valor de troca. De seu ponto de vista uma mesa cuja feitura usa tecnologias de materiais que demoraram séculos para serem desenvolvidas e conceitos de design que tem uma história bonita, ou uma mesa que é feita toda a partir de uma brilhante estratégia de engenharia desenvolvida por alguém brilhante que teve que esculpir demoradamente peça por peça é uma pura perda de tempo e recursos, pois não é diferente de uma mesa feita com uma tábua e 4 paus colados com pra quê prego: estando firme é funcional – é uma mesa como as outras.

Como dizia um outro motoqueiro (1), um indivíduo só pode compreender sua própria experiência (e avaliar as possibilidades de seu próprio destino) entendendo sua posição na história, em sua cultura e em sua classe. O espírito dA Escada não surgiu do nada: suspeito que surgiu da FAPESP, uma entidade de uma só vez terrível e magnífica, como o Deus de Abraão (2).

A ética lattes, é uma ética classe-média. Como qualquer outro homo classe média (mesmo os não lattes), o que ele quer na vida é continuar a ser classe média (diferente das várias tribos de homo miserabilis, que querem ser outra coisa). Educação é como a mesa – tem essa função: Por meio dela ele ganha as ferramentas para sua subsistência como membro da classe. Faz parte dessa ética a noção de self-made-man. Essas tribos de homo frequentemente não vêem que a sua posição financeira e familiar classe média constituem um chão pelo qual é possível chegar À Escada. Mas eles são capazes de enxergar – e com um ressentimento de classe já suspeitado por Nietzsche (3) – que os membros dA Escada oriundos da tribo homo abastadus abastadíssimus trazem consigo no mínimo um tênis ergonômico (daqueles feitos pra aumentar o seu impulso) quando chegam À Escada. Com que tecnologia eles construíram a sua mesa não importa: essas noções sucumbem frente ao ódio de classe.

Mas a minha preocupação é com o homo miserabilis. O espírito das discussões políticas de nossa época sai da tribo lattes, que é classe média. Há membros dessa tribo que ao invés de subirem A Escada, sobem A Folha (ou outra instituição dessa Árvore aos pés dA Escada: Veja, alguns dos pertencentes À Escada não deixam nunca de cuidar dela, Isto É, regá-la, colocar fertilizante e de jogar um pouco de sua luz nA Árvore, para alimentar aqueles homo que como lagartas crescem, e viram lindas borboletas, algumas vezes voando para o lindo Exterior).

E o homo miserabilis? O homo lattes realiza um supremo sacerdócio – sacrificado pra caramba – de tentar fazê-lo entender que ele é feio – feio mesmo, mas muitos miserabilis são cabeça-dura. Não se trata apenas de uma estética do visível (claro que muitos dos miserabilis não são zarcos, nem bem tratados, às vezes torcem pro Corinthians e faltam-lhes uns dentes (4) sua estética equivocada não é A Estética que aparece impressa nAs FolhaS).

Mas, para além disso, trata-se de uma questão mais profunda: muitos deles não são dotados da capacidade que lhes permite ler A Árvore, e isso é por culpa deles mesmos, da forma que se portam nA Vida. A Vida é dura, e pra eles subirem nA Vida eles precisam penar, como penaram os que subiram nA Escada, e a via destes sacros suplícios é a educação, ou seja, conseguir galgar pelo menos a escadinha que chega no chão que leva À Escada.

A Vida é dura. E os membros da classe que subiu A Escada entendem que tanto a escadinha como A Escada são suplícios que justificam que os que passaram por elas com sucesso são uma espécie de santos e devem ganhar salários no mínimo umas vinte vezes maiores que aqueles que nem a escadinha conseguiram galgar (5), como compensação justa por seus esforços nA Vida.

Mas o homo miserabilis, em especial o brasiliensis, apesar de muitas vezes concordar com o homo lattes, é um Macunaíma preguiçoso que tem que aprender uma lição dura: é nada mais nada menos que o justo que o homo classe- média brasiliensis pague ao miserabilis por semana menos do que a metade do que o homo classe-média gasta no supermercado comprando fandango e barrinha de cereal por semana, para que ele limpe o chão da habitação do homo classe-média brasiliensis (e lave sua privada).
Valores motivam ações e ele age assim todo dia.
O homo médiaclasse brasiliensis sabe da existência do homo trabalhatoris europeu e canadensis, por exemplo, e que é diferente do miserabilis: é uma coisa briguenta, dada a passeatas, coisa que ele não compreende nem gosta.
O homo classe-média brasiliensis é um pacifista de ocasião: ele sabe que na sua tradição de pensamento brasiliensis, que é herdeira tanto de Aristóteles quanto de Miranda de Azevedo (ver a partir de pag 89), o mundo é muito mais claro do que querem esses membros deslocados dA Escada, e que A Vida é pão pão, queijo queijo (apesar de que o queijo não é considerado essencial por ele, pelo menos não como ingrediente necessário na mesa do miserabilis).

Notas:

(1) Wright Mills, sociólogo deslocado. Em sua produção militante imaginava ser a Imaginação Sociológica a capacidade que traria ao homem forças e ferramentas para modificar suas condições de existência, um dos últimos e mais valiosos frutos do iluminismo, portanto, junto com os teóricos da escola de Frankfurt. Diz-se dele que era uma figura, andava de jaqueta de couro na sua Harley Davison, e foi impedido pelas estruturas da universidade de ter seguidores (orientandos). Seus livros, no entanto, (assim como sua audácia), foram um grande sucesso de público e inspiraram várias gerações de sociólogos. “Outro” motoqueiro, por que como motoqueira e socióloga, quando penso nele me sinto em boníssima companhia. Um dos meus amigos imaginários mais queridos.

(2) O Deus de Abraão pediu-lhe que oferecesse seu único filho em holocausto como prova de amor (ao Deus, não ao filho). Mais sobre os desenvolvimentos disso, sugiro “Temor e Tremor” de Kierkegaard, que é leitura apaixonante. Nada me tira da cabeça que, impedido pelo anjo de sacrificar seu filho, Abraão não deixa de ser um assassino.

(3) Pela idéia da transvaloração dos valores, Nietzsche procura desvendar o alicerce do interesse material e de classe, poderia-se dizer, que está na base dos valores passados às verdades da filosofia. É o primeiro filósofo anti-filósofo a inaugurar em sua própria disciplina estudos críticos sobre a mesma. Segundo ele, a transformação de conceitos políticos da prominência (e, portanto, podemos ler, de dominação) num conceito psicológico é regra. É assim que ele analisa o surgimento, desde sua etmologia, dos conceitos de bem e mal. Assim como ocorre com sua análise da moral de raiz judaica – que contém elementos de uma vingança simbólica de um povo vencido – creio que é possível olhar da mesma forma para a noção da classe média acerca de educação como um bem (tanto como justificadora de seu status, e como remédio para a pobreza brasileira, que parece querer dizer que quando todos os pobres tiverem estudado deixarão de ser o que são para se tornarem como eles – classe média – não levando em conta e mesmo sendo contrários às políticas distributivas que visam atingir o que poderíamos chamar de estruturas sociais da pobreza). A noção de educação que vem da classe média é vingativa tanto contra as classes mais baixas quanto contra as classes mais altas, onde é possível perceber o seu ressentimento contra aqueles mais poderosos que triunfam justo em seu bosque, que é a academia.

(4) Circulava nos anos 90 um questionário que um povo achava muito muito engraçado pra ver se você é mesmo corintiano. Uma das questões era se lhe faltavam dentes. Fui vítima do mesmo questionário, aplicado por alguém de quem deixei de ser amiga na mesma data, para saber se eu era mesmo petista. A mesma pergunta constava, Mas não consigo recordar, tanta a emoção, se me perguntava também se algum dedo me faltava.

(5) A educação pela dureza, na análise de Adorno em “Educação após Auschwitz”, aponta para a tendência de os duros consigo mesmos se acharem no direito de serem duros contra os outros e de se vingar dos outros pelos sacrifícios pelo qual passou. A análise de Adorno acerca do totalitarismo também não caberia ao caso brasileiro? Para muitos membros da classe média educação é vista como sacrifício necessário (e raramente como gozo), capaz de justificar a diferença entre aqueles que foram capazes de se submeter a ela (e duros consigo mesmos, perseveraram) dos macunaímas que “fugiram” a ela (não o bastante duros consigo mesmos, são seres humanos menos merecedores dos louros).


Postado por Flavia em Ideologia no dia 18 de April de 2009

A GRIPE SUÍNA, O PÂNICO E O TERROR COMO INSTRUMENTOS DE CRESCIMENTO DE UM NOVO LEVIATÃ DA SAÚDE

Por que eu não escrevo sobre a gripe suína:

Muita gente (a classe médica em especial) fica falando por ai que a internet não é fonte confiável, e que os pacientes não tem o nível necessário para separar o joio do trigo. Sugiro a leitura desta página em que a classe médica dá asas ao seu imenso preconceito contra pacientes que tentam ser mais informados do que eles e uma olhada neste texto para contrabalancear.

Puro preconceito e charlatanice:

1. quantas vezes você foi ao médico e ele puxou aquela tabelinha colorida (isso é fornecido pela indústria farmacêutica) pra te receitar algo?
Comigo foram muitas. Após não olharem o meu fichário onde eu trazia o histórico dos receituários de outros médicos todo organizado cronologicamente, não ouvirem o que eu dizia, receitavam aquilo mesmo que não tinha funcionado, por que a única coisa que esses, com o perdão da palavra, filhos-da-puta levam em consideração é que O PACIENTE está mentindo (ou seja, que ele não usou o medicamento).

Com base nessa única hipótese (muito científica, não? até Francis Bacon dizia que não se pode resolver um problema com uma única hipótese, o que diria Popper disso…) e a tabelinha eles me mandavam passar o medicamento que eu dizia que não ia mais passar, pois sabia que o uso prolongado iria me causar glaucoma (ah, sim, isso estava na BULA do medicamento, não era preciso ir à internet para ter acesso à essa informação, e com base num risco registrado, medido, e calculado de que o uso prolongado do medicamento traria e o desconhecimento evidente do mal verdadeiro por conta do médico, eu preferia, muito defensavelmente, o risco calculado).

O que eu quero dizer com isso? Que o médico médio que te atende é sim um Zé Mané, um Bronco (há, sim, excessões honrosas), que não entende de porra nenhuma e baseia seu diagnostico em uma tabelinha cuja intenção nunca foi sarar doenças (a tabelinha visa vender medicamentos e transforma o médico mané no seu vendedor). O medico médio não passa de um vendedor, com diploma, tanto de medicamentos, quanto de seguros médicos – mais sobre isto a seguir.

Portanto, eu retorno à questão: o problema é o paciente que tenta se informar, ou o médico que é mané, e cuja autoridade está baseada num diploma que ele pendura na parede, e ele acha que isso basta, tanto que usa a tabelinha na maior? (na verdade ele, se fosse cientista ao invés de vendedor, deveria usar de métodos de investigação – mais sobre este fenômeno aqui).
Por isso que as pessoas tentam se informar como podem – pois sentem exatamente isso na sua relação com o medico médio: que não estão sendo tratados por alguém que leva o seu problema a sério, e têm toda a razão em achar isso.

2. Então vamos ao problema das fontes: onde conseguimos nossa informação. Existe, de modo geral, umas quatro fontes “primarias” para o cidadão em geral:
1. a publicação cientifica,
2. a Wikipédia,
3. a bula,
4. o jornal.
Vamos examinar isto mais de perto.

A publicação cientifica normalmente vem de pesquisas que receberam um monte de dinheiro público, mas seus resultados não são acessíveis, a não ser que você pague em dólar, com seu cartão de credito internacional. Está começando a achar que há um grande absurdo na coisa? Então se segure, pois maiores absurdos ainda estão por vir.

As mesmas questões que podem ser levantadas na questão do diploma para jornalista se encontram aqui. Obviamente que para medicar é necessário uma formação especializada, mas a insistência da classe médica em tratar todo e qualquer paciente como um BURRO tem antes razões de corporativismo que razões de capacidade de leitura. Em outras palavras, apenas os sacerdotes podem ler as escrituras sagradas, e isso a classe médica quer manter assim. O fato de que as fontes mais apropriadas de leitura não sejam lidas pelo publico em geral nada tem a ver com a capacidade que esse público tenha de lê-las, mas com uma reserva de mercado profissional e com restrições a esta leitura (pois estes documentos se encontram fechados, inacessíveis ao publico).

Além disso, o fato (ou a tendência) de que os médicos sejam o único público autorizado a ler estas escrituras sagradas não garante (pesquisa citada acima) que eles as leiam. Como eu disse, o médico médio é (mil desculpas pela linguagem chula) um Zé Mané, um pobre coitado comparável ao professor primário que está no sistema de escolas públicas e não tem melhor formação por que não tem nem tempo nem dinheiro e nem uma melhor formação revertera em melhores salários.

A partir da década de 80, a entrada das companhias de seguro no ramo médico no Brasil (as assistências médicas privadas) realizou o seguinte: primeiramente, o pagamento dos seguros-saúde (Golden Cross, Blue Life, etc) era tão melhor que o pagamento particular e do governo (que já estava sob um processo de sucateamento muito mais antigo) que todos os médicos (e também os pacientes) correram para fazer parte das carteiras (de investimento) dessas empresas.

Quando, por volta do fim dos anos 80, início dos 90, não havia mais médico nem paciente fora das assistências particulares, essas empresas tiveram na mão tanto o oligopólio (o grupo de empresas era o único vendedor do serviço médico para o público de pacientes) quanto o oligopsônio dos serviços de saúde (as mesmas empresas eram os únicos compradores do serviço dos médicos). Quando isso ocorreu, essas empresas puderam fazer o que empresas nesta condições fazem: super-explorar as duas pontas – médicos e pacientes.

Para os médicos de hoje, isso significa trabalhar sem parar, correndo da clínica para o hospital e cronometrando seu tempo de consulta (isso te lembra professor de rede pública?). Esses pobres coitados nem lêem a bibliografia especializada, nem realizam bem seu trabalho cronometrado, e são esses Zé Manés, coitados, que são entrevistados pela segunda fonte de informação disponível ao público em geral: os jornais.

Fica claro que a questão da proteção destes profissionais tem a ver com as condições necessárias para a boa realização de suas tarefas mais do que com a proteção de diplomas (o mesmo vale para o jornalismo, como bem sabemos).

Estes médicos, jogados nessa condição, neste contexto, são sim, uns pobres coitados que dependem das tabelinhas fornecidas pela indústria farmacêuticas e não tem a mínima autoridade em assuntos de saúde pública e pandemias como é o caso da gripe suína. São eles (suspeito) os entrevistados pelos jornalistas, que recortam suas falas de uma maneira que tem a ver mais com o jornal como mercadoria que com o interesse publico.

Então entramos no problema dos jornais. Não é preciso muito para explicar que eles entrevistam o medico médio (este ser humilhado pelas grandes empresas que age para com o conjunto de pacientes como a Alemanha humilhada após a primeira guerra agiu para com o grupo de cidadãos em seu território identificado-os como um outro indesejado – judeus, negros, deficientes, homossexuais, comunistas, idosos, and the like – neste caso identificando o paciente que tenta se informar como uma ameaça ao seu pouco tempo, como um ignorante imbecil que não usa os medicamentos que ele receita e como algo que deveria ser desinfectado do sistema, pois ele lhe toma muito do seu tempo cronometrado).

Então vejamos um pouco do que um site especializado em disponibilizar informações de graça para profissionais das áreas médicas tem a dizer sobre a gripe suína.

•Grupos de risco: crianças, mulheres grávidas e amamentando, idosos e adolescentes.

•A gripe comum mata 92 crianças por ano nos EU.

•Crianças: este é o grupo de risco mais afetado

tudo isso aqui (você vai precisar se inscrever no site para ter acesso, que é gratuito)

Comentário: A gripe suína parece ter uma taxa de mortalidade muito menor que a gripe comum, analisando-se a faixa infantil, que é a mais afetada pelas gripes em geral.

Antes de continuar, eu gostaria primeiramente de esclarecer o significado do palavrão “pandemia”, que vem gerando todo tipo de pânico, através do sensacionalismo midiático.

Pandemia

Chama-se pandemia um fenômeno que contenha estas 3 características juntas: 1. uma doença que ataca seres humanos e 2. nova e 3. que se espalha com facilidade e se mantém sustentável (o que quer dizer que ela não some sozinha).

Vamos analisar estes parâmetros: pandemia não quer dizer que um monstro, sinal do apocalipse, chegou para exterminar a raça humana da face da terra em mais ou menos dois minutos contando de agora.

É uma doença que se espalha rapidamente. Isso quer dizer que se uma criança morreu de complicações com gripe suína, esse vírus está espalhada por uma população (para ser classificado como pandemia tem que ser uma doença que se espalha facilmente, digo doença e não vírus, pois a obesidade pode caber em pandemia e se espalha de forma diversa, não por contaminação, como os vírus).

Como poucos casos (em termos populacionais), tanto aqui, como no México, nos EU, no Canadá, etc, foram diagnosticados, podemos entender que uma pequena minoria daqueles que se contaminam com o vírus realmente desenvolve sintomas fortes o bastante para procurarem os médicos que registram estes dados junto aos órgãos de saúde mundialmente interconectados (que é a forma como são gerados os dados das organizações mundiais).

As complicações em geral vêm de um sistema imunológico que não está no seu grau ótimo – decorrente de idade, nutrição, etc – e, em geral, do desenvolvimento de bactérias oportunistas – bactérias presentes em todos os lugares e que normalmente não levam à morte. Assim como o HIV não leva sozinho à morte, o H1N1 tão pouco.

Para concluir, inventemos o vírus-qualquer-hipotético, que tem o efeito de fazer com que as pessoas sorriam mais, e digamos que ele se espalha facilmente. Se ele se espalhar pela população humana mundial ele pode ser classificado como pandemia. O que é muito diferente de dizer que o vírus tem virulência alta.

Virulência

Diz-se que um patógeno (causador de doença) é virulento, pelo grau de facilidade com que o patogeno causa doença (sintomas ruins no seu corpo). Segundo o grau de severidade destes sintomas – podendo, ou não, levar à morte – tem-se o grau de virulência do patógeno. Ou seja, você pode ser infectado por um patógeno (seja ele vírus, bactéria, príon – como a vaca-louca – um fungo ou mesmo um organismo multicelular como a solitária caberia na definição) e jamais ter sintomas (febre, dores, irritações, etc, e morte em decorrência disto).

Então o problema não é somente se o H1N1 (gripe suína) é pandêmico, mas se é pandêmico e de alto grau de virulência. (ao contrário, uma doença pode ter um alto grau de virulência e não se espalhar pela população, constituindo, assim, um problema médico, mas não um problema de saúde pública).

Concluindo esta primeira parte: a palavra pandemia precisaria vir acompanhada de alta virulência para justificar qualquer pânico. E creio que as pessoas estão confundindo estas duas coisas, e os jornais não ajudam, os médicos e também os pesquisadores tão pouco. Mais sobre isto a seguir.

Desde que este mundo existe, as grandes organizações se tornam grandes sob um pretexto de utilidade falacioso (não digo falso, apenas falacioso). Qual seja: O pretexto do terror. Um exemplo: Que a corrida espacial é útil para o conhecimento em geral e para o desenvolvimento de tecnologias em específico nunca foi um argumento falso. Que se adicione a isso o argumento do terror – a saber, que os vermelhos vão chegar lá antes e que isto constitui uma ameaça à segurança pública é não só o tipo de argumento que realmente angaria recursos para que a NASA cresça, mas também parcialmente verdadeiro, parcialmente falso, portanto, falacioso.

Os sistemas interligados de saúde mundial que se desenvolveram a partir do argumento de que as pandemias tem que ser diagnosticadas contém esta perversão. Que as pandemias tem que ser conhecidas é argumento razoável do ponto de vista do conhecimento das doenças e de como elas se desenvolvem no tempo na população. Para isso é necessário que se desenvolva um sistema mundial interligado que seja capaz de receber dados do médico médio (como sintomas de gripe um pouco diferentes, fora do período – season – normal da gripe comum, por exemplo, que poderiam apontar para uma nova mutação do vírus comum e ajudar nas pesquisas sobre como a mutação do vírus ocorre – o que ainda é desconhecido. A este conhecimento só é possível se chegar com dados massivos na população e no tempo, que apontem para as causas reais das mutações).

Mas não é este o tipo de argumento que angaria recursos (os recursos massivos necessários para que se estabeleça uma vigilância tolerância-zero em toda a população mundial, interligando cada profissionaleco de cada rincão do planeta ao sistema integrado, capaz de, assim, gerar os dados necessários para se conhecer sobre mutações e porque e como elas ocorrem e dar o prêmio nóbel a algum gênio de plantão). Então, o argumento que se segue é que apesar do vírus ser de baixa virulência ele poderia mutar, gerando um problema sério de saúde pública, que tem que ser prevenido, se não o apocalipse estará no horizonte.

Agora, voltemos ao problema dos jornais e como eles usam o terror que é ferramenta (para angariar recursos mundiais) desta área medico-científica de ponta de forma a angariar recursos (vender jornais) amplificando as partes mais aterrorizantes do terror. Os jornais usam o instrumento de terror científico em proveito próprio e, ao mesmo tempo, são um instrumento usado pela área de ponta científica para amplificar a grita da ameaça de que se eles não recebem recursos, o apocalipse está por vir. Não acredito que se aplique bem aqui o dito popular que ladrão que rouba ladrão tem 100 anos de perdão. Eles são mais uma máfia ou um tipo de matilha.

Quando o sensacionalismo jornalístico começou – sobre a gripe suína, especificamente, pois vimos isso antes com o ebola, a vaca-louca, o antrax (que piada) e gripe aviária, para lembrar alguns casos de sucesso de vendas de jornais e revistas – em que pé estava o sistema integrado de pesquisas de pandemia? Foi por volta de março deste ano.


“A multidisciplinary expert panel on the Human Swine Flu (H1N1) and Novel Influenza Pandemics — held at the New York Academy of Sciences, New York, NY, on May 28, 2009 — drew attention to worldwide, national, and local surveillance and preparedness efforts under way for a possible pandemic.” ver inteiro aqui

Ou seja, o pretendente-a-novo-leviatã-científico (o sistema integrado de controle de pandemias que pretende angariar recursos para crescer mundialmente) estava no seguinte pé: ameaçando nossa insanidade com a ficção-científica de que o novo vírus que pelo que eu sei (por outras leituras) nem havia sido identificado com toda a certeza como um novo vírus (naquela época ainda precisava muita coisa para que se certificasse que se tratava de vírus diferente de uma mutação da gripe comum e diferente da gripe aviária e diferente da pneumonia), pudesse estar nos ameaçando com a possibilidade aventada de que ele pudesse se tornar pandêmico. Ou seja, nem o vírus era fato, nem muito menos a pandemia, e muito menos a mutação apenas ficcional (não que seja cientificamente inválida em termos de hipótese), mas meramente ficcional de que este suposto vírus poderia não só se tornar pandêmico como também ter uma mutação e se tornar altamente virulento!

Veja bem, não estou dizendo que nada disso possa acontecer: pode acontecer, assim como pode-se inventar o teletransporte em alguns anos – e parcialmente ciência e muita especulação, que pode ou não se tornar fato, mas que tem baixa probabilidade de se tornar fato, pelo menos por enquanto. Só isso. Note-se o uso, no artigo, das palavras possible e could.

E porque eu acho tudo isto muito grave? O que eu acho realmente grave não é o fenômeno biológico, mas o fenômeno social. Fora o pânico causado na população (não vou nem citar fontes, uma pesquisa na internet revela o número de blogs que demandam que o presidente feche os aeroportos para nos proteger do apocalipse), mas fora isso, há a questão de que o terror determine para onde vão os recursos públicos da área de saúde e pesquisa e de forma irracional.

Quando as mega-agências de pesquisa se baseiam no terror para demandar recursos públicos, elas conseguem dar a volta por cima de toda uma metodologia (que, aliás, nunca foi empregada na saúde pública de forma honesta) que fosse capaz de evidenciar quais as formas de aplicação de dinheiro público trariam um bem maior para a população, ou, dito de outra forma, em que ações o dinheiro pode ser aplicado para gerar saúde mais eficientemente na população. É possível que, se tal estudo fosse feito, ficaria evidente que – hipoteticamente falando – a aplicação dos recursos mais concentrada em saúde básica e alimentação fossem capazes de evitar tanto os casos letais de gripe comum, quanto da gripe suína, além de sanar muitas outras doenças, mesmo sem a destruição do vírus (aliás, a destruição de um vírus em escala mundial é uma impossibilidade ecológica por definição).

O terror determina para onde vão os recursos no centro do sistema científico e a periferia (nóis) só seguimos a onda, devido aos parâmetros FAPESP e de outros órgãos reguladores que determinam por meio da publicação em revistas internacionais o que é ciência (e portanto, o que deve receber recursos) e o que não é, ou é improdutivo (posto que não publica nas publicações internacionais de ponta que não estão interessadas em doenças terceiro-mundistas).

Postado por Flávia