segunda-feira, 22 de agosto de 2011

AS OLIVIAS PALITAM ( 2 )

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AS OLIVIAS PALITAM...

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PIANO BAR

Assim que fechou a porta, Lígia colocou a bagagem sobre uma cadeira, passou os olhos pelo espaçoso quarto e fixou o olhar nas almofadas, sobre a cama, deixando escapar um lamento qualquer.

Caminhou mais para perto e se sentou na beira do colchão, afastando as pesadas cortinas, até conseguir poder olhar, através da janela, os últimos riscos coloridos do dia que se encerravam no horizonte. Voltou o rosto para a cama e passou a mão sobre o edredom, para depois agarrar um dos travesseiros e dar mais um suspiro; desta vez, ainda mais lamurioso. Não era a primeira vez que estava ali, mas era a primeira vez que se sentia tão só.

Como empresária, Lígia era obrigada a fazer inúmeras viagens semanais. E logo na primeira vez que se hospedou naquele hotel, anos atrás, conheceu Mariano, o barman do restaurante. A sintonia entre os dois foi enorme. Tanta, que o jovem funcionário passou a bater ponto na suíte dela; naquela e em todas as estadias seguintes.

Ela, para além dos 40 anos, era uma mulher autoconfiante. Bem sucedida e bonita, cativava e receava aos homens também pela segurança e autoridade que transmitia: - “Homem tem medo de mulher inteligente!”, costumava dizer.

Com Mariano, vivia uma paixão fugaz, instintiva. O rapaz, apesar de quase 20 anos mais moço, tinha pedigree, falava bem e sabia lidar com as mulheres - e não era burro. Daí ser tão prazeroso, àquela formosa dama, passar tantas horas ao som característico do piano, embalada pela espirituosidade de Mariano, que não perdia a oportunidade de lhe fazer um gracejo ou de lhe direcionar olhares libidinosos, num ritualístico prenúncio para a luxúria que vinha a seguir.

Ainda assim, Lígia o considerava ‘puro de espírito’, e bem diferente dos yuppies mauricinhos e demais profissionais liberais que pelejavam por sua atenção, de maneira insistente e, costumeiramente, arrogante.


Naquela noite, porém, Mariano não daria o ar de sua graça.

Em sua chegada, passando pelo lounge do restaurante, Lígia dera pela falta do amante, tendo logo se informado de que o rapaz viajara para fazer um curso de aprimoramento, no exterior. Ficou tão desconcertada que mal conseguiu disfarçar a surpresa diante de um sorridente recepcionista.

Lígia tinha um dia-a-dia cheio de tarefas estafantes, e tinha nas noitadas com Mariano a fórmula para não se estressar. Aprendeu a tirar do desejo sexual saciado o combustível para participar de intermináveis reuniões e apresentações com clientes e executivos. Nem apresentação com PowerPoint lhe dava sono!

Mas, agora, tão logo soube da malfadada viagem do ‘afilhado’, nada parecia estar no lugar; nada parecia agradá-la. Nem a cama, nem os quadros, a decoração ou a bela vista da janela... – “Logo hoje, que eu queria tanto!...Que eu precisava tanto!”, choramingou, aflita. – “E nem para me avisar antes, o viadinho!...”.

Desprevenida, sentiu-se ainda mais chateada por não ter nenhum ‘plano B’; havia confiado toda sua expectativa na visita do barman...

Começou a tirar os sapatos de salto que a machucavam, e pensou, mesquinhamente, que as coisas poderiam dar errado, e que Mariano talvez fosse obrigado a voltar o quanto antes - e, de preferência, com um pedido de desculpas pela 'deserção'!

Já sem roupas, olhou-se no espelho e viu uma linda mulher! Acariciou-se, delicadamente, imaginando como seria aquela noite se tudo saísse conforme seu desejo... Passou as mãos por dentro das coxas, subiu por entre os pêlos pubianos e seguiu pela barriga, achando sensual a pequena saliência, até encontrar os seios fartos, segurá-los com volúpia, encarar a si mesma e dizer: - “Eu mereço um homem!”.

E dizendo isso, subitamente se lembrou-se de outro rapaz, também funcionário do bar, que, desde sempre, apresentava-se com um sorriso de uma malícia típica do que sabem o que os demais ignoram. Era Cristiano, o garçom engomadinho, quem lhe levava os drinks quando Mariano estava muito atarefado atrás do balcão. Tinha um cabelo bem escuro e brilhante, sempre penteado de lado, com topete; a pele alva e bem cuidada. Os olhos eram pequenos e brilhantes como azeitonas pretas em óleo virgem de oliva, e a boca volumosa e bem avermelhada. Era educadíssimo e de poucas palavras.

Lígia costumava fantasiar Mariano contando a Cristiano todas as aventuras que viviam, torcendo para que um dia viessem visitá-la, juntos. Mas bastava ela tocar no assunto que o barman se irritava, e logo tergiversava, mudando o rumo da conversa.

Já no banho, Lígia seguia alimentando a imaginação, antevendo sua chegada ao lounge e a desfaçatez com que o atravessaria, indo se sentar no banco de sempre, próximo ao piano, para então aliciar o incauto Cristiano: - “É claro que ele já sabe de tudo... Imagine se o Mariano não iria contar... Há anos que esse menino me come!... Imagine se já não contou até os detalhes, de como eu gosto de fazer e todo o resto...”, regozijava ela, de olhos fechados, sentindo a água quente da ducha percorrer todo seu corpo. Nesse momento, Lígia sorria por uma noite reinventada, e já nem se lembrava mais da tristeza de momentos atrás.

Pensava agora em Cristiano, e com tal desejo que se dispôs até mesmo a vestir uma calcinha vermelha, cheia de transparência e bem cavada que costumava guardar para as noites mais acaloradas. O contorno estava bem feito, e as pernas, depiladas. Não havia uma mancha e sequer um único pêlo encravado ou inflamado que obstruísse o perfeito delineamento de seu corpo.

Passou ainda um hidratante que deixou em sua pele uma sensação de frescor que contrastava com o ardor de suas intenções. : - “Calma, garota, calma...”, pensava, conferindo animadamente o resultado da maquiagem, reforçando o batom vermelho impecavelmente deitado sobre a boca e arqueando ainda mais os olhos para retocar o traço do lápis preto em suas bordas, bem como o brilho sob as sobrancelhas.

Antes de sair, desarrumou um pouco o ambiente, emprestando-lhe um ar mais despojado, conforme os desmandos de seus impulsos. Sentia-se ainda mais solta por conta das três taças de champanhe; a quarta, derramou-a na pia, pois ameaçou ficar mais tonta do que deveria. E quando tudo ficou pronto, ainda borrifou um pouco de perfume pelo ar. Olhou-se pela última vez no espelho e perguntou, fazendo cara de malvada: - “Vamos ver do que você é capaz, Cris!...”.

Caminhou pelos corredores com o ar renovado. Entrou e saiu do elevador com brilho no olhar. E atravessou o hall central em 'estado de luz', recebendo sorrisos e cortesias por onde passava. Quando chegou ao lounge do restaurante, levitava.

Sentou-se em seu lugar predileto, sendo logo notada pelo pianista, que não tardou em tocar sua música preferida: Moonlight Serenade. Cruzou as pernas com elegância, deixando escapar calmamente a fumaça do cigarro que acabara de acender. Em seguida, reconheceu a silhueta de Cristiano, que se aproximava, trazendo na bandeja seu Kir Royal. Ao notar o sorriso malicioso do rapaz, Lígia sentiu um comixão entre as pernas, fechando os olhos, prazerosamente...
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gravura: albertofughi.com
Vislumbrado por O Maltrapa