quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

DESMONTANDO O CONLUIO DAS DROGAS

Se alguém me oferece ou pede um cigarro, respondo como sempre respondi:


         — Eu não fumo.

         Antigamente eu o fazia um tanto constrangido, quando o bonito era desafiar a proibição paterna ou dos educadores, e se exibir soltando artisticamente a fumacinha, com a elegância enfatuada dos ídolos do cinema. O exibicionismo ensaiado deles, regiamente remunerado por fabricantes de cigarros, provocava exclamações admirativas de senhoritas e senhoritos. Por imitação, estes e estas bancavam atores, com a ilusão de colecionar admiradores. Só mais tarde se divulgou que o câncer de pulmão, provocado pelo cigarro, estava ceifando a vida de muitas “celebridades” de Hollywood, sem perdoar também muitos dos seus admiradores.

         Enquanto isso eu mantinha a irredutível decisão de não fumar. Ela remonta aos meus oito anos, quando uma noite meu primo prafrentex, com quase o dobro da minha idade, ofereceu-me um cigarro já aceso, instruindo-me a dar uma tragada. Dessa tentativa frustrada só me resta a lembrança de uma horrível tosse, seguindo-se a dificuldade em conciliar o sono. Daí em diante, sempre vi o ato de fumar como uma insensatez. Aquela tosse bastou para manter longe de mim o cigarro.

         Muitas coisas mudaram desde então. A ciência associou o fumo ao câncer das vias respiratórias, e uma campanha midiática tornou respeitável, até obrigatória, a atitude do não fumante. Passou a render votos qualquer medida destinada a reduzir o consumo de cigarros. Ficou bonito não fumar, e até proibir o fumo dos outros.

         Se as minhas flechas visassem sempre proibir alguma coisa, eu poderia captar elogios usando-as para proibir a proibição. Por exemplo, apontaria algumas para quem obrigou os fabricantes a imprimir nos maços de cigarro aquelas figuras de mau gosto; levantaria o problema de desemprego dos cultivadores de tabaco; lamentaria a redução do lucro dos revendedores; criaria um saudosismo para exigir a volta de atores e atrizes tabagistas; exaltaria a importância dos altíssimos impostos sobre cigarros e bebidas alcoólicas para custear atividades indispensáveis; ressaltaria que essa caça às bruxas é uma imperdoável restrição à sacrossanta liberdade.

         Não vou fazer nada disso. Mas naturalmente a sua expectativa é que eu faça algo, então vamos ao que interessa.

         Você certamente sabe que quase todos os ídolos de rock e congêneres (este quase é apenas prudencial) são vorazes consumidores de drogas. Não o escondem, e o fato de se drogarem é um incentivo para seus admiradores embarcarem nessa canoa mortal. Da mesma forma que atores fumantes morreram de câncer pulmonar, as celebridades de hoje morrem ou se inutilizam prematuramente consumindo drogas.

Imagino que as autoridades sabem disso, embora seja comum elas cumprirem a ordem de não ver o que todos veem. Você pode lançar-me em face que as autoridades desenvolvem uma ação impiedosa e contínua contra a produção e tráfico de drogas. Vamos examinar juntos este assunto e pensar sobre ele?

Comecemos com um exemplo de área semelhante. É sabido que nos Estados Unidos o consumo de bebidas alcoólicas durante a lei secafoi maior que na ausência dela. Deve ter entrado aí a atração pelo que é proibido, mas o fato certo e constante é que, quanto mais rigorosa a proibição, mais compensadores se tornam a produção clandestina e o tráfico. Resultado inevitável da lei da oferta e procura.

Substitua bebidas alcoólicas por drogas, e entenderá que produção e comércio de drogas se beneficiam da clandestinidade. Dificultando a oferta de um produto, seu preço aumenta e ele se torna mais lucrativo. Igualzinho às bebidas alcoólicas.
Li recentemente que o tráfico de drogas “fatura” anualmente mais do que o conjunto dos laboratórios farmacêuticos de todo o mundo. Não lhe parece que uns quatrocentos bilhões de dólares são um poderoso atrativo? E não lhe parece que sobra dinheiro para comprar quem se vende?

         O consumo de drogas pelas “celebridades” atuais é um forte incentivo para seus admiradores se viciarem, daí eu levantar uma pergunta incômoda: adianta reprimir a produção e tráfico, se permanece livre a propaganda feita pelos viciados famosos? Coloque de um lado o incentivo ao consumo, por meio de fatores tão possantes como esse; de outro lado, coloque a redução da oferta, pela perseguição aos produtores e traficantes. Reduzir a oferta, e ao mesmo tempo aumentar o consumo, eis um esquema sincronizado, um binário de forças girando de modo altamente favorável aos que lucram com as drogas. Não lhe parece provável que agentes remunerados atuem em ambos os lados, obedecendo aos mesmos comandos? Se era remunerada a propaganda do cigarro feita pelos atores, por que seria diferente com as drogas?

         (Tudo bem. Então você propõe liberar o comércio de drogas?)

         Não, caro leitor, minha ingenuidade não chega a tanto. Nem proponho revogar a lei da oferta e procura. Muito melhor é reservar um espaço privativo para essas “celebridades” (não só as do rock) consumirem drogas à vontade. Cadeias não faltam, para promover essa atividade saneadora. Serão convidados permanentes todos os que divulguem, financiem ou insinuem qualquer tipo de propaganda ou referência elogiosa ao uso de drogas. Farão um bem enorme uns aninhos de cadeia para transgressores de qualquer tipo ou tamanho. Só sairão de lá quando renunciarem definitivamente ao uso de drogas – vivos ou mortos, portanto – e esta última hipótese talvez se concretize antes. Em caso de reincidência, prisão perpétua. O conceito de cadeiapode até ser amenizado com um nome politicamente correto, comodesintoxicação compulsória.

E ficaremos livres também dessa outra “droga”, que é o próprio rock...

20 de janeiro de 2016
Jacinto Flecha