quarta-feira, 14 de abril de 2010

RECORDANDO B. BRECHT

PERGUNTAS DE UM TRABALHADOR QUE LÊ

Quem construiu a Tebas de sete portas?
Nos livros estão nomes de reis.
Arrastaram eles os blocos de pedras?
E a Babilônia várias vezes destruída.
Quem a reconstruiu tantas vezes? Em que casas
Da Lima dourada moravam os construtores?
Para onde foram os pedreiros, na noite em que
                      A Muralha da China ficou pronta?
A grande Roma está cheia de arcos do triunfo.
Quem os ergueu? Sobre quem
Triunfaram os Césares? A decantada Bizâncio
Tinha somente palácios para seus habitantes? Mesmo
                      na lendária Atlântida
Os que se afogavam gritaram por seus escravos
Na noite em que o mar a tragou.

O jovem Alexandre conquistou a Índia.
Sozinho?
César bateu os gauleses.
Não levava sequer um cozinheiro?
Filipe da Espanha chorou quando sua Armada
Naufragou. Ninguém mais chorou?
Frederico II venceu a Guerra dos Sete Anos.
Quem venceu além dele?

Cada página uma vitória.
Quem cozinhava o banquete?
A cada dez anos um grande homem.
Quem pagava a conta?

Tantas histórias.
Tantas questões.

postado por m. americo

SOMOS TODOS LEÕES

Como nunca é demais repetir, volto a dizer, que as palavras são a fonte de todos os equívocos. Pegue-se um dicionário e podemos apurar que, realmente, cada palavra, em muitos e muitos casos, apresentam mais de um significado. Conseqüentemente, fica fácil imaginar o que acontece quando estão reunidas num discurso. Passamos das palavras e seu sentido denotativo, para o campo do conotativo, para o sentido do que se pretendeu enunciar. Podemos entender a pretensão do 'discursante', de acordo com a democracia do discurso, isto é, da maneira como melhor nos convier e melhor ainda atenda as nossas convicções. Esse fato ocorre amiúde, por estranho que pareça.
Se observarmos os desentendimentos frequentes entre pessoas e instituições, facilmente comprovaremos a tese do "equívoco presuntivo das palavras."
Temos o livre arbítrio de concluir, muitas vezes até antecipadamente, as razões ainda nem concluídas do 'falante', que imaginava dizer coisa completamente diferente da interpretação sofrida.
Outra afirmação que gosto sempre de lembrar, é a de que não há melhor maneira de se tratar a 'realidade', ou as 'verdades' que organizam o nosso ritual cotidiano, senão observando-as através da lente do humor inteligente, que está sempre a um passo da ironia socrática e do sarcasmo. De um modo quase geral, tratar a realidade com seriedade é tarefa para poucos, que normalmente beiram o cinismo ou a absoluta abnegação.
A mais ingênua das parábolas pode engendrar uma discussão homérica, assim como a fábula nem sempre consegue alcançar a transparência do seu objeto, tantas são as interpretações.
Por essas e por outras, sou um admirador inconteste do Millôr Fernandes, que considero o maior filósofo da terceira margem, um grande fabulista, e de quem trago uma pequena fábula para o nosso deleite filosófico:

O REI DOS ANIMAIS
Saiu o leão a fazer sua pesquisa estatística, para verificar se ainda era o Rei das Selvas. Os tempos tinham mudado muito, as condições do progresso alterado a psicologia e os métodos de combate das feras, as relações de respeito entre os animais já não eram as mesmas, de modo que seria bom indagar.
Não que restasse ao Leão qualquer dúvida quanto à sua realeza. Mas assegurar-se é uma das constantes do espírito humano, e, por extensão, do espírito animal. Ouvir da boca dos outros a consagração do nosso valor, saber o sabido, quando ele nos é favorável, eis um prazer dos deuses.
Assim o Leão encontrou o Macaco e perguntou: "Hei! você aí, macaco - quem é o rei dos animais?" O macaco, surpreendido pelo rugir indagatório, deu um salto de pavor e, quando respondeu, já estava no mais alto galho da mais alta árvore da floresta: "Claro que é você, Leão, claro que é você!"
Satisfeito, o Leão continuou pela floresta e perguntou ao papagaio: "currupaco, papagaio. Quem é, segundo seu conceito, o Senhor da Floresta, não é o Leão?" E como aos papagaios não é dado o dom de improvisar, mas apenas o de repetir, lá repetiu o papagaio: "Currupaco... não é o Leão? Não é o Leão? Currupaco, não é o Leão?"
Cheio de si, o Leão prosseguiu em busca de novas afirmações de sua personalidade. Emncontrou a coruja e perguntou: "Coruja, não sou eu o maioral da mata?" "Sim, és tu" - disse a coruja. Mas disse de sábia, não de crente. E lá se foi o Leão, mais firme no passo, mais alto de cabeça. Encontrou o tigre. "Tigre, - disse em voz estentor - "eu sou o rei da floresta. Certo?" O tigre rugiu, hesitou, tentou não responder, mas sentiu o barulho do olhar do Leão fixo em si, e disse, rugindo contrafeito: "Sim". E rugiu ainda mais mal humorado e já arrependido, quando o leão se afastou.
Três quilômetros adiante, numa grande clareira, o Leão encontrou o elefante. Perguntou: "Elefante, quem manda na floresta, que é Rei, Imperador, Presidente da República, dono e senhor de árvores e de seres, dentro da mata?"
O elefante pegou-o pela tromba, deu três voltas com ele pelo ar, atirou-o contra o tronco de uma árvore e desapareceu floresta adentro. O Leão caiu no chão, tonto e ensangüentado, levantou-se lambendo uma das patas e murmurou: "Que diabo, só porque não sabia a resposta não era preciso ficar tão zangado!".

MORAL: CADA UM TIRA DOS ACONTECIMENTOS A CONCLUSÃO QUE BEM ENTENDE...

M. AMERICO