sexta-feira, 23 de abril de 2010

COISA SIMPLES

Eu já falei da poesia de Adélia Prado. E da poesia da Cora Coralina. Elas têm uma identificação: o jeito especial de olhar a vida. Porque a descoberta da banalidade, que afinal de contas é o que constrói a nossa vida do dia-a-dia, a descoberta da beleza que há na banalidade, é que nos permite desvendar os mistérios da poesia que encharca os arredores da vida, e pode nos encantar para sempre.
Uma vez encantados, seremos como os pintores que percebem matizes de cores, onde apenas percebemos o cinza...
Descubro o mistério da simplicidade poética, no jeito como Adélia Prado recorta a realidade. A gente apenas olha para a poesia da Adélia. Sentir é só uma conseqüência...

SOLAR
M. AMERICO

Minha mãe cozinhava exatamente:
arroz, feijão roxinho, molho de batatinhas.
Mas cantava.

DIA
As galinhas com susto abrem o bico
e param daquele jeito imóvel
- ia dizer imoral -
as barbelas e as cristas envermelhadas,
só as artérias palpitando no pescoço.
Uma mulher espantada com sexo:
mas gostando muito.

Encontro em Rubem Alves as palavras que escreveria, e que se tornaram desnecessárias pela escritura que ele derrama. Assim, dou a palavra ao professor e contador de histórias.

"A poesia gosta mesmo é de coisas simples. Basta uma imagem banal. A Adélia Prado é especialista em fazer poesias com insignificâncias. Quiabo 'chifre de veado'. ora-pro-nobis, tanajuras, galinhas, ovos, escamação de peixes, galinhas de bico aberto, a mãe cantando enquanto cozinhava extamente arroz, feijão roxinho e molho de batatinhas: com essas coisas ela faz poesia. Pois poesia é feito caleidoscópio: faz beleza com caquinhos de vidro. Por que é que os poetas são assim tão ligados às insignificâncias? Por que é com insignificâncias que a vida é feita. Pois eu escrevi sobre a insignificância de chupar laranjas...
O Zé, marido da Adélia, me mandou e-mail imediato lá de Divinópolis, juntando-se a minha conversa sobre os jeitos de chupar laranjas. E ele me disse que por lá os pobres também chupavam de gomo. Só que enfiavam o gomo inteiro na boca, depois cuspiam os caroços e engoliam o bagaço. Isso, por causa da prisão de ventre. Se eu escrevi e o Zé me respondeu é porque a amizade se faz com insignificâncias.
Em Minas Gerais até jeito de chupar laranjas é poesia..."