segunda-feira, 4 de outubro de 2021

FUMAR E CONSEQUÊNCIAS ESPIRITUAIS

 

ELOGIO AOS MODERADOS

O que precisamos são líderes pautados por ideias e um senso de responsabilidade republicana, não por uma eterna guerra de posições

ESTILO DE VIDA - O francês Montaigne: a impossível ideia de liberdade de consciência – S. Bianchetti/Corbis/Getty Images

Dias atrás tivemos o caso da Tabata Amaral. “Se encontro na rua, soco até ser preso”, diz um desses fanáticos digitais. Em seguida ela publicou um artigo listando frases de ódio de que tem sido vítima nos últimos tempos. Madeleine Lacsko fez isso também, e mais gente devia fazer, de preferência dando nome aos agressores. Há quem diga que tudo isso é um lixo irrelevante. O.k., é verdade. Mas é também um sintoma do mal-estar da cultura política atual. A ponta de um imenso iceberg que joga sombra sobre nossas democracias.

O ódio político vem de longe. Robert Darnton escreveu um livro sedutor, O Diabo da Água Benta, mostrando como funcionava a indústria dos libelos de difamação na Europa do século XVIII. Eles vinham da Grub Street, em Londres, e seguiam para atormentar a vida de padres e marqueses na França absolutista. O fenômeno é muito mais antigo. No século XVI, o sátiro Pietro Aretino fazia uso da estátua de Pasquino, que ainda se pode ver, em Roma, “difamando a cada dia um dos cardeais candidatos a papa”. Nosso “Pasquino”, hoje, é a internet inteira, para ver a enrascada em que nos encontramos.

Ódio político não tem ideologia. Ninguém até agora inventou um “odiômetro” para medir de que lado vem o maior volume de lixo retórico. Ele também não atende a essa ou aquela categoria, sejam grupos de raça, gênero ou religião. Seu foco frequente são os “poderosos”, e sua maior motivação é política. Seu alvo em essência é um só: o divergente. De todos, o pior é o “ódio do bem”. O ódio de O’Brien, do 1984, que torturava Winston Smith para lhe abrir os olhos. O mal que se faz por razões estranhamente virtuosas, dessas que o inferno está cheio.

Gosto de ver tudo isso como um subproduto da tribalização da vida atual. Os algoritmos da internet podem ter alguma coisa a ver com isso, mas a verdade é que nós mesmos nos “algoritizamos”. Fazemos isso criando um mundo fechado de referências, em uma lógica de combate que alguém já definiu como “modo twitter de ser”. Jonathan Haidt identificou esse fenômeno dizendo que é enorme a chance de qualquer um de nós ser tragado por uma “tribo moral”. “Nos agrupamos em torno de valores sagrados (…) achamos que o outro lado é cego à verdade, à ciência e ao bom senso. Mas a verdade é que todos ficam cegos quando se trata de seus objetos sagrados.”

Vivemos uma época em que “ponderar” se tornou um ato algo subversivo, e os moderados andam fora de moda. O que é uma pena. O moderado é um tipo que faz bem à democracia. Ele é alguém que pode mudar de ideia, diante de um bom argumento. É também o tipo capaz de fazer as perguntas inconvenientes. O presidente não tinha sido eleito para combater o “sistema”, e agora anda abraçado ao Centrão? Não havíamos banido a censura prévia, no Brasil, mas agora aplaudimos quando ela atinge os “outros”? Perguntas incômodas, mas necessárias. Sem elas, e sem que as pessoas pudessem refletir, reconhecer erros próprios e acertos alheios, e uma vez ou outra mudar de ideia, para que serviria mesmo o debate público?


“A mistura de fanfarrice e ódio político pode levar a impasses perigosos”

Quando penso nessas coisas me conforto à sombra de Montaigne. Ele viveu em uma época de extremos, infinitamente mais violenta do que a nossa, em especial nos anos que se seguiram aos massacres da noite de São Bartolomeu, em 1572. Aos 38 anos abandonou a vida pública de Bordeaux e foi viver cercado de livros e camponeses, e escrever seus Ensaios, na torre de seu castelo. Numa época em que as bruxas ardiam e protestantes tinham as cabeças cortadas, sem cerimônia, na França, Montaigne se pôs calmamente contra a tortura, manifestou seu “intenso horror à crueldade” (inclusive contra os animais), defendeu que os problemas civis nada tinham a ver com a religião e pregou a ideia quase impossível, à época, da liberdade de consciência.

Em meio ao caos, preservou sua humanidade. E muito além disso, sugeriu uma maneira de viver, cujo elemento definidor era a ideia da moderação. “As vidas mais belas”, disse, “são aquelas capazes de observar o padrão humano comum e a ordem, sem milagre ou excentricidade”. Seu ponto de partida era o reconhecimento da fragilidade da razão humana. Somos movidos pelos influxos das paixões e coisas do mundo, em sua infinita variedade. Daí toda nossa inconstância e o sentido de preservar um saudável ceticismo em relação a si mesmo. Mais do que uma posição teórica, um estilo de vida. O viver com os outros, o diálogo ameno, a “disposição amistosa” com os diferentes, o riso solto, a curiosidade permanente e um certo gosto pelo agora. Um “ensaiar-se” na vida, como um dançarino dado a improvisações. Alguém capaz de dizer, diante de todo horror de sua época, que não havia encontrado “mais evidente monstruosidade e milagre nesse mundo do que eu mesmo”. E que parecia dispor, como disse Sarah Bakewell, de um “termostato interno que o desligava automaticamente quanto a temperatura ultrapassava certo ponto”.

Na política atual tivemos casos notórios de gente moderada que deixou sua marca. Vem a minha mente Václav Havel, comandando a transição checa do palco do Lanterna Mágica, no centro de Praga. Com sua fala tranquila e o inseparável cigarro na boca, liderou a Revolução de Veludo, que levou o país pacificamente à democracia. Houve Barack Obama e sua insistência em que “não havia a América negra ou a América branca”, contra os radicais de seu próprio lado.

Alguém poderia perguntar se esse é mesmo o caminho a seguir, se o moderado não tende, no fundo, à complacência, e se não precisamos mesmo é de alguém capaz de dar um pontapé na porta e esmagar as “forças do atraso”. Não acho. O que precisamos são líderes pautados por ideias e um senso de responsabilidade republicana, não por uma eterna guerra de posições. O mundo político não se resume a uma luta do bem contra o mal. É feito de yin e yang, provoca Haidt. Há gente boa em ambos os lados e que “tem algo importante a dizer”.

Há por fim um tema de ordem prática. A fúria política pode dar vazão a nossos demônios, e por vezes funciona, nas eleições. Mas não vale grande coisa quando há consensos a construir e reformas difíceis a aprovar no Congresso. Nossa história recente mostra como a mistura de fanfarrice e ódio político pode levar a impasses perigosos e perda de credibilidade nas instituições. Além de ser muito, mas muito cansativa.

De forma que precisamos fazer melhor. O caminho de Montaigne, de volta a sua torre, pode nos ensinar alguma coisa, individual e coletivamente. A moderação pode voltar a ocupar algum lugar na nossa vida pública. Não tanto um novo caminho, mas um novo jeito de caminhar.


04 de outubro de 2021
Fernando Schüler é cientista político e professor do Insper

BULGÁRIA RESTAURA ESOTÉRICO ÍCONE DO COMUNISMO

No teto arruinado ainda reinam os símbolos marxistas

Nos Balcãs se conservam as ruínas de um misterioso “santuário” do comunismo feito pouco antes ao desfazimento da União Soviética (URSS).

No salão principal se reuniam os membros do partido comunista dominados por um grande mural de Engels, Marx e Lênin, segundo descreve reportagem de “La Nación”.

O prédio é mais conhecido pelo nome da localidade: Buzludzha, no centro dos montes Bálcãs, coração do país.

É estranho, mas tem forma de disco voador e é conhecido como “o OVNI comunista”.

Dir-se-ia que o comunismo só se interessava pelas forças da matéria em evolução. Mas, um pouco por toda parte se encontram restos de um esforço por entrar em contato com seres poderosos que outros chamariam de infernais.


No 'OVNI comunista' prevalece uma arquitetura místico esotérica

A estética esotérica cósmica foi amplamente utilizada não só no mundo marxista, nas décadas de 1970 e 1980, mas este local blindado se destaca de outros edifícios comunistas na Europa Oriental.


Está constituído por um imenso bloco de concreto e foi inaugurado em 1981, após sete anos de construção.

Nele trabalharam quase 6.000 operários, incluídos os 20 melhores artistas búlgaros da época que decoraram os interiores.

Sua localização não foi escolhida ao acaso, mas exatamente no local da vitória final dos rebeldes búlgaros sobre os invasores otomanos em 1868.

O fato não tem relação alguma com o comunismo. Foi uma vitória épica em que apenas 6.000 soldados búlgaros e russos, então czaristas, lutaram contra o Islã.


Enfrentaram mais de 40.000 turcos obtendo um triunfo que permaneceu na história do país e que o comunismo não conseguiu apagar e então tentou explorar em seu favor.



O prédio tem dimensões monstruosas

A localização exata é na montanha Buzludzha, a uma altitude de 1.441 metros, a 10 km da cidade de Shipka e a 250 km de Sofia (capital da Bulgária).

Os dirigentes comunistas veneravam aquele lugar por outra razão: em 1891 ali se reuniram os fundadores do socialismo organizado na Bulgária.

A construção consumiu o que hoje daria cerca de sete milhões de euros, não pouco para um país miserabilisado pelo socialismo.

O prédio tem 107 metros de altura e sua área total chega a 550 metros quadrados. Mais de 930 metros quadrados e 35 toneladas de murais traçam a história do Partido Comunista da Bulgária.

O símbolo do comunismo, a foice e o martelo, continua dominador junto com o brado da revolta do Manifesto Comunista de 1848: “Proletários de todos os países, unidos”, de autoria de Marx e Engels.

No topo da torre fica uma grande estrela soviética que tem três vezes o tamanho da do Kremlin, e que teria sido feita de rubis hoje pilhados.


O prédio de Buzludzha, símbolo do PC búlgaro
está sendo restaurado por saudosistas do comunismo


O símbolo da horrível ditadura ficou propriedade do governo até que em 1989 o Partido Comunista foi dissolvido e o prédio acabou arruinado pela intempérie.

Mas o mundo pós-comunismo não trouxe o indispensável saneamento ideológico, cultural e moral.

Resultado: nas cavernas da degradação ficou se cultuando o apego aos símbolos da época de morte, terror, igualdade e miséria.

No momento atual, essa fermentação oculta ganhou visibilidade e o local virou o símbolo daqueles que querem restaurá-lo.

Pretendem recuperar mais de 2 milhões de pequenos pedaços de pedra, terracota ou vidro colorido que sobraram espalhados em volta do esqueleto do “OVNI comunista” arruinado.

Todo um símbolo do retorno do comunismo promovido desde Moscou.


04 de outubro de 2021
Luis Difair
Escritor, jornalista, conferencista de política internacional,sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs
in flagelo russo

"PANDORA PAPER'S" REVELA QUE MEMBROS DO GOVERNO BOLSONARO TÊM DINHEIRO EM PARAÍSOS FISCAIS




© AFP'Pandora Papers' revela que membros do governo Bolsonaro têm dinheiro em paraísos fiscais

Vários governantes internacionais, além de membros do governo brasileiro, como o ministro da Economia e o presidente do Banco Central, são acusados de terem ocultado ativos em empresas offshore, inclusive com fins de evasão fiscal. A informação faz parte das denúncias feitas pelo "Pandora Papers", investigação jornalística que envolveu centenas de repórteres pelo mundo.

O resultado do trabalho do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ na sigla em inglês) sobre os chamados "Pandora Papers" começou a ser revelado neste domingo (3). Os quase 600 repórteres de dezenas de meios de comunicação, incluindo os jornais The Washington Post, The Guardian, El Pais ou ainda a revista Piauí, se basearam no vazamento de 11,9 milhões de documentos de 14 empresas de serviços financeiros de todo o mundo.

Segundo o consórcio, vários dirigentes de peso, como o primeiro-ministro da República Tcheca, Andrej Babis, o rei da Jordânia, Abdallah II, ou ainda os presidentes do Equador, Guillermo Lasso, e do Quênia, Uhuru Kenyatta, aparecem na lista dos que teriam ocultado milhões em paraísos fiscais. 
No total, o ICIJ identificou transações de 336 dirigentes, que criaram mais de 1.000 empresas, das quais dois terços tinham sede nas Ilhas Virgens Britânicas. Celebridades, como a cantora colombiana Shakira e a modelo alemã Claudia Schiffer também aparecem na investigação.

Do lado brasileiro, dois nomes de peso foram apontados: o do ministro da Economia, Paulo Guedes, e o do presidente do Banco do Brasil, Roberto Campos Neto. Segundo a investigação, Guedes tinha pelo menos US$ 8 milhões investidos na empresa Dreadnoughts International Group, sociedade registrada nas Ilhas Virgens Britânicas, da qual era acionista. O seu nome, assim como o de sua mulher e filha eram usados nas transações.

Conflito de interesses

A revista Piauí, que encabeçou a investigação no Brasil, lembra que “a abertura de uma offshore ou de contas no exterior não é ilegal, desde que o saldo mantido lá fora seja declarado à Receita Federal e ao Banco Central”. Guedes afirma que declarou suas empresas offshore. Porém, os funcionários públicos de alto escalão têm uma série de restrições para fazer esse tipo de transação, principalmente quando sua função pode ter impacto em investimentos feitos no exterior, como é o caso de um ministro da Economia.

Já o presidente do Banco Central aparece no "Pandora Papers" como dono de quatro empresas, duas delas registradas no Panamá. Campos Neto afirma ter declarado as somas que tinha no exterior tanto à Receita Federal como ao BC. 
Porém, como Guedes, ele participou de decisões ligadas ao seu cargo que podem ter influenciado positivamente seus próprios investimentos no exterior, o que caracteriza conflito de interesses.

Na esteira do Panamá Papers

Criado em 1997 pelo Centro de Integridade Pública, o ICIJ se tornou uma entidade independente em 2017. Sua rede inclui 280 jornalistas investigativos em mais de 100 países e territórios, assim como cerca de 100 veículos de comunicação parceiros.

O consórcio ficou famoso em 2016, quando tornou público o escândalo que ficou conhecido como "Panamá Papers". Na época, o ICIJ revelou transações e investimentos secretos de milhares de clientes do escritório de advocacia panamenho Mossack Fonseca, após um vazamento de mais de 11 milhões de documentos.

As revelações sacudiram o mundo dos negócios e da política. A tal ponto que chefes de governo, como o primeiro-ministro islandês, Sigmundur David Gunnlaugsson, e paquistanês, Nawaz Sharif, tiveram que deixar seus cargos.

No ano seguinte, o consórcio publicou o “Paradise Papers”, uma nova série de documentos que revelou manobras fiscais ilegais envolvendo nomes como o campeão de Fórmula 1, Lewis Hamilton, e até o Príncipe Charles.


04 de outubro de 2021
in Pandora Paper's