domingo, 4 de abril de 2010

RÓTULOS

Li Gertrude Stein faz muito tempo. Quando ela escreveu o seu poema: "Uma rosa é uma rosa é uma rosa", causou um 'frisson' no mundo literário. Mais ou menos o que aconteceu com a 'pedra' do Drummond ("No meio do caminho havia uma pedra, havia uma pedra no meio etc...etc...etc...).
Gertrude não define, não diz nada, nada é acrescentado... Nada na verdade foi dito! Gertrude apenas desvela...
Mas, sai das sombras alguém e pergunta: "Por que você escreveu isto? Sabemos todos que uma rosa é uma rosa é uma rosa! Não há sentido no que você escreveu! Não acrescenta coisa alguma ao nosso conhecimento, e menos ainda a rosa!"
Stein respondeu: "Os poetas falaram de rosas por milênios. Todos leram e cantaram as rosas em muitos cantochões, e a palavra rosa deixou de ser uma rosa, perdeu a sua 'rosicidade', o que tira da palavra "rosa" o seu sentido conspícuo, o que faz da palavra "rosa" coisa nenhuma! Por isso eu tenho que repetir que "uma rosa é uma rosa é uma rosa", para que você acorde do seu profundo sono, e reconheça uma rosa.
(Esclareço que esse diálogo é imaginário. G. Stein foi apenas esculachada pelos críticos de plantão, mas jamais lhe perguntaram alguma coisa, porque crítico é para criticar e G.Stein é para escrever sobre a originalidade e o mistério das palavras.).
Há uma obsessão por rotular a realidade. Não coloque rótulos! Porque se assim o fizer, a beleza escorrerá pelos seus dedos e o rótulo não permitirá que você veja a realidade das coisas. O rótulo envelhece as coisas, roubam o seu sentido original. Não rotule, pois a realidade não aceita rótulos. A realidade é um fluxo, um rio. Como disse Heráclito, você não se banha duas vezes nas mesmas águas de um rio.
As palavras denotam a realidade, como um dedo acusador! Mas a realidade é sagaz e muda a cada instante.
As palavras desgastam as coisas, mas as coisas continuam intocadas, guardando a sua essência e o seu mistério, superando a banalização.

M. AMERICO