sexta-feira, 30 de abril de 2010

MURAL DE LYA LUFT

"Não existe isso de homem escrever com vigor e mulher escrever com fragilidade. Puta que pariu, não é assim. Isso não existe. É um erro pensar assim. Eu sou uma mulher. Faço tudo de mulher, como mulher. Mas não sou uma mulher que necessita de ajuda de um homem. Não necessito de proteção de homem nenhum. Essas mulheres frageizinhas, que fazem esse gênero, querem mesmo é explorar seus maridos. Isso entra também na questão literária. Não existe isso de homens com escrita vigorosa, enquanto as mulheres se perdem na doçura. Eu fico puta da vida com isso. Eu quero escrever com o vigor de uma mulher. Não me interessa escrever como homem."

A escritora é conhecida por sua luta contra os estereótipos sociais.

"Essas coisas que obrigam as pessoas a ser atletas. Hoje é quase uma imposição: a ordem é fazer sexo sem parar, o tempo todo. A ordem é não fumar, não beber. É essa loucura o dia inteiro na cabeça. Quem não for resistente acaba enlouquecendo. E a vida fica para trás. Hoje as pessoas estão sofrendo muito. Um sofrimento absolutamente desnecessário. Especialmente as mulheres que fazem plástica logo que vêem uma ruga no rosto. Plásticas de inteira inutilidade".
"Na ambição de serem sempre jovens, as mulheres acabam perdendo o próprio rosto. São os falsos mitos da juventude para sempre. E isso também inclui a febre atual da mídia, particularmente nas revistas femininas. Só se fala como se podem ter vários orgasmos numa única noite. Só se fala em como a mulher deve agir para segurar seu homem pelo sexo, especialmente o oral. São fórmulas de um mundo conturbado, que foge ao afeto, distante de qualquer felicidade. Essa é outra coisa para o enlouquecimento. Em todo lugar, o que existe é a supervalorização do sexo. Quem não estiver fazendo sexo sem parar o tempo todo passa a ser anormal. Muita gente fica complexada porque não consegue vários orgasmos numa noite. É tudo uma imposição".
"Tento entender a vida, o mundo e o mistério e para isso escrevo. Não conseguirei jamais entender, mas tentar me dá uma enorme alegria. Além disso, sou uma mulher simples, em busca cada vez mais de mais simplicidade. Amo a vida, os amigos, os filhos, a arte, minha casa, o amanhecer. Sou uma amadora da vida.

O que você nunca vai esquecer?
"Escutar o vento e a chuva nas árvores do imenso jardim que cercava a casa de meu pai, na minha infância. Puro maravilhamento."
O que lhe causa repugnância?
"Preconceito, hipocrisia."
Vale a pena escrever?
 "Não escrevo porque “valha a pena”, mas porque me faz feliz, simplesmente".
O que falta à literatura brasileira?
"Nada, não falta nada. Ela é o que é, simplesmente, cheia de graça, desgraça, florescente, múltipla, lutando com a crise econômica que atinge também as editoras, mas, como não se escreve para ficar rico, tudo bem". E Deus?
"Deus eu imagino como força de vida: luminosa, positiva, imperscrutável".
E o Brasil? Brasil cujo jeito é parecer não ter jeito.
"Não quero jamais ter de morar longe dele. Aqui tudo é possível. E tanto está ainda por fazer".
O que fazer para reverter esse quadro de miséria?
"Que os responsáveis por isso criem vergonha na cara".
Quem não merece respeito algum de ninguém?
"Todos merecem algum respeito, no mínimo compaixão".
Você costuma rezar?
"Não tenho nenhuma religião instituída, mas tenho uma profunda visão “religiosa”, sagrada, da natureza, das pessoas, do outro".
Qual é seu momento ideal para escrever?
"O momento em que meu livro quer ser escrito. Mas normalmente produzo mais de manhã bem cedo. Gosto de ver o dia nascer, aqui na minha mesa de trabalho e do meu computador".

Se confessa uma mulher tímida, embora não pareça.

"Sou dos escritores que não sabem dizer coisas inteligentes sobre seus personagens, suas técnicas ou seus recursos. Naturalmente, tudo que faço hoje é fruto de minha experiência de ontem: na vida, na maneira de me vestir e me portar, no meu trabalho e na minha arte.
Não escrevo muito sobre a morte: na verdade ela é que escreve sobre nós - desde que nascemos vai elaborando o roteiro de nossa vida.
O medo de perder o que se ama faz com que avaliemos melhor muitas coisas. Assim como a doença nos leva a apreciar o que antes achávamos banal e desimportante, diante de uma dor pessoal compreendemos o valor de afetos e interesses que até então pareciam apenas naturais: nós os merecíamos, só isso. Eram parte de nós.
O amor nos tira o sono, nos tira do sério, tira o tapete debaixo dos nossos pés, faz com que nos defrontemos com medos e fraquezas aparentemente superados, mas também com insuspeitada audácia e generosidade. E como habitualmente tem um fim - que é dor - complica a vida. Por outro lado, é um maravilhoso ladrão da nossa arrogância.
Quem nos quiser amar agora terá de vir com calma, terá de vir com jeito. Somos um território mais difícil de invadir, porque levantamos muros, inseguros de nossas forças disfarçamos a fragilidade com altas torres e ares imponentes.
A maturidade me permite olhar com menos ilusões, aceitar com menos sofrimento, entender com mais tranqüilidade, querer com mais doçura.
Às vezes é preciso recolher-se".

M. AMERICO

quinta-feira, 29 de abril de 2010

PARADIGMA

Um paradigma seria, digamos, uma espécie de teoria, guardadas, porém, as diferenças.
Darwin por exemplo: a teoria da “evolução” procura explicar como as espécies se modificam para se adaptarem as novas condições do ambiente. Como teoria, ela fica sujeita a ter que ser provada, testada, contestada ou aceita. Fica exposta a experimentação e a reflexão.

E o paradigma? Bem, o paradigma seria um conjunto de premissas implícitas, essencialmente inconscientes, e que por isso, dispensam qualquer interesse em demonstrar a sua veracidade. É o modus operandi que carregamos para decidir as diversas maneiras de agir no mundo e de pensá-lo.

Não questionamos um paradigma, simplesmente porque não o colocamos na ordem das nossas reflexões.
É uma realidade, a lente pela qual decodificamos o mundo, a vida. Não costumamos contestar a realidade se ela não nos incomoda. A lente nos protege e nos proporciona um acordo pleno com as nossas percepções. Percebemos dentro de certas molduras, certas referências.

Podemos definir o paradigma de uma outra maneira: como um sistema de crenças. Você já experimentou alguma vez definir o seu sistema de crenças? Por que você acredita nisso ou naquilo? Por que você valoriza isso ou aquilo? Se alguma vez você pensou em fazer isso, com certeza desistiu, ante a dificuldade de pensar uma crença.

Você pode acreditar na importância da amizade, da religião, da família, de praticar um esporte, uma dieta... Pode acreditar que a sua visão política seja sensata... Centenas, com certeza, de convicções que operam no nosso inconsciente, e que jamais questionamos, dirigem a nossa vida. Convicções sedimentadas desde a infância, e que organizam e determinam a nossa relação com a vida.

Retornando a definição possível de um paradigma, poderíamos então enunciar que seria um sistema inconsciente de crenças, próprias de uma cultura.

Ao buscar entender as ações que produzem o meu modo de ser e de me relacionar com o mundo, talvez fosse possível perceber como criei determinadas situações na minha vida.

Não damos muita importância a certos clarões que nos ofuscam, chamados insights, e que muitas vezes revelam os subterrâneos do inconsciente. Não damos atenção, porque podem provocar um terremoto e desacomodar camadas confortáveis da nossa personalidade.

Se estamos acomodados no berço do nosso paradigma, por que reclamar da grade que nos protege do tombo no abismo?

M. AMERICO

terça-feira, 27 de abril de 2010

EMOÇÕES: UM FENÔMENO BIOQUÍMICO?

O que seriam propriamente as emoções? Alguma propriedade especial, espiritual, imponderável, ou algo que estaria no plano mais concreto do corpo, mais tangível? Segundo Joe Dispenza, as emoções são a química para reforçar neurologicamente as experiências.
Recordamos das coisas mais destacadas e mais emocionais e é dessa forma que deve ser.
Segundo algumas experiências, quando já se imaginava que as células tinham 'receptores' em torno da parede celular externa, nos quais os compostos químicos estacionavam, levou a Dra. Candace Pert, após um acidente, a pesquisar o efeito que as drogas produziam e que estava experimentando, após ser medicada com morfina, para evitar a dor. Ainda segundo a teoria, a estrutura química da droga permitia-lhe encaixar-se nesses receptores, mas que ainda não haviam sido encontrados. A Dra. Pert encontrou os receptores opióides que revestem a parede celular. Essa descoberta mudou a biologia.
Bem, depois de uns três anos uma equipe de pesquisadores escocesa, descobriu que o cérebro produz 'neuropeptídeos' chamados endorfinas.

Papo meio cansativo esse, né? Mas tenhamos paciência para suportar, já que na vida suportamos coisas muito piores...

Quem já não ouviu falar em endorfinas? Também conhecidas como o 'barato' da corrida? Elas são os nossos opiáceos naturais. Mais pesquisas aconteceram e os peptídeos começaram a surgir em toda a parte.
Diz a Dra. Pert: "Em meu laboratório comecei a mapear receptores para todos os peptídeos descobertos em qualquer sistema biológico. E sempre que procurava esses receptores, encontrava-os [...] Fizemos muitos mapeamentos detalhados de receptores e verificamos que havia não somente receptores opióides, mas também para todos esses outros peptídeos nas partes do cérebro tidas como mediadoras da emoção."
Depois dessa descoberta, "começamos a pensar nesses neuropeptídeos e seus receptores como moléculas de emoção".
Conclusão: o que sentimos produz um composto químico ou uma coleção de compostos químicos específicos. São cadeias de aminoácidos, feitos de proteínas e fabricados no hipotálamo, uma minúscula fábrica de compostos químicos, correspondentes a determinadas emoções que experimentamos. Significa que a absorção deles pelas células do nosso corpo, dá origem ao sentimento daquela emoção.

Para que a nossa vaidade não fique muito abalada, vou acrescentar que as tais moléculas de emoção, os pesquisadores as encontraram até em criaturas unicelulares.
O que podemos concluir? Que as emoções são preservadas ao longo da evolução. As endorfinas estão nas leveduras, organismos unicelulares simples; portanto, o prazer é básico.
E fomos projetados para funcionar com base nele. Somos dependentes do prazer, e nosso cérebro e programado  para buscá-lo. Encontrar o prazer e evitar a dor, é o que direciona a evolução humana.
Apesar do longo caminho percorrido pela evolução, entre a ameba em busca de alimento e as rendas francesas, as emoções tinham que se estruturar no corpo de forma irresistível.

Qual é a boa notícia? Para começar a sobrevivência. As emoções nos ajudam a sobreviver, "dando-nos uma referência relâmpago que resolve o quebra-cabeça antes que ao menos conheçamos as peças".
Viver a vida com emoções, nos dá a experiência genuína de estar vivo, sentir, amar, odiar... Sem esses sentimentos a vida seria chata. Elas são o tempero da sopa quântica, a cor do pôr-do-sol.
Muito mais do que a mera sobrivência, que já seria algo extremamente importante para a espécie, elas nos levam a permanente evolução.

Joe Dispenza diz:
"Eu não tenho uma definição científica para alma, mas diria que ela é um registro de todas as experiências de que tomamos posse emocionalmente. As coisas de que não tomamos posse emocionalmente, tornamos a experimentar nessa realidade, em todas as outras realidades, nessa vida, em todas as outras vidas. Portanto, não conseguimos evoluir. Se continuarmos a experimentar a mesma emoção e nunca a aposentarmos, tornando-a sabedoria, não evoluiremos. Não seremos pessoas inspiradas. Não teremos a ambição de ser nada senão o mero produto dos compostos químicos no corpo, que nos mantém presos no círculo em que vivemos nosso destino genético."
Uma pessoa nobre supera o destino genético, a realimentação que vem do corpo, o meio ambiente, as próprias tendências emocionais. Pense nisso. Se você deseja evoluir como pessoa, escolha uma limitação, que você sabe que tem, e aja conscientemente para alterá-la. Você vai ganhar alguma coisa: SABEDORIA.
Nossa evolução completa está estruturada sobre emoções. Elas são inevitáveis.

Paixão, amor divino, sentimento de unidade com o todo, bem-aventurança e experiências místicas são emoções - elas geram aqueles neuropeptídeos que inundam o corpo e alteram a própria consciência.

"Rantha freqüentemente pergunta a seus alunos quando foi a última vez que eles experimentaram um êxtase, um orgasmo, no sétimo selo [um chakra ou centro de energia sutil. Os chakras são pontos de convergência de energia não-física no corpo. Eles estão alinhados com as glândulas encócrinas do corpo físico e são vistos como uma chave para alcançar dimensões mais elevadas.]
Todo mundo conhece êxtases relacionados a sexo [primeiro selo], sobrevivência [segundo selo], poder [terceiro selo], mas e essas experiências nos centros mais elevados? Um êxtase no sexto selo, é uma compreensão nova e profunda. A experiência de consciência cósmica, a conexão suprema e íntima com Deus, é um orgasmo no sétimo selo. O amor completo e incondicional é um dos aspectos do quarto selo."

De acordo com esse ensinamento, nunca alcançamos aquelas dimensões porque a maior parte do tempo a humanidade está presa aos três primeiros elos: sexo, sobrevivência e poder. E o caminho para sair do "porão da humanidade" é tomar posse das emoções dos selos inferiores na forma de SABEDORIA.

Ou, como a ostra, lidar com o elemento irritante até ele se transformar numa pérola.

M. AMERICO

segunda-feira, 26 de abril de 2010

LIVRE ARBÍTRIO OU DETERMINISMO TRÁGICO?

Verdade verdadeira é que carregamos uma propensão natural, uma índole, que se manifesta em todas as circunstâncias da vida, mesmo quando contraria o bom senso. Não está na esfera da nossa decisão conter o impulso que revela a nossa natureza.

Significa afirmar que carregamos na existência um caráter imutável, que sempre nos predisporia a reações automáticas diante de circunstâncias determinadas. Estaríamos, assim, condenados a repetir atitudes como respostas aos eventos significativos na nossa vida? Macarrão não acredita nisso, denominando essa imutabilidade um “determinismo trágico” da existência. Já Alfinete, tecendo considerações sobre a criminalidade, ou seja, sobre as psicopatias que determinam atitudes involuntárias e inconseqüentes, acredita que alguns grupos de pessoas carregam esse caráter imutável. Restringe, no entanto, na sua exposição, que a imutabilidade é um traço distintivo que não abrange a totalidade do grupo humano.

Ouvi as ponderações do Macarrão e do Alfinete. Pautavam por colocar, dentro do problema do possível determinismo do caráter humano, posições opostas: Macarrão não concebia a inexistência do “livre arbítrio”; Alfinete restringia o determinismo às psicopatias, sem negar, por conseqüência, a liberdade de decisão, de escolha, aos demais agrupamentos humanos. Ressalvava, ainda, que o repertório das psicopatias era amplo, o que delongava as diversas esferas do determinismo.

Uma discussão e tanto, que me levou a lembrança de um pequeno conto, eu diria uma fábula, cuja alegoria trata exatamente desta questão. Seríamos vítimas de um determinismo inelutável?

“Era uma vez um escorpião que estava na beira de um rio, quando a vegetação da margem começou a queimar. Ele ficou desesperado, pois, se pulasse na água, morreria afogado e, se permanecesse onde estava, morreria queimado. Nisso, viu um sapo que estava preparando-se para saltar no rio e, assim, livrar-se do fogo. Pediu-lhe, então, que o transportasse nas costas para o outro lado. O sapo respondeu-lhe que não faria de jeito nenhum o que ele estava solicitando, porque ele poderia dar-lhe uma ferroada, levando-o à morte por envenenamento. O escorpião retrucou que o sapo precisaria guiar-se pela lógica; ele não poderia dar-lhe uma ferroada, pois, se o sapo morresse, ele também morreria, porque se afogaria. O sapo disse que o escorpião estava certo e concordou em levá-lo até a outra margem. No meio do rio o escorpião pica o sapo. Este, sentindo a ação do veneno, vira-se para aquele e diz que só gostaria de entender os motivos que fizeram que ele o picasse, já que o ato era prejudicial também ao escorpião. Este, então, reponde que simplesmente não podia negar a sua natureza.”

O que nos conta essa fábula? O óbvio ululante: a imutabilidade da índole do ser humano.

M. AMERICO

sábado, 24 de abril de 2010

VAIDADE DE VAIDADES!

Dos livros bíblicos do Velho Testamento, há dois que consagro especialmente como uma leitura diária: "O livro de Jó" e "O Livro do Eclesiastes ou Pregador". Do Novo Testamento, os Evangelhos, evidentemente, Atos, Romanos e Coríntios (I e II). Não vai nessa indicação qualquer restrição aos demais livros. Como não admirar o Livro dos Salmos? Os Provérbios de Salomão? Mas como disse e repito, voltando ao Velho Testamento, especialmente ao Eclesiastes, vou citar alguns versículos, que calam fundo em mim e sempre me levam a reflexão:

"01. Palavras do pregador, filho de Davi, rei em Jerusalém:
   2. Vaidade de vaidades! Diz o pregador, vaidade de vaidades! é tudo vaidade.

M. AMERICO
   3. Que vantagem tem o homem, de todo o seu trabalho, que ele faz debaixo do sol?
   4. Uma geração vai, e outra geração vem, mas a terra para sempre permanece.
   5. E nasce o sol, e põe-se o sol, e volta ao seu lugar donde nasceu.
   6. O vento vai para o sul, e faz o seu giro para o norte; continuamente vai girando o vento, e volta  fazendo os seus circuitos.
...................................................
   9. O que foi, isso é o que há de ser, e o que se fez , isso se tornará a fazer; de modo que nada há novo debaixo do sol.
 10. Há alguma coisa de que se possa dizer: vê, isso é novo? Já foi nos séculos passados, que foram antes de nós.
 11. Já não há lembrança das coisas que precederam; e das coisas que hão de ser também delas não haverá lembrança, nos que hão de vir depois."

Mas por que trago eu palavras bíblicas para um lugar, senão profano, ao menos pequeno demais para acoitá-las?
Para emprestar uma verdade, às observações do nosso cotidiano. Não cansa o homem de repetir nos seus atos, o lugar comum da vaidade, do orgulho, da arrogância. E para mostrar, pelas palavras de Gil Vicente, no seu AUTO DA LUSITÂNIA, o que vemos hoje, incrivelmente, repetir-se.
Gil Vicente é um homem nascido no reinado de D.Afonso V, alguns anos antes ou alguns anos depois de 1465 e falecido entre 1536 e 1540, testemunha, portanto, das lutas políticas do reinado de D.João II, a descoberta da costa africana, a chegada de Vasco da Gama à India, as conquistas de Afonso de Albuquerque, a transformação de Lisboa no cais mundial da pimenta, o fausto do reinado de D.Manuel, a construção dos Jerônimos, do Convento de Tomar e de outros monumentos, as perseguições sangrentas aos cristãos-novos e, finalmente, os começos da crise do reinado de D.João III, que trouxe a Inquisição, a Companhia de Jesus e o ambiente simultaneamente austero e hipócrita que ele próprio personifica na figura de Frei Paço, e que Camões definirá como uma "austera, apagada e vil tristeza". Viveu na época do poder absoluto.
Ignora-se a profissão e a condição social de Gil Vicente. Importa que viveu na corte palaciana e observou criticamente os diversos vícios sociais, especialmente os relativos à nobreza e ao clero.
O teatro vicentino é uma criação a partir de elementos tradicionais mais dispersos legados pela Idade Média. O Auto da Lusitânia é uma fantasia alegórica, em parte proveniente dos momos. O teatro de Gil Vicente é uma criação original e ímpar, de um prodigioso poder de invenção.
Vamos ao Auto, que é o que interessa...

TODO MUNDO e NINGUÉM
(1532) Excerto do AUTO DA LUSITÂNIA
Figuras: Ninguém, Todo o Mundo, Berzebu e Dinato.

[Estão em cena dois diabos, Berzebu e Dinato, este preparado para escrever].

                                      =================  
Entra TODO O MUNDO, rico mercador, e faz que anda buscando alguma coisa que lhe perdeu; e logo após ele, um homem, vestido como pobre. Este se chama NINGUÉM, e diz:

Ninguém: Que andas tu i buscando?
Todo o Mundo: Mil cousas ando a buscar: delas não posso achar, porém, ando porfiando, por quão bom é porfiar.
Ninguém: Como hás nome cavaleiro?
Todo o Mundo: Eu hei nome Todo o Mundo, e meu tempo todo inteiro sempre é buscar dinheiro e sempre nisto me fundo.

Ninguém: E eu hei nome Ninguém, e busco a consciência.

[Berzebu para Dinato]
Berzebu: Esta é boa experiência! Dinato, escreve isto bem.
Dinato: Que escreverei, companheiro?
Berzebu:  Que Ninguém busca consciência, e Todo o Mundo dinheiro.

[Ninguém para Todo o Mundo].
Ninguém: E agora que buscas lá?
Todo o Mundo: Busco honra muito grande.
Ninguém: E eu virtude, que Deuos mande que tope co'ela já.

[Berzebu para Dinato]
Berzebu: Outra adição nos acude: escreve logo i a fundo, que busca honra Todo o Mundo, e Ninguém busca a virtude.

Ninguém: Buscas outro mor bem qu'esse?
Todo o Mundo: Busco mais quem me louvasse tudo quanto eu fezese.
Ninguém: E eu quem me reprendesse em cada cousa que errasse.

[Berzebu para Dinato]
Berzebu: Escreve mais.
Dinato: Que tens sabido?
Berezebu: Que quer em extremo grado Todo o Mundo ser louvado e Ninguém ser repreendido.

[Ninguém para Todo o Mundo]
Ninguém: Buscas mais,amigo meu?
Todo o Mundo:  Busco a vida e quem ma dê.
Ninguém: A vida não sei que é, a morte conheço eu.

[Berzebu para Dinato]
Berzebu: Escreve lá outra sorte.
Dinato:  Que sorte?
Berzebu: Muito garrida: Todo o Mundo busca a vida, e Ninguém conhece a morte.

[Todo o Mundo para Ninguém]
Todo o Mundo: E mais queria o Paraíso, sem mo ninguém estrovar.
Ninguém:  E eu ponho-me a pagar quanto devo pera isso.

[Berzebu para Dinato]
Berzebu: Escreve com muito aviso.
Dinato: Que escreverei?
Berzebu: Escreve que Todo o Mundo quer paraíso, e Ninguém paga o que deve.

[Todo o Mundo pra Ninguém]
Todo o Mundo: Folgo muito d'enganar, e mentir naceo comigo.
Ninguém: Eu sempre a verdade digo, sem nunca me desviar.

[Berzebu para Dinato]
Berzebu: Ora escreve lá, compadre, não sejas tu preguiçoso!
Dinato: Quê?
Berzebu: Que Todo o Mundo é mentiroso, e Ninguém diz a verdade.

[Ninguém para Todo o Mundo]
Ninguém: Que mais buscas?
Todo o Mundo: Lisonjar.
Ninguém: Eu som todo desengano.

[Berzebu para Dinato]
Berzebu: Escreve, ande la mano!
Dinato: Que me mandas assentar?
Berzebu: Põe aí mui declarado, não fique no tinteiro: Todo o Mundo é lisonjeiro, e Ninguém desenganado.

sexta-feira, 23 de abril de 2010

COISA SIMPLES

Eu já falei da poesia de Adélia Prado. E da poesia da Cora Coralina. Elas têm uma identificação: o jeito especial de olhar a vida. Porque a descoberta da banalidade, que afinal de contas é o que constrói a nossa vida do dia-a-dia, a descoberta da beleza que há na banalidade, é que nos permite desvendar os mistérios da poesia que encharca os arredores da vida, e pode nos encantar para sempre.
Uma vez encantados, seremos como os pintores que percebem matizes de cores, onde apenas percebemos o cinza...
Descubro o mistério da simplicidade poética, no jeito como Adélia Prado recorta a realidade. A gente apenas olha para a poesia da Adélia. Sentir é só uma conseqüência...

SOLAR
M. AMERICO

Minha mãe cozinhava exatamente:
arroz, feijão roxinho, molho de batatinhas.
Mas cantava.

DIA
As galinhas com susto abrem o bico
e param daquele jeito imóvel
- ia dizer imoral -
as barbelas e as cristas envermelhadas,
só as artérias palpitando no pescoço.
Uma mulher espantada com sexo:
mas gostando muito.

Encontro em Rubem Alves as palavras que escreveria, e que se tornaram desnecessárias pela escritura que ele derrama. Assim, dou a palavra ao professor e contador de histórias.

"A poesia gosta mesmo é de coisas simples. Basta uma imagem banal. A Adélia Prado é especialista em fazer poesias com insignificâncias. Quiabo 'chifre de veado'. ora-pro-nobis, tanajuras, galinhas, ovos, escamação de peixes, galinhas de bico aberto, a mãe cantando enquanto cozinhava extamente arroz, feijão roxinho e molho de batatinhas: com essas coisas ela faz poesia. Pois poesia é feito caleidoscópio: faz beleza com caquinhos de vidro. Por que é que os poetas são assim tão ligados às insignificâncias? Por que é com insignificâncias que a vida é feita. Pois eu escrevi sobre a insignificância de chupar laranjas...
O Zé, marido da Adélia, me mandou e-mail imediato lá de Divinópolis, juntando-se a minha conversa sobre os jeitos de chupar laranjas. E ele me disse que por lá os pobres também chupavam de gomo. Só que enfiavam o gomo inteiro na boca, depois cuspiam os caroços e engoliam o bagaço. Isso, por causa da prisão de ventre. Se eu escrevi e o Zé me respondeu é porque a amizade se faz com insignificâncias.
Em Minas Gerais até jeito de chupar laranjas é poesia..."

quarta-feira, 21 de abril de 2010

"O HOMEM NÃO TRAMOU O TECIDO DA VIDA: ELE É SIMPLESMENTE UM DE SEUS FIOS".

"Somos o que pensamos", já disse um filósofo; mas também somos o modo como organizamos a cadeia de atos da nossa vida diária. Ele refletir-se-á, indubitavelmente, na nossa vida futura. Essa colocação é válida para as diversas dimensões da nossa existência.
É preciso despertar e tomar consciência desse fato. É necessário nos darmos conta da simplicidade, em meio a barafunda que transforma a vida numa corrida louca atrás de coisa nenhuma. É indispensável perceber o nosso destino como seres humanos e não como peças de uma enorme engrenagem.
O nosso tempo histórico é um tempo de velocidade, de aceleração; a nossa vida organiza-se em torno de momentos descontínuos, não nos permitindo pausar, refletir sobre o sentido do que está acontecendo.
Estamos aturdidos pela transitoriedade, pela impermanência dos nossos referenciais. Nunca um sistema provocou tantos desarranjos e tantos efeitos secundários indesejáveis, desarticulando a vida de uma maneira tão violenta, destroçando paradigmas, procurando alicerçar a vida e a extensão do bem-estar no acesso aos produtos industriais, sem medir o significado e os efeitos de uma produção em escala monumental de bens de consumo.
O consumo como "filosofia de vida" é apregoado pelos profetas midiáticos, em todas as partes do planeta ocidental. Afogamo-nos no tumulto das novidades tecnológicas e acabamos perdendo de vista o que é essencial, o que verdadeiramente nos proporcionará o prazer de viver: a saúde, o amor, a solidariedade, a comunidade universal.
Podemos perder muitas coisas na vida; podemos até recuperar muitas coisas na vida, mas não podemos nos permitir perder a visão macro da vida. E se a perdermos, poderemos até recuperá-la, mas é um caminho árduo e doloroso. Um caminho difícil. E quantos de nós teremos a força necessária para refazê-lo?
Não podemos cair na armadilha que nos transformará em simples consumidores de novidades inúteis. Isso nos tornará impotentes, devastará a nossa vida e perderemos a simplicidade de olhar a nossa volta e redescobrirmos a plenitude da vida. Impedirá que possamos cuidar do nosso semelhante, curar a nós mesmos.
Sabemos que a loucura desse modelo de consumo desenfreado é um pesadelo, embora muitos pensem  que seja um belo sonho de promessas douradas.

Para consumirmos tantas bugigangas, estamos emporcalhando a nossa casa planetária, extinguindo os seus recursos. Será que esse "progresso" (em nome de quê, e em que direção?) que assistimos boquiabertos de admiração, não é apenas um grande engodo? A que ele nos está levando? Ao exercício da alienação?
Percebo o desperdício dos recursos naturais; leio sobre a grande crise hídrica que se aproxima, pela poluição das fontes naturais e dos rios; da intoxicação do meio ambiente, da extinção de tantas espécies, alterando a cadeia elementar da vida... Ouço falar de agrotóxicos que "beneficiam a produção e a economia", devastando o meio ambiente; ouço dizer dos transgênicos, que aumentarão a exportação... Percebo que o "progresso" é uma grande e perversa 'armação'.
Vou transcrever o excerto de um livro: 'O despertar da águia', de Leonardo Boff. Particularmente, considero esse livro um guia para a difícil arte de ser humano.

"Com acerto escrevia o cacique pele-vermelha Seattle, ao governador Stevens, do Estado de Washington, em 1856, quando este forçou a venda das terras indígenas aos colonizadores europeus. O cacique, com razão, não entendia por que se pretendia comprar a terra. Pode-se comprar e vender a aragem, o verde das plantas, a limpidez da água e o esplendor da paisagem?
Neste contexto reflete que os peles-vermelhas compreenderiam o porquê e a civilização dos brancos "se conhecessem os sonhos do homem branco, se soubessem quais as esperanças que ele transmite a seus filhos e filhas nas longas noites de inverno, e quais as visões de futuro que oferece para o dia de amanhã".

Qual é o nosso sonho? Que esperanças transmitimos aos jovens? Que visões de futuro ocupam as mentes e o imaginário coletivo através das escolas, dos meios de comunicação e de nossa capacidade de criar valores? Que cuidado desenvolvemos para com a natureza e que benevolência suscitamos para com todos os seres da criação? Que novas tecnologias utilizamos que não neguem a poesia e a gratuidade? Que irmandade estabelecemos entre todos os povos e culturas? Que nome damos ao Mistério que nos circunda e com que símbolos, festas e danças o celebramos?

As respostas a estas indagações geram um novo padrão civilizatório.
Face às transformações que atingem os fundamentos de nossa civilização atual indagamos: quais são os atores sociais que propõem um novo sonho histórico e desenham um novo horizonte de esperança? Quem são os sujeitos coletivos gestadores da nova civilização?

Sem detalharmos a resposta podemos dizer: eles se encontram em todas as culturas e em todos os quadrantes da Terra. Eles irrompem de todos os estratos sociais e de todas as tradições espirituais. Eles estão em toda parte. Mas são principalmente os insatisfeitos com o atual modo de viver, de trabalhar, de sofrer, de alegrar-se e de morrer; em particular, os excluídos, os oprimidos e os marginalizados. São aqueles que, mesmo dando pequenos passos, ensaiam um comportamento alternativo e enunciam pensamentos criadores. São ainda aqueles que ousam organizar-se ao redor de certas buscas, de certos níveis de consciência, de certos valores, de certas práticas e de certos sonhos, de certa veneração do Mistério e juntos começam a criar visões e convicções que irradiam uma nova vitalidade em tudo o que pensam, projetam, fazem e celebram.

Por tais sendas desponta a nova civilização que será de agora em diante não mais regional, mas coletiva e planetária; e esperamos, mais solidária, mais ecológica, mais integradora e mais espiritual."

Os que acompanharam até aqui essa reflexão sobre o nosso presente e sobre o que esperarmos do nosso futuro, partilhem comigo a esperança de um novo milênio, que possa ser herança dos homens vindouros.

M. AMERICO

terça-feira, 20 de abril de 2010

AMEI NOSSOS ANCESTRAIS

Não sei não... Mas sabe que eu já desconfiava dessa  história? O que vem acontecendo no Brasil nesses últimos anos, me fez pensar seriamente que descendíamos das bactérias. Não estou brincando não, mas aquela brincadeira de chamar o pouco esperto ou mal dotado de ameba, sempre me levava a refletir se realmente era possível essa descendência. Repito: não estou brincando não!
De repente, vem um astrofísico de renome mundial, com um nome pra lá de Guerra nas Estrelas, chamado Chandra Wickramasinghe, e diz que podemos ser descendentes de bactérias alienígenas. Não é ótimo isso?
Além de confirmar as minhas antigas suspeitas, nunca publicadas por falta de provas científicas, embora as históricas estejam aí, nas nossas fuças, não tentei divulgar por falta de apoio da grande imprensa.
Tudo teria sido forjado nas estrelas, que explodiram há bilhões de anos, espalhando nuvens de detritos por toda a Via Láctea do nosso poeta Bilac. Tudo o que está no planetinha: do oxigênio que respiramos a água que bebemos. Palavra do Chandra que não brinca! Vai nesse rol de coisas, do silício dos chips ao urânio das bombas (que não querem deixar o Irã ter uma ou várias). E das nuvens fez-se o Sistema Solar. Toda essa história, um pouco recente, coisa de 4,5 bilhões de anos.
Desse PUM cósmico surgiu o nosso planetinha Terra. E como era de se esperar, esse pum gerou a vida!
Até hoje se discute se a patente da vida seria apenas nossa, seres inteligentes (hoje mais que provado, que fica cada vez mais difícil provar a inteligência desses seres).
E o Chandra disse que não.  Para sorte do Universo, não somos os únicos a habitar o quarto dos fundos da escuridão cósmica. Mais de 400 moléculas  orgânicas foram detectadas em nuvens, logo ali adiante, cerca de alguns milhões de anos-luz da Terra.
Aí o cingalês, teimoso como aquela criança que não pára de encher o saco do professor, pergunta pra Deus: "Como surgiram e foram parar lá?" E Deus, já ressabiado com a história da Igreja, que jurava de pés juntos que a Terra era o centro do Universo, e queimou um bocado de gente por conta desssa Verdade, deve ter respondido pro Chandra: "Filho, deixa isso pra lá... Você vai acabar me deixando em maus lençois!"
Mas o cingalês, teimoso como uma criança mal-educada, foi lá e trouxe uma tremenda verdade: a vida veio do espaço! Somos descendentes diretos de vírus alienígenas.

Agora eu entendi por que todo ET é feio pra cacete! É que eles são vírus! Vocês já viram as bactérias que a Rede Globo mostra nas escovas de dentes, chamada da Colgate? Pois então! Imagina a cara dos vírus?!
E o Chandra fala sério! Ele e o amiguinho dele, um tal de Fred Hoyle

Acho que esta noite eu vou ter pesadelo... Já imaginou um vírus alienígeno, vindo de milhões de anos-luz entrando pela janela do seu quarto? AFF!!!

M. AMERICO

segunda-feira, 19 de abril de 2010

SAÚDE AMORDAÇADA ( II )

Os brasileiros adoram tomar analgésicos e antiinflamatórios! São os grandes campeões de consumo, ao lado dos ansiolíticos, os conhecidos tranqüilizantes, adquiridos indiscriminadamente e pelas mais simples razões: insônia, inquietação, a menor ansiedade ou pânico ou simples mau humor... E o cordão dos dependentes, cada vez aumenta mais!
A 'caixa preta' do patrocínio em pesquisas já começa a preocupar entidades médicas e os próprios pesquisadores! Os conflitos de interesse entre os cientistas e a indústria farmacêutica são objeto de estudo importante nos últimos anos.
Os patrocinadores exercem o absoluto controle da pesquisa, através de contratos! Determinam quem pesquisa e quem deve ser afastado! O que pode ou não ser divulgado! Rumorosos casos de pesquisas, que terminaram na constatação de medicamentos perigosos caíram no silêncio das cláusulas de confidencialidade. Ainda que houvesse ameaça a saúde dos consumidores! Uma ética às avessas.
Cada novo remédio custa entre 300 e 500 milhões de dólares. O lucro? Supera em muito o investimento! O caso Viagra: a galinha de ouro da Pfizer! O remédio rendeu - apenas em 2001 - 1,3 bilhão de dólares! No mesmo período os novos ansiolíticos e outras drogas para doenças cardiovasculares faturaram 90 bilhões de dólares!
Nas suas campanhas, os laboratórios são generosos! É comum, no Brasil, os médicos receberem mimos e presentes, como jantares em restaurantes de luxo, viagens internacionais, participação em congressos com tudo pago etc.
A banalização dessa prática levou o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP) a bater forte na indústria farmacêutica, exigindo comportamento ético dos profissionais ante a "cortezia" dos laboratórios.
O médico tem cada vez menos tempo para o seu paciente. A grande arma terapêutica, que é o contato com o paciente (a conversa fiada, mas reconfortante, a simpatia do encontro, o acolhimento, do nome próprio pronunciado a reboque do diagnóstico...), já está em desuso, estimulando a utilização de remédios, como prática de abreviar a consulta! Prescrever sem olhar o quê e sem saber a quem!

O problema é que os especialistas sabem que qualquer droga é perigosa, em maior ou menor grau. Exemplo: reposições hormonais. Um único miligrama de hormônio - substância naturalmente produzida por uma glândula - é suficiente para alterar o funcionamento de sistemas vitais, as características morfológicas e o humor de uma pessoa. Bastam por exemplo, 50 trilionésimos de grama de estrógeno por milímetro de sangue, para garantir às mulheres, as formas arredondadas e a graciosidade dos traços delicados que são a marca do feminino.
Como a produção natural do estrógeno decai na menopausa, tornou-se hábito suplementá-lo em mulheres nessa fase da vida, com a adição de hormônio sintético. O problema é que desde a década de 70, os efeitos deletérios vêm sendo constatados entre os quais o câncer de útero.

Todo medicamento tem efeitos colaterais: os antialérgicos causam sonolência e dificuldade de concentração; os antibióticos prejudicam o fígado e os rins e até podem causar surdez; a cortisona provoca pressão alta e úlcera. Antiinflamatórios podem provocar úlcera, gastrite e hemorragia digestiva; os suplementos vitamínicos podem ter efeitos indesejáveis; o excesso de vitamina C pode levar a litíase renal e o das vitaminas A,
D, E e K, causar lesões no fígado. Muita vitamina A provoca também fadiga, insônia e agitação.
A intervenção para aliviar tais efeitos com outros medicamentos, não raro fecha o circuito de complicações das quais o paciente não consegue se libertar facilmente.
Casos comuns de dependência estão ligados aos benzodiazepínicos (calmantes) e as anfetaminas (usadas nos moderadores de apetite).

"A hipocondria é um dos recursos do homem para lidar com as dores do drama de sua existência", diz o psicólogo Rubens Volich em seu livro Hipocondria: impasses da alma, desafios do corpo.
Sempre convencem o médico a prescrever algum medicamento. E retornam a ele muitas vezes, por obra dos próprios medicamentos ingeridos.
A maioria dos hipocondríacos sofre de depressão, diz o psiquiatra Marcelo Niel. "E enquanto esse problema não for tratado, eles continuam expostos a medicamentos desnecessários". Como estão sempre ingerindo algum tipo de medicamento, há uma propensão a se tornarem dependentes. Marcelo diz que considera normal que alguém tome um calmante em um momento especificamente insuportável. "O problema é quando qualquer situação de desconforto passa a ser esse momento crítico", diz o psiquiatra.

Os especialistas são unânimes em concordar num ponto de que pouca gente se dá conta: a maior parte das doenças pode ser curada pela ação do próprio organismo.

"A natureza resolve sozinha 90% dos problemas de saúde", diz o médico Daniel Sigulem, professor da Universidade Federal de São Paulo. "Em geral, pede-se aos médicos apenas que não atrapalhem".
Essa conclusão, seguramente você não encontrará em bulas de remédios...
[Este artigo baseou-se em informações da matéria Viciados em remédios, Jomar Morais.]
Luz e consciência.

M. AMERICO

domingo, 18 de abril de 2010

SAÚDE AMORDAÇADA ( I )

Qualquer pessoa medianamente escolarizada, ou razoavelmente informada, será capaz de melhores opções quando falamos de saúde. Será capaz de pensar a sua saúde. Não há quem consiga escapar da neurose de informação que o sistema global derrama sobre as nossas cabeças. Mas, como disse inicialmente, o mínimo de compreensão e condições de interpretação, será necessário, para que se possa assimilar o que acontece ao nosso redor. Há um grande bolsão de comunidades pobres nesse nosso Brasil, sabemos disso, onde sequer a luz elétrica chegou, e muito menos a informação sobre saúde e higiene, em sentido amplo. Comunidades onde há muita fome, muita desnutrição, muita "miséria absoluta", que os números estatísticos sequer dão conta  de traduzir.
A realidade da miséria não se traduz em escalas matemáticas, em cálculos, em curvas esotéricas no grande mapa "ibegeano" da fome brasileira, do desamparo brasileiro, onde não há lugar para se discutir sobre saúde. Mesmo nos centros urbanos, onde essa miséria anda catando o que comer nos aterros sanitários, nos lixões, a opção por saúde seria uma piada de humor negro.
Mas nesse mesmo centro urbano, há também aqueles que participam do acesso ao conforto da informação, do alimento, da higiene. Referia-me, inicialmente a esses, e retorno ao fio da meada.
Então, ser minimamente escolarizado, ou razoavelmente informado, não nos dá mais o direito de atropelar os princípios básicos do bom-senso, que segundo Descartes "é o bem melhor distribuído, de tal forma que todos julgamos possuí-lo satisfatoriamente". Assim, vamos ao que interessa.
Alguém desconhece o axioma fundamental da sociedade de mercado? Acredito que não. Vender, vender, vender... Os fins justificam os meios! Não importa o que vendemos e o que acontece com quem consome! O que importa é a mais-valia!
E nesse maquiávelico projeto, a saúde também se transforma numa meta de consumo!
Nunca, em qualquer tempo, foi tão nefasto delegar a autoridade de gerenciar a vida e a saúde!
Irresponsabilidade, despreparo, ganância, mercantilismo etc, tudo somado e bem empacotado, tem sido jogado na nossa cara! Pior: no nosso corpo! E temos participado dessa trama, com a solene inconsciência dos ignorantes! Mas abusamos do direito de ignorar! As informações despencam sobre nossas cabeças, como as folhas das árvores caem no outono. Ignoramos porque desejamos? Damo-nos conta de que realmente desejamos isso? Creio que não...
Ignoramos por comodismo, porque aceitamos sem discutir, delegar a gerência da nosa vida e da nossa saúde. Sequer pensarmos sobre o que fazer ou que recursos buscar para minorar determinado mal que nos acomete. E muitas vezes o mal é decorrência de outro, e de outro, numa sucessão de imprevidência e falta de compromisso com o nosso próprio bem-estar.
Os exemplos estão à nossa volta. Basta que olhemos e rapidamente identificamos pessoas que, mecanicamente, repetem procedimentos medicamentosos, mesmo sabendo que não há resultados positivos e que, muitas vezes, ampliam o processo da doença.

Ocupamos o quinto lugar mundial no consumo de remédios! Dispomos de mais de 32.000 rótulos de medicamentos, com variações de 12.000 substâncias! Um excesso descabido, considerando-se a lista de medicamentos essenciais para o bem-estar, da Organização Mundial de Saúde (OMS) de apenas 300 itens. Será que precisamos de tantos remédios assim? Dizem os especialistas que não!
Assistimos a uma sociedade intolerante com as drogas ilícitas e diante das drogas prescritas por médicos, somos levianamente permissivos, tolerantes, cúmplices.
Apesar da grande doença nacional, chamada miséria e desamparo, fonte óbvia da saúde arruinada de tantas comunidades pobres, das doenças características dos segmentos médios e ricos, cujo uso abusivo e irregular de medicamentos cresce rapidamente, cabe especular a razão porque isso acontece, favorecendo a indústria química de medicamentos.
Não é difícil compreender o que acontece.

Há uma farmácia para cada 3.000 habitantes, mais do que o dobro do recomendado pela OMS. Significa isso que há mais farmácias do que padarias! Há, em média, 54.000 farmácias para 50.000 padarias! Pode-se comprar drogas químicas por telefone ou pela internet, com ou sem receita médica! Diagnósticos são dados nos balcões de farmácias por atendentes, que empurram os remédios da moda, indo das últimas novidades em analgésicos e tranqüilizantes à pílulas de viagra.
O Sinitox (Sistema Ncional de Informações Tóxico-Farmacológicas) aponta 22.121 casos de intoxicação no ano de 2000 e considera que nem todos os casos são informados pelos Estados e nem sempre os médicos asumem os erros de prescrição. Significa que os casos registrados representam quase 1/3 do que realmente ocorre em termos de intoxicação medicamentosa, o que leva a pressupor um número aproximado de 100.000 casos.
Há uma cortina de silêncio em torno da gravidade do problema. E enquanto a cortina não sobe, milhares de pessoas correm o risco de se tornarem farmacodependentes, aumentando as estatísticas das clínicas psiquiátricas.

O problema ampara-se na irresponsabilidade de alguns médicos e nos interesses da bilionária indústria farmoquímica, que em matéria de lucros perde apenas para a indústria petrolífera.
Segundo uma estimativa da revista inglesa Focus, o setor teria faturado em 2003, 406 bilhões de dólares. Estima-se que no mesmo período, a indústria brasileira faturou aproximadamente 7,5 bilhões de dólares, valor que pode parecer  pequeno diante dos 170 bilhões de dólares que faturou a indústria farmacêutica americana.
Seria cômico, se não fosse trágico! O antialérgico Claritin chegou a gastar mais em propaganda do que a Coca-Cola.!
Ao tratarem os medicamentos como qualquer mercadoria, qualquer produto, os anúncios publicitários conseguem aumentar as vendas dessas drogas! Distribuição de prêmios a donos de farmácias e balconistas que atingirem as melhores metas de vendas!

M. AMERICO

sexta-feira, 16 de abril de 2010

A MEDICALIZAÇÃO DA VIDA

Não tenho conhecimento de qualquer estatística que apresente o consumo "per capta" de tranqüilizantes, antibióticos, hipotensores etc. Imagino, diante do crescente processo de 'medicalização' da vida, nas sociedades urbanas, que tal estatística seja surpreendente. E creio que deve ser muito expressivo, diante do crescimento da indústria farmacêutica e do controle cada vez maior dos diversos patamares etários, ou dito de outra maneira, das diversas categorias sociais devidamente rotuladas. Claro que tal estatística estaria correlacionada com a renda "per capta" de segmentos sociais mais expressivos economicamente. Quanto mais rico o segmento, maior o seu grau de dependência do processo de 'medicalização' social, visto que há recursos para pagar e consumir as drogas farmoquímicas.
Mas não pode passar despercebido o controle médico sobre as pessoas e a aceitação passiva com que se submetem 'ordeiramente' às práticas médicas do atual modelo biomédico.
Esse conceito de 'medicalização' das sociedades urbanas, procura definir o controle e a dependência extrema a que chegou a sociedade ocidental, ou ocidentalizadas, no esforço de alcançar a saúde e o bem-estar. (Não se discute, em momento algum, que o processo mórbido atualmente vigente nas sociedades, resulta das escolhas feitas pelo homem, na organização da vida e seus propósitos.)
É o princípio da 'outorgação' dos seus direitos de gerenciar o próprio corpo e buscar a própria cura através de recursos alternativos ao modelo dominante, que retira de cada um de nós o direito e a liberdade de administrar a vida em cima de outros conceitos de saúde, reforçando o processo de 'medicalização' da saúde.
O crescente processo de 'medicalização' da vida, acaba por transformar a saúde em mercadoria. Um mercado altamente lucrativo!
O crescimento da classe profissional de médicos não é malsã apenas porque tais profissionais provocam lesões orgânicas ou distúrbios funcionais. Não! Ela o é, sobretudo, proque produzem a dependência. E porque a dependência tende a empobrecer o meio social e físico em seus aspectos salubres e curativos. E porque a dependência reduz as possibilidades orgânicas e psicológicas de luta e adaptação que as pessoas possuem. E porque o crescimento dessa classe, denota o poder das indústrias farmoquímicas de dirigir e controlar a saúde, com amplas 'benesses' distribuídas à classe.
[ Não se fala num amplo programa público de saneamento básico, de soluções para o lixo urbano, programas de controle da poluição ambiental, medidas que, com certeza, contribuiriam para um novo modelo de saúde. Discute-se politicamente, mas nada acontece. Os lixões (aterros sanitários), a poluição ambiental etc, continuam. ]
Não tenho, como disse, qualquer informação sobre o volume de vendas de medicamentos no Brasil. Posso avaliar, pelo grau de dependência social aos produtos farmacêuticos e pela proliferação impressionante de farmácias. Também posso avaliar pelo crescimento da fantástica lucratividade das indústrias farmoquímicas da saúde, considerando que o vasto segmento sem privilégios ou direitos, moureja a margem do 'badalado' crescimento da riqueza nacional e da imaginária distribuição de renda, que se justifica pelo controle monetário (inflação), pela ampliação do sistema de saúde pública, pela ampliação da rede de educação etc.
Não há dúvida de que são fatores promissores, mas ainda distantes da imensa miséria da nossa realidade social; distantes do fato de, verdadeiramente, redistribuírem a renda nacional.
Encontramos milhares de pequenos povoados por esse imenso Brasil, sem qualquer expectativa da existência de alguma clínica médica, em condições de um atendimento eficiente e eficaz. Mas se fosse possível encontrá-la, por um desses acasos surpreendentes, não mudaria em nada a condição dos seus habitantes, dada a simples circunstância de se encontrarem afastados dos grandes centros urbanos onde ocorre a distribuição de medicamentos, (e lógico, os custos elevadíssimos desses medicamentos) e a complexidade de intervenções cirúrgicas. Por falta de opção, continuam consagrando o conhecimento cultural dos seus antepassados.
Fica de alguma forma, no entanto, abalada a crença de que as pessoas não possam enfrentar e resolver os problemas de doenças sem a medicina moderna, cartesiana, especializada, desprovida de uma visão integral do homem como unidade psicossomática.
A incapacidade de reagir a 'medicalização', termina por instituir categorias sociais dependentes, isto é, a vida fica etiquetada segundo seus períodos vitais. Essa etiquetagem acaba integrando uma visão de mundo, que os leigos aceitam como fato 'natural' e banal, de que as pessoas têm necessidades de cuidados médicos de rotina, simplesmente porque são gestantes, ou porque são recém-nascidos, ou crianças, ou porque estão no climatério, ou porque são idosas. Curiosamente, somos empurrados para dentro das inúmeras especializações médicas, como incapazes de sobreviver por conta própria, e fazendo prosperar a indústria química, as profissões vinculadas à saúde, as clínicas etc.
A vida já não é mais uma sucessão de diferentes formas de saúde em seus diferentes ciclos vitais, e sim uma seqüência de períodos, cada qual exigindo uma forma particular de práticas terapêuticas.
Ante os variados ciclos humanos, a vida é jogada num meio ambiente especial para otimizar a "saúde-mercadoria". O homem fica encaixotado no espaço destinado à sua categoria, conforme decisão do especialista 'biocrático', gerente da sua vida.
Um exemplo clássico desse processo "bioadministrativo": a velhice.
Concebe-se a velhice, nesse modelo biocrático da saúde, não como a condição natural da vida, mas como uma doença.
O que pode ser apontado na moderna intervenção médica que se faz nas desordens cardiovasculares, ou na artrose, ou na cirrose ou no câncer dos idosos etc, é que os feitos dos biocratas e os sofrimentos impostos não aumentam muito a longevidade da vida de seus pacientes.
Segundo estudos feitos, 82% dos idosos portadores de doenças graves, morrem menos de três meses após a internação numa clínica ou hospital.
Observou-se que a mortalidade dos idosos no primeiro ano de internamento é expressivamente superior a de um grupo comparável, deixado no meio a que estava habituado, próximo aos que lhe são caros, entre as suas coisas.
Separar-se de sua família, do seu leito, em que dormiu decênios, é para os idosos, o início dos processos mórbidos.
Não se nega que muitas dores de que padecem os idosos são atenuadas pela competência médica, que muitas vezes ultrapasssa o 'savoir faire' de um leigo. Infelizmente, porém, a maioria dos tratamentos profissionais impõe mais sofrimento, e se bem sucedido, prolonga igualmente a vida, quando tratada domesticamente.
A 'medicalização' da velhice é apenas um exemplo, quando a vida é organizada em categorias de pacientes.

M. AMERICO

quinta-feira, 15 de abril de 2010

INÚTEIS REFLEXÕES

A história do homem conta-se pela história da natureza. Toda a sua vida reflete uma busca do natural, por mais que o cultural tenha interferido e provocado a cisão, da qual o homem se ressente na modernidade do nosso tempo histórico.
Quebramos alguns vínculos importantes, desacreditamos nossas necessidades fundamentais em nome de uma "segunda natureza", que nos oferece o fastidioso paraíso das bem-aventuranças do consumo. Nossas necessidades já não são nossas; são as que nos dizem que precisamos ter para sermos 'modernosos' e elegantes.
Fomos empolgados por uma mídia gananciosa, que projeta sobre as nossas cabeças o grande ideal do mercado, que pouco nos diz e mais nos artificializa.
Hoje perguntamos: porque ocorre uma incidência tão alarmante de pessoas deprimidas em nossa sociedade? O Dr. M.Seligman, Ph.D., apresentou algumas opiniões sobre o recente aumento da depressão. Alguns já chegam a denominar o nosso tempo de "Era da Melancolia".
Dois fatores são apontados para esse acontecimento:

primeiro, a crescente exaltação do "eu", enfatizado como fonte de maior significado, valor, estima e satisfação existencial. Com isso, surge um senso diminuído de comunidade e, conseqüentemente, uma redução de propósitos elevados.

segundo, a dissolução de alguns fundamentos, até então básicos, no processo de organização institucional da sociedade - Família, o Estado, Religião - que somada a exacerbada ênfase no "ego", resultou em uma epidemia de depressão.

Comprenda-se que o processo dissolutivo resulta da transição da sociedade, pela introdução de novas tecnologias, novos padrões de consumo, de lazer, do novo modelo de sexualidade, do poder político assinalado pelo estigma da corrupçáo, a manutenção de "fórmulas anacrônicas" e a secularização de instituições religiosas... E tantos outros fatores que paulatinamente alteram os costumes e transformam os comportamentos sociais, num "vale-tudo porque eu sou mais eu". Um tempo que cabe numa sentença de Sartre: "o inferno são os outros."
Excessiva devoção ao "eu" e devoção de menos ao bem comum. Essa a raiz da desarmonia que se assinala na nossa vida e na nossa sociedade.
O meio propício para que esta raiz seja forte, é a ascendente linha materialista que comanda a sociedade, cujo grau de pressão externa sobre o indivíduo, não permite que ele se volte para o seu reino interior.
Corremos atrás de miragens, de fantasias, porque já não conseguimos acreditar que a simplicidade possa nos oferecer um estado de bem-estar. Afinal, a simplicidade consiste no despojamento das inutilidades e do excesso. Ser simples é uma tarefa extenuante, porque é o exercício de uma disciplina que nos orienta para o essencial. Ou como diria Sócrates, ao apreciar o mercado do seu tempo: "Quantas coisas de que não necessito!".
É pensando numa filosofia  da "descomplicação", ou talvez dito melhor, numa visão de mundo menos complicada, sem ser simplista, reducionista, que muitas vezes ocorre-me observar os disparates da ganância, da desonestidade, da precária situação dos poucos valores que ainda flutuam à superfície do oceano social.
Tudo bem... Vivemos um momento intensamente trágico, violento, em que assistimos a transição de padrões, referências, comportamentos, políticas, e nos esforçamos por sobreviver e encontrar novos paradigmas que possam servir de bússola para um Norte mais suportável.
Todos os nossos modelos caminham rapidamente para a obsolescência. Estamos diante de novos fatos científicos, muitos deles polêmicos e sem uma perspectiva de avaliação histórica do futuro. Não podemos medir as conseqüências do desdobramento de tais fatos. A clonagem, os trangênicos, a gestação "in vitro" etc, despertam o receio do futuro, para o qual somos empurrados pela sofisticação de uma racionalidade científica, cujo controle escapou dos mecanismos éticos e institucionais ordinários, a essa altura dos acontecimentos refletindo em suas leis o espaço institucional legal do do século XIX e XX.
A ciência desenvolveu-se, avançou e detonou o meio ambiente, as relações sociais, as relações legais, as relações humanas, as relações políticas, banalizando as crenças e tabus em que se firmava o universo humano, tornando a violência um elemento do nosso cotidiano.
Mas devemos continuar... Não importa saber se a mudança é boa ou ruim. É um fato histórico, irreversível.
Discutir a sua natureza, estabelecer critérios e juízos, reformular princípios e promover uma ampla reforma jurídica adequada ao nosso tempo, em todas as suas esferas, deve ser a nossa ocupação, que delegamos aos que controlam o poder no Estado, já que será o nosso grande desafio.
Reequilibrar o poder político, fazer prevalecer o humano sobre o econômico, implementar políticas sociais includentes, distribuindo de modo justo a riqueza que se produz no país, esse o caminho, suponho, para um novo paradigma social.
Os que ainda não se deram conta de que sopram novos ventos vindos do futuro, fiquem alertas... Quem viver verá!

M. AMERICO

quarta-feira, 14 de abril de 2010

RECORDANDO B. BRECHT

PERGUNTAS DE UM TRABALHADOR QUE LÊ

Quem construiu a Tebas de sete portas?
Nos livros estão nomes de reis.
Arrastaram eles os blocos de pedras?
E a Babilônia várias vezes destruída.
Quem a reconstruiu tantas vezes? Em que casas
Da Lima dourada moravam os construtores?
Para onde foram os pedreiros, na noite em que
                      A Muralha da China ficou pronta?
A grande Roma está cheia de arcos do triunfo.
Quem os ergueu? Sobre quem
Triunfaram os Césares? A decantada Bizâncio
Tinha somente palácios para seus habitantes? Mesmo
                      na lendária Atlântida
Os que se afogavam gritaram por seus escravos
Na noite em que o mar a tragou.

O jovem Alexandre conquistou a Índia.
Sozinho?
César bateu os gauleses.
Não levava sequer um cozinheiro?
Filipe da Espanha chorou quando sua Armada
Naufragou. Ninguém mais chorou?
Frederico II venceu a Guerra dos Sete Anos.
Quem venceu além dele?

Cada página uma vitória.
Quem cozinhava o banquete?
A cada dez anos um grande homem.
Quem pagava a conta?

Tantas histórias.
Tantas questões.

postado por m. americo

SOMOS TODOS LEÕES

Como nunca é demais repetir, volto a dizer, que as palavras são a fonte de todos os equívocos. Pegue-se um dicionário e podemos apurar que, realmente, cada palavra, em muitos e muitos casos, apresentam mais de um significado. Conseqüentemente, fica fácil imaginar o que acontece quando estão reunidas num discurso. Passamos das palavras e seu sentido denotativo, para o campo do conotativo, para o sentido do que se pretendeu enunciar. Podemos entender a pretensão do 'discursante', de acordo com a democracia do discurso, isto é, da maneira como melhor nos convier e melhor ainda atenda as nossas convicções. Esse fato ocorre amiúde, por estranho que pareça.
Se observarmos os desentendimentos frequentes entre pessoas e instituições, facilmente comprovaremos a tese do "equívoco presuntivo das palavras."
Temos o livre arbítrio de concluir, muitas vezes até antecipadamente, as razões ainda nem concluídas do 'falante', que imaginava dizer coisa completamente diferente da interpretação sofrida.
Outra afirmação que gosto sempre de lembrar, é a de que não há melhor maneira de se tratar a 'realidade', ou as 'verdades' que organizam o nosso ritual cotidiano, senão observando-as através da lente do humor inteligente, que está sempre a um passo da ironia socrática e do sarcasmo. De um modo quase geral, tratar a realidade com seriedade é tarefa para poucos, que normalmente beiram o cinismo ou a absoluta abnegação.
A mais ingênua das parábolas pode engendrar uma discussão homérica, assim como a fábula nem sempre consegue alcançar a transparência do seu objeto, tantas são as interpretações.
Por essas e por outras, sou um admirador inconteste do Millôr Fernandes, que considero o maior filósofo da terceira margem, um grande fabulista, e de quem trago uma pequena fábula para o nosso deleite filosófico:

O REI DOS ANIMAIS
Saiu o leão a fazer sua pesquisa estatística, para verificar se ainda era o Rei das Selvas. Os tempos tinham mudado muito, as condições do progresso alterado a psicologia e os métodos de combate das feras, as relações de respeito entre os animais já não eram as mesmas, de modo que seria bom indagar.
Não que restasse ao Leão qualquer dúvida quanto à sua realeza. Mas assegurar-se é uma das constantes do espírito humano, e, por extensão, do espírito animal. Ouvir da boca dos outros a consagração do nosso valor, saber o sabido, quando ele nos é favorável, eis um prazer dos deuses.
Assim o Leão encontrou o Macaco e perguntou: "Hei! você aí, macaco - quem é o rei dos animais?" O macaco, surpreendido pelo rugir indagatório, deu um salto de pavor e, quando respondeu, já estava no mais alto galho da mais alta árvore da floresta: "Claro que é você, Leão, claro que é você!"
Satisfeito, o Leão continuou pela floresta e perguntou ao papagaio: "currupaco, papagaio. Quem é, segundo seu conceito, o Senhor da Floresta, não é o Leão?" E como aos papagaios não é dado o dom de improvisar, mas apenas o de repetir, lá repetiu o papagaio: "Currupaco... não é o Leão? Não é o Leão? Currupaco, não é o Leão?"
Cheio de si, o Leão prosseguiu em busca de novas afirmações de sua personalidade. Emncontrou a coruja e perguntou: "Coruja, não sou eu o maioral da mata?" "Sim, és tu" - disse a coruja. Mas disse de sábia, não de crente. E lá se foi o Leão, mais firme no passo, mais alto de cabeça. Encontrou o tigre. "Tigre, - disse em voz estentor - "eu sou o rei da floresta. Certo?" O tigre rugiu, hesitou, tentou não responder, mas sentiu o barulho do olhar do Leão fixo em si, e disse, rugindo contrafeito: "Sim". E rugiu ainda mais mal humorado e já arrependido, quando o leão se afastou.
Três quilômetros adiante, numa grande clareira, o Leão encontrou o elefante. Perguntou: "Elefante, quem manda na floresta, que é Rei, Imperador, Presidente da República, dono e senhor de árvores e de seres, dentro da mata?"
O elefante pegou-o pela tromba, deu três voltas com ele pelo ar, atirou-o contra o tronco de uma árvore e desapareceu floresta adentro. O Leão caiu no chão, tonto e ensangüentado, levantou-se lambendo uma das patas e murmurou: "Que diabo, só porque não sabia a resposta não era preciso ficar tão zangado!".

MORAL: CADA UM TIRA DOS ACONTECIMENTOS A CONCLUSÃO QUE BEM ENTENDE...

M. AMERICO

terça-feira, 13 de abril de 2010

AS TRAGÉDIAS ANUNCIADAS

"Em visita ao morro do Bumba, o Desgovernador Sego Cabral disse não ter visto nada demais naquela situação.
- É uma inovação da nossa administração. Como prometemos, o pessoal da comunidade não vai mais precisar subir o morro. O morro é que vai descer até o pessoal – declarou o Governadador de enchentes."
(in http://www.eramos6.com.br/)

E não é que o morro desceu mesmo?

Ouço as notícias da Globonews, sessão da meia-noite. Um resumo dos principais acontecimentos da semana, enfatizando os eventos do dia. Claro que a tragédia das chuvas no Rio de Janeiro ocupa a maior parte do noticiário. Imagens dolorosas da destruição, mais dolorosas ainda, as imagens de pessoas que perderam parentes, amigos, que perderam os seus. Imagens de lágrimas, de dor, de desespero. Algumas entrevistas com os sobreviventes da tragédia, mostram o desalento da perda: "perdi tudo! Não tenho mais nada! Casa, filhos, mulher... Tudo"! Bombeiros e voluntários carregando corpos de feridos e mortos. Uma batalha contra um inimigo, um grande inimigo: a incúria administrativa, a desídia do Estado, a injustiça do abandono das comunidades que crescem como cogumelos nas encostas, beira de rios, nas chamadas "áreas de risco", por falta de opção, de recursos, pela garra da sobrevivência.
Somente a designação de "áreas de risco" para apontar o 'locum' de comunidades abandonadas a própria sorte, já encobre o cinismo dos órgãos responsáveis pelo planejamento urbano de uma cidade. Sim! Porque admitem a existência desses 'bolsões de miséria e de pobreza', e continuam complacentes, cuidando das suas alianças para se manterem no poder, na sinecura, no bem-bom...
Principalmente uma cidade como o Rio de Janeiro, com crescimento desordenado, não sei se trezentas ou mais comunidades "de encostas e morros", fruto da iniquidade social, da falta de orçamento público destinado a prevenção, ao planejamento e a construção de habitação popular, o que mais se pode esperar, senão as tragédias anunciadas de todos os anos?
Interessante nessa edição do jornal, foi a mostra do arquivo sobre as tragédias anunciadas, há anos...
Em 1938, o Secretário de Obras, na época Edson Passos, publicava um artigo: "Os rios do maciço da Tijuca precisam ser canalizados. Quem joga lixo nos rios e canais deve ser multado. É necessário fazer um reflorestamento imediato de todas as encostas, e as favelas tem que ser removidas dos morros."
Era   prefeito do Rio, se não me engana a memória, Henrique Dodswoth, interventor federal indicado por Getúlio Vargas, período de nov/1937 a nov/1945. Seu Secretário de Obras já  encomendava estudos sobre o reflorestamento nas encostas, a remoção das comunidades, a construção de conjuntos residenciais, a prevenção do assoreamento dos rios, a contenção... e por aí afora. Em 1938!!! Oitenta anos depois, BUMBA! A cidade maravilhosa volta a viver o drama de mais uma enchente devastadora.
Seguiram-se imagens das inúmeras enchentes. Todas envolvendo dramáticas situações de pessoas, que como sempre, pagam o preço do desleixo administrativo. Passando por inúmeros desastres diluvianos, até, senão me engano, o ano de 1997 ou 98.
Grandes tragédias, muitas perdas materiais e de vidas, mas também grandes discursos de autoridades, enormes promessas, gigantescas bravatas. Nada! Nadíssimo! Nadérrimo! Passada a euforia midiática, a necessária denúncia, a memória meio que adormece. Não a dos atingidos! Com seus mortos, com o seu 'nada' do que sobrou, com a sua raiva, o seu desespero! Eles estão aí, mostrando na cara, a contrafação de uma justiça social, que se amontoa com tantas outras...
Vejo o prefeito, que, claro, comparece como autoridade constituída pelo voto desse povo, para ver de perto o desastre. "Não somos responsáveis pelas chuvas, ou pelos fenômenos naturais!" Alguma coisa assim, que se difere nas palavras, não difere na essência. Penso com os meus botões. "Que maravilha! E o que se fez como prevenção, como planejamento urbano, como investimento em moradias populares? E o que se faz, nessa mesma direção nos dias de hoje?" Claro que não somos responsáveis pelas chuvas, se apenas olharmos de um ponto micro. Mas se ampliarmos os horizontes, podemos ver a culpa de todos na destruição do meio-ambiente, na destruição do ecossistema... Mas isso serviria apenas para uma monumental e científica desculpa política, como não faltará o discurso de algum cínico que denunciará o lixo jogado nas ruas pelo povo: "isso é que dá! jogam lixo na rua!!! E ainda constroem num lixão!!!" É. Realmente. Só que o problema não passa bem por aí... Não se isenta a responsabilidade dos governantes, procurando jogar a culpa das tragédias nas costas do povo. Considerando a eficiência, a eficácia e a efetividade dos serviços públicos, principalmente do planejamento e administração do lixo urbano.. E a grande disponibilidade de áreas urbanas para a construção das suas humildades moradias... Ou ainda, o eficiente planejamento urbano de prevenção de desastres... Óbvio que não isento de responsabilidade, o cidadão que sai por aí, arremesando seu lixo ladeira abaixo, nas vias urbanas, ou leito de rios, riachos, canais, numa demonstração clara de pouca urbanidade, educação e cidadania. Mas não conheço uma campanha planejada pela Prefeitura, no sentido de desenvolver o respeito público, pela preservação do ambiente. Já vi campanhas de bebida, camisinha, cigarro, violência no trânsito, mas nada que conscientize o 'homo urbanus' no caminho da  boa educação e higiene.

Estou pasmo e não sei até quando continuarei pasmo, diante da calamidade, e da declaração do governador. Também me encho de raiva, blasfemo, calão jogado pra todo lado. Meu pinscher não entende nada, não entende tamanha manifestação. Com certeza teme que eu tenha descoberto o seu mais recente xixi e se manda pra debaixo da mesa.
Esclareço que determinados acontecimentos do nosso cotidiano, costumo debatê-los com os meus botões. São os meus melhores amigos, confidentes discretos, não se envolvem com mensalões e outras falcatruas, desconhecem a 'delação premiada' (jargão legal, né?), preocupam-se apenas com a linha, e pedem para que eu a verifique; se ainda está boa e firme e se não há risco de se perderem numa queda. Afinal não basta apenas a casa em que se acolhem, a linha de segurança é indispensável...

M. AMERICO

segunda-feira, 12 de abril de 2010

PRESCRIÇÕES PARA QUEM TOMBOU NA BATALHA

A ironia terá sempre o seu lugar no planeta do riso. Sim! É um lugar privilegiado, de onde podemos sorrir de nós mesmos, sem constrangimentos, já que todos à nossa volta estão fazendo o mesmo, silenciosamente ou espalhafatosamente. Seria assim, uma espécie de iniciação a seriedade do riso! Algo profundamente místico e esotérico, a que só alguns poucos beatificados teriam acesso (inclusive de raiva!), depois de longas peregrinações por dentro de si mesmos.
Aff! Que o caminho é difícil todos concordamos, afinal já faz parte da sabedoria popular que moleza só em colchão d'água ou pudim de coco. Versões mais modernas apontam para a gelatina diet. Quero dizer apenas, que a ironia é uma grande porta de incêndio, por onde sempre conseguimos escapar. Sócrates que o diga!
A minha amiga Miloca (apelido carinhoso e pouco esnobe do nome Mildred), ponderava comigo sobre a dificuldade de dietas saudáveis, mergulhados que estamos no paraíso do paladar exacerbado. Macarrão ouvia, olhar de soslaio, mas sem interromper a fala da Miloca, que dividida entre a consternação e a fúria, esbravejava por ter de abandonar seus chocolates e chantilys, além da 'saborosa gordura' dos torresmos e feijoadas à mineira. Sem falar da caipirinha...
Lembrando-me do nosso papo, resolvi prescrever recomendações aos exacerbados que tombaram (tombam e tombarão) heroicamente no campo de batalha

Depois da esbórnia, do espalhafato, do estandarte verde-amarelo com plumas azuis, não adianta arrependimento nem consternação. Resta-nos, deploravelmente, abdicar do reino da comilança e da "beberança", e adentrarmos, quixotescamente, contra todos os moinhos de vento, no mundo da escassez de prazeres, a essa altura considerados mórbidos.
Olhar de frente, redimir-se ou esforçar-se por redimir-se dos pecados da gula escancarada; encarar a dieta e bater no peito como um Tarzan urbano, pendurado num 'cipó-frasco', cheio de pílulas para a inapetência, é pura covardia!
O negócio é encarar sozinho, mãos espalmadas, vazias, olhar duro, do tipo vilão do faroeste, pronto para sacar; encarar destemidamente, aquele ronco assustador que sobe das entranhas, que vem lá do fundo das tripas, quando a memória nos trai mafiosamente e joga à tona dos nossos olhos, imaginárias e deliciosas visões da abundância cheirosa dos filés, com amplas lapas branco-amareladas de gordura, dos frangos xadrezes boiando em puro 'pequim' de estranhos odores de condimentos e sabores agridoces; da 'gordurama' que se derrama daquele pedaço esplendoroso de picanha gaúcha ou argentina - a essa altura da fantasia não perdemos tempo com reles detalhes do tipo Maradona ou das cacetadas que os argentinos dão na gente, quando a pelota passa entre as canetas.
Mergulhamos de cabeça! Doces lembranças do passado recente, tormentosas lembranças... Estapafúrdias!
Aí acordamos, como aquele sujeito de uma antiga propaganda da pizza Perdigão, dando uma bocada no espaço vazio, lambendo o nada, olhos esbugalhados, como quem busca a salvação! Deus é fiel! Aleluia, irmãos!!!

Mas não adianta. Nada dessas fantasias adianta. O negócio é sério. Temos de aprender a sonhar com a alface, o jiló, o chuchu, o repolho, a couve (santa couve!), Deixar de lado esse maldito malte escocês e a p... da cerva gelada e partir para um delisioso suco de melancia com gotinhas de limão. Nada daqueles estranhos e misteriosos salgadinhos, que como menininhas de programa, teimam em acompanhar o maldito escocês e o alemão da Bavária.
O negócio agora é aprender a sonhar o insosso, como um monge tibetano. Disciplina, exercícios e água fria. Por exemplo: falar "inconstitucionalissimamente" com a boca cheia de lêvedo de cerveja em pó (não precisa ser gelado, para não despertar a concupicência!). Eis aí, um tremendo exercício para a purificação!
(Falando nisso, por onde andarão os monges tibetanos? Será que descobriram o Ocidente e se ocultaram em alguma churrascaria ou pizzaria e estão fazendo a festa?)
O negócio agora é aprender os deliciosos devaneios vegetais. Mergulhar no reino verde da esperança e almejar um dia voltar a ter a oportunidade de lambiscar um petisco envenenado de malagueta no Boteco do Libório, aqui e acolá; um "golinho" aqui e outro aqui também e depois ali, e por aí afora.
Nada daqueles haréns prazerosos, de carnes gordas e fartas... Pernil pra todo lado... Nada de lambuzados e "escorrelentos" néctares paradisíacos do reino dos chocolates e achantilysados. Fora! "Vade retro satanás!"
Inevitavelmente, um dia chega o tempo da parcimônia, o tempo do silêncio. Temos de aprender novos sonhos e o convecimento de que até mesmo é preciso inovar oniricamente, sob a pena de resvalarmos para as profundezas pagãs dos banquetes de todos os tipos.
Não adianta blasfemar contra os almeirões e os alhos. Na santa e recatada humildade, eles vão fazendo a faxina, assim como quem não quer nada.
Não adianta espernear! Olhemos com seriedade o licopeno e o magnésio do tomate, o manganês do espinafre, o zinco da couve, o cálcio do repolho... Permitamos que eles "faxinem" os arredores do nosso corpo, meta a escovinha naquele canto meio "obscurecento" e malcheiroso.
Deixem que o silício da vagem faça uma varredura, pô! Eles estão preparando o salão para as novas "furdunças"!
Na vetusta Inglaterra, o chá ocupa a mesa dos monarcas e dos súditos. Há toda uma reverência, um ritual,  um salamaleque, uma mística envolvendo o prazer da "bebericagem".
É preciso aprender com os ingleses! Não só a sua pontualidade (que eu já ouvi dizer que é um mito!) - no que já demonstramos uma incapacidade inata - mas aprender também o prazer dessa "bebericagem". E cairmos em cima do quebra-pedra, da camomila, da erva-tostão, da abútua... Pararmos com essa frescura de ficar assim, meio arredios, meio envergonhados, do cara que chega e pergunta com deboche: "Que m... é essa, bicho? Pô cara, que cheiro esquisito! Não tem uma cerva, não?"
Aprendermos a ter respostas céleres, rápidas como quem rouba, para essas emergências, do tipo, por exemplo: "deve ser o seu nariz, cara, "olfatando" alguns dos seus poucos neurônios! Isso aqui, bicho, é pura arginina, saca?" (Ainda se diz "saca", ou já estamos em outra?)
Coisa rápida, até mesmo mais criativa, se for possível, é claro, porque no início ficamos assim, meio inibidos, já que a gente também não põe muita fé...
Aliás você já reparou que ficamos sempre "meios", né? É de ficar pela metade, que advém uma certa dificuldade para as coisas imediatas, que nos requerem sempre por inteiros.
Mas enfim, já que é para encarar, encaremos! Sem dó nem piedade, principalmente se for o próximo.
Vale tudo para curar a esbórnia de tantos anos, e voltarmos renovados para o Reino da Abundância e da anarquia, o que nesse Brasil é uma toca rara. Refiro-me somente a abundância...
Machado de Assis apregoou as batatas ao vencedor; apregoemos nós o chazinho de "todo-o-dia", aos que precisam se tornar vencedores. E não esqueçamos as vagens!!! E mais uma coisinha: nada de depressões e pessimismos! Nada de sonhar com colchões d'água, porque isso quebra a temperança. Agora, depois da esbórnia (foi bom enquanto durou!) é sonhar com o joelho no caroço de milho! Aff!!! E como dói!

M. AMERICO

domingo, 11 de abril de 2010

REFLEXÕES EM TORNO DE UM TEMA ETERNO

O que somos decorre em grande parte do que pensamos, e se o que pensamos não nos conduz a compreensão de determinados problemas, com certeza há uma boa razão para julgar que nossos pensamentos não são apropriados, que a nossa realidade mental e espiritual são inadequadas para a compreensão de questões, que pairam acima do plano lógico, formal, racional. Por exemplo: Jesus.
Os Evangelhos não contam muito, ou melhor pouco falam ou quase nada, acerca do "Eu" de Jesus. Razão porque era chamado de Cristo e o identificavam com o Logos Eterno.
O que se diz que Jesus teria pronunciado em suas parábolas, foi a ele atribuído pelos autores dos Evangelhos, sinóticos, e que "Jesus não identificou suas experiências e pensamento teológico com as opiniões populares locais".
Nesse assunto, como em muitos outros, não há provas consistentes que permitam uma resposta sem ambigüidade. O número e a qualidade dos documentos biográficos subsistentes são de tal ordem que não podemos conhecer qual era, verdadeiramente, a personalidade residual de Jesus.
Os cristão acreditam que houve apenas um Avatar, somente um Avatar. A doutrina cristã diferencia-se da indiana, e também das doutrinas do Extremo Oriente, na medida em que afirma esse dogma: houve somente um Avatar: Jesus Cristo, a encarnação da Divindade como homem.
Krishna é a encarnação de Brahman, Gautama, Buda, que os mahayanistas chamam de Dharmakaya, a Mente, a Base Espiritual. Note-se: não o homem, a encarnação do homem como Divindade, mas a Mente.
A história cristã está maculada pelo dogma de um único Avatar. A mobilização do mundo cristão para o enfrentamento em sangrentas cruzadas, guerras entre seitas religiosas, inquisição e perseguições a qualquer pessoa ou instituição que se opusesse aos preceitos, ainda que retrógrados e cientificamente improváveis do cristianismo institucionalizado, alimentou o massacre obstinado e cego do imperialismo sectário, mais do que a história do Budismo e do Hiduísmo.
Doutrinas absurdas e idólatras garantindo a divina natureza dos Estados soberanos e seus dirigentes, levam orientais e ocidentais às guerras políticas. Mas por não acreditarem numa Revelação exclusiva, ou na divindade de uma organização eclesiástica, não conta a história com massacres em nome da religião, o que encontramos com muita freqüência no Cristianismo. Não entro no mérito da moralidade pública no Ocidente, bem mais baixa do que no Oriente.
Não teria sentido, por uma questão de espaço e paciência, analisar aspectos mais profundos da questão. Pretendo registrar apenas, aspectos que possam encaminhar o leitor a uma reflexão. Muitas vezes é preciso ser sucinto, para que o pensamento crítico possa desenvolver-se mais livremente.
É uma história complexa. O autor do quarto Evangelho afirma que o verbo se fêz carne. O Divino se fêz homem, e o homem manifestou-se historicamente. Sob esse aspecto, é interessante considerar o desenvolvimento do Budismo. O "Mahayana expressa o universal, enquanto o Hinayana não pode libertar-se do fato histórico".
No Budismo, as questões do fato histórico não têm  significação religiosa.
No Ocidente, as diversas seitas místicas trabalharam para libertar o Cristianismo da sua servidão ao fato histórico, ou em sentido mais estrito, libertar-se o Cristianismo daquela multiplicidade de notícias e conclusões fantasiosas, que em diferentes épocas foram aceitas como uma verdade histórica. Infelizmente, porém, a influência dos místicos não venceu o poder da Instituição Cristã, cujos relatos insistem em basear-se nos fatos históricos, presumíveis.
Nesse contexto, é suficiente chamar a atenção para uma das mais amargas ironias da História.

"A teologia cristã, especialmemte a das igrejas ocidentais, foi o produto de mentes imbuídas do legalismo judaico e romano. Em todos os múltiplos exemplos, as introspecções imediatas do Avatar e do santo teocentrado eram racionalizadas num sistema, não pelos filósofos, mas pelos causídicos especuladores e juristas metafísicos." (Aldous Huxley)

A classe dos jurisconsultos, era abominada por Jesus. Estavam mais distanciados do Reino dos Céus e mais impermeáveis às verdades do Cristo, do que qualquer outra classe, exceto a dos ricos.
Essa, a amarga ironia... Eles, os jurisconsultos e os teólogos, nada mais fizeram do que retirar o espírito do Cristo, e trasnformá-lo em fato histórico, o que, acredito, era o 'melhor' para a institucionalização do poder religioso e a laicificação do cristianismo.

M. AMERICO

sábado, 10 de abril de 2010

FECHARAM A PORTA E APAGARAM A LUZ!

Quando nos damos conta de que "há algo de podre no Reino da Dinamarca", paulatinamente iniciamos um processo de mudança e adaptação de hábitos, descobrindo novas habilidades, novos prazeres e mais simples formas de bem-estar. Isso nos dá uma nova visão do sentido essencial da vida.
Nossos sonhos não serão mais dirigidos por uma mídia que vende ilusões e fantasias, quando precisamos apenas da nossa capacidade de admirar a vida e o que nela podemos encontrar de grandioso e atender às necessidades básicas do corpo e do espírito, cujos prazeres nunca podem ser comprados e também não precisam ser tão complicados.
Nesse momento, já não estamos mais nas grandes avenidas do dinheiro, da ambição desmedida que soterra em nós a criatividade, a elegância, a estética, a competência para o amor.
Nesse momento, enveredamos por estreitas vias, por onde caminhamos apenas com o nosso esforço. Cada passo é uma descoberta, uma mudança interior, e cada mudança, um sentimento de renovação e liberdade. Liberdade em relação a nossa capacidade de decisão.
Fala-se demasiado em liberdade, mas pouco se diz da necessidade de disciplina para possuí-la.
Liberdade e disciplina?! Engraçado, não? Que conúbio mais estranho se poderia arranjar! Mas é isso mesmo: liberdade é disciplina, como canta Rentato Russo.
Mas antes de adentrarmos em discussões desse porte, quero que o leitor desmistifique comigo, os tortuosos caminhos da "felicidade banalizada" oferecida por preços "razoáveis" nas feéricas feiras do consumo e das vaidades, com pagamento facilitado em prestações a perder de "vida".
Ainda não vi nos veículos mediáticos um casal de 'gordinhos' repousando em campo aberto e florido. O horizonte jogado na última linha do olhar, aquelas margaridas derramadas na geometria caótica e casual, a garrafa aberta de vinho, em toalha alva de linho, as taças tombadas romanticamente... As fisionomias alegres, daquela alegria que se esparrama, nascida na simplicidade do prazer gratuito; alegria belíssima de dentes 'branco global'. A paixão desenhada em céu azul, recortada pela frondosa árvore, como aquela do filme "O vento levou".
Por quê? Por que ainda não assisti a essa cena na TV? As pessoas gordas não podem ser eroticamente felizes? Os seus corpos não permitem a felicidade? Ou a grande indústria da estética anórexica e longilínea não autoriza, não permite? Sim, porque se ganha muito dinheiro com o mito da 'felicidade elegante', do 'sexo elegante', da 'saúde elegante'...
As clínicas de estética, spas e outras arapucas de emagrecimento, a indústria de alimentos "diet" e "light", as drogas milagrosas, as academias de "malhação" e tantas outras formas de vender, não a apregoada saúde do corpo, mas a "felicidade do corpo", o "prazer do corpo", somente possível segundo um certo peso corporal, uma certa medida et coetera.
Já estamos diante de um sofisticado sistema de consumo: o consumo do próprio corpo, segundo certos padrões considerados o ideal, a medida certa da felicidade, da liberdade de expressão erótica, da expansão do ego para os horizontes do subjetivo.
Já não cobiçamos o objeto. Como magos, almejamos realizar no corpo a fantasia de sonhos que possam encobrir a realidade, transmutá-la nos nossos desejos. As tatuagens invadiram os corpos e imprimem neles as figuras dos nossos obscuros desejos. Quase mandalas do nosso inconsciente...
Não por outras razões as revistas, os jornais, a televisão, apregoam as vitaminas da moda, a ginástica da moda, os músculos ressaltados a base de drogas... Tudo isso produz muito dinheiro!
É facil descobrir por que não vemos na TV demonstrações de amor e respeito entre pessoas que não integram os padrões de beleza; pessoas comuns que fazem piquenique nas praias, no campo. Isso não produz a riqueza desejada pela máquina do consumo; não se ganha dinheiro com formas de prazer que estão ao alcance de qualquer pessoa, gratuitamente.
A 'felicidade', por representar um estado de completo prazer nas três dimensões humanas (corpo, mente, espírito), deve ser um produto 'caro', acessível somente a poucos eleitos (assim como possuir uma Mercedes Benz conversível - sonho maior de consumo dos divagantes estranbóticos e delirantes...). Por isso, necessário se faz apregoar na televisão os ingredientes da receita e, obviamente, o seu preço.
Poderíamos, a grosso modo, classificar o prazer em três grupos: o deleite do corpo, o prazer do intelecto e o êxtase do espírito (dimensão estética e religiosa).
Preocupemo-nos apenas e incialmente, com o deleite do corpo, já que as outras dimensões do prazer, melhor serem discutidas em grossos tratados.
O deleite do corpo, independente do corpo que tenhamos, é simples como um copo de água: namorar, tomar um sorvete, olhar o mar, um 'papo' com os amigos, uma feijoada no sábado, um franguinho na brasa com farofa e um bom vinho, uma caipirinha bem tomada, um pagode no fundo do quintal, um por-de-sol, lua cheia... Deus meu! Quantas coisas poderiam ser lembradas... Quantas coisas disponíveis e ao alcance de qualquer mortal! O calor do sol na pele, quando caminhamos à beira-mar, pisando suas espumas brancas; ou numa trilha, mergulhados no silêncio da mata, nos ruídos da vida; admirar uma criança brincando, absorta em seus movimentos graciosos, pairando numa realidade invisível para nós. Você já abraçou uma árvore? Já sentiu a potência vital, transbordante, que dela emana? Não?! É de graça! Tente... Não se paga por isso!
Mas quando estamos naufragados na "felicidade" dependente de pacotes vendidos à retalhos e a crédito, não acreditamos que possa ser diferente, ou que possa haver alguma outra maneira de "estarmos felizes". Nunca de "sermos felizes". Poque estar é diferente de ser.
O sistema empurra-nos para a "angústia da felicidade", se é que me explico bem. Nos torna neuróticos, angustiados, ansiosos para sermos felizes... E nesse jogo de comprar a alegria, de comprar o prazer, de comprar a 'felicidade', acabamos sempre por cair na cilada do "amanhã tudo será diferente".
Lembra-me aqueles versos do nosso poeta, a propósito da felicidade sempre adiada, por ser  "uma árvore arreada de dourados pomos" e que "está sempre apenas onde nós a pomos / mas nunca a pomos onde nós estamos."
A vida, como o malabarista, equilibra-se em fino fio suspenso no abismo. Brilho fugaz entre duas escuridões, entre dois infinitos, entre dois imponderáveis, entre dois sonhos. Como disse o poeta inglês, séculos atrás, "morrer, dormir, sonhar talvez, quem sabe..."
E trata-se exatamente disso. Trata-se de evitar, na sociedade do prazer ilimitado, do gozo eterno, o contato doloroso com a Verdade da Vida, que nos prepara para a sua essencialidade, toldando-nos o trágico sentimento de nossa efemeridade.
A antiga serenidade dos homens que atravessavam o grande abismo da vida, e que mistificavam a morte com os seus mitos, foi substituída na 'modernosa' e hipnótica sociedade pós-industrial, por novos mitos que mistificam a dor e vende a crença do prazer sem fronteiras do corpo, que se compra a preços módicos.
A proposta do grande sistema, aquela que se vende por todos os cantos da mídia e que se insinua sempre como a proposta de uma enorme, desmedida, gigantesca felicidade que se deve adquirir a preços de liquidação e em suaves prestações, mistifica o sentido essencial da Vida e gera a ilusão de que seremos felizes para sempre, com o último modelo  de televisão ou com aquele carro zero km, que desliza sobre a inveja e os olhares concupiscentes da multidão despossuída.

M. AMERICO

sexta-feira, 9 de abril de 2010

MITOLOGIA E INCONSCIENTE

Inconsciente coletivo. Assim Jung chamou o que seria um arquivo oculto de imagens, uma espécie de memória ancestral da humanidade. Essa memória manifesta-se com muita clareza nos esquizofrênicos. Essas imagens, que Jung chamou de 'símbolos arquetípicos', também foram identificados pela psiquiatra Nise da Silveira, quando de seu trabalho em um hospital psiquiátrico, e dirigia a seção de terapêutica ocupacional no Centro Psiquiátrico Pedro II, no Rio de Janeiro, entre os anos de 1946 e 1974. Seu livro "Imagens do Inconsciente", entre análises e reflexões, apresenta inúmeros trabalhos (desenhos, pinturas, modelagens) dos pacientes internos.
Encontramos tais símbolos na mitologia, nas pinturas, nos rituais religiosos, nos signos gráficos de civilizações em qualquer tempo histórico.
O símbolo surge mais claramente, como linguagem fundamental e manifestação dominante, porque a consciência não atua repressivamente e o psiquismo, no esquizofrênico, encontra a sua conexão com o que está subjacente nas camadas mais profundas, sem a censura da mente lógico-formal.
Carregamos uma 'memória da humanidade', onde estão latentemente armazenadas no inconsciente, experiências ancestrais da espécie.
As lendas, os contos de fadas, as mitologias, a comunicação de massas, usam os signos, porque são capazes de expressar conteúdos através de histórias e narrativas, melhor do que a formulação de conceitos.
Na esquizofrenia, perde-se o contato com o consciente vivenciando-se apenas a relação mais ou menos profunda com o inconsciente.
Tais símbolos revelam a relação imemorial do homem com os mesmos elementos básicos da natureza e as forças profundas do cosmos.
Os arquétipos, do que ele denominou insconsciente coletivo, sempre estavam presentes, embora sob diferentes formas, em civilizações separadas por séculos ou milênios, e também em outras mais próximas.
O mito é a forma de conservar e de significar valores através de um símbolo ou metassímbolo. É portanto, a representação de uma verdade profunda da mente.
As lendas, os contos de fadas, não são historinhas fantasiosas. Há o relato de uma íntima conexão com o psiquismo. Expressam realidades profundas da psique, suas fantasias e difusas emoções.
O mito é a tradução explícita dos conflitos do ser humano para compreender o processo de relacionar-se com a realidade e nela inserir-se. Expresso através do símbolo, da fábula, da lenda, o mito faz emergir a verdade profunda da mente mergulhada no enigma, no inconsciente ou no 'elo perdido'.
O mito é o incurso comum, paralelo ao incurso ideológico.
Retoma-se da mitologia grega, os seis elementos: o Logos, o Ethos, Eros, Psiche, Theós, Pathos, que estão, direta ou indiretamente, simbolicamente expressos sob a forma de lendas e fábulas, presentes em toda comunicação, como incursos.
São enigmas originários das zonas não iluminadas da mente e presentes, fundamentalmente, em qualquer discurso.
As pessoas de um modo geral, preferem ignorar as complexidades. Passam pela vida, para libar o prazer ou usufruir o poder.
O mito cristão toca o cerne, a raiz da questão vital: "Só a verdade vos libertará."
Não foi dado ao ser humano contemplar a verdade. Somente as verdades circunstanciais estão ao seu alcance. Somente 'verdades de razão' (as geométricas, por exemplo, ou as matemáticas) são possíveis ao ser humano.

M. AMERICO

quinta-feira, 8 de abril de 2010

OBSERVAÇÕES SOBRE UM CASO DE COMOÇÃO NACIONAL

Com uma certa freqüência ouço ao meu redor comentários sobre o recente caso de comoção nacional Nardoni&Jatoba. Comentários sobre os procedimentos legais do Judiciário: "Nardoni pega 31 anos, 1 mês, 10 dias de prisão; Jatobá pega 26 anos e 8 meses. Por ser pai da vítima, o calhorda foi condenado a uma pena maior. Que maravilha! Ambos cumprirão suas penas em regime fechado. Na prática, segundo o jurista Luiz Flávio Gomes, ficarão, respectivamente, 13 e 11 anos na cadeia." Diante dessa realidade, os comentários beiram a indignação! A manifestação em frente ao Fórum onde ocorreu o Julgamento Nardoni&Jatoba, mostrava a 'fúria popular'.
Fórum, nas antigas cidades romanas era o nome das praças públicas que serviam de ponto de equilíbrio da vida social. Era o 'locum' onde os cidadãos se reuniam para discutir e decidir os destinos da comunidade. Também era ali, que acusados de crimes tinham o direito de tentar provar a sua inocência diante de um júri popular.
Essa 'fúria' mostrada pelos canais de TV que cobriam o 'espetáculo', para os especialistas decorre do 'desejo de vingança' da própria noção de justiça, quando determinadas Normas são violadas e provocam a reação coletiva.
O que é interessante observar na indignação da sociedade, quanto ao abrandamento da pena, na sucessão do tempo da condenação, é a consideração de uma certa lassidão na aplicação das penas. Uma certa condescendência legal com o criminoso. Cobram, na sua ira, na sua indignação, a dureza de Talião: olho por olho, dente por dente! Inconformadas, berram por maior rigidez.
Observadas as reações da sociedade, é interessante notar que a Legislação brasileira é das mais severas, consideradas as demais legislações do mundo ocidental e quiça, da outra banda também, com exceções, é claro.
Vejamos: a Lei brasileira garante que, com o cumprimento de 2/5 da pena, pouco mais de 12 anos no caso Nardoni e 10 para Jatoba, eles saem do regime fechado para o semiaberto; passam a cumprir pena numa colônia penal agrícola ou industrial. Depois disso, cumprem mais 1/6.

O cumprimento de mais 1/6 da pena garante o direito de passar o dia trabalhando e voltar para a penitenciária só para dormir (regime aberto). Esse fato legal tem um nome técnico: progressão da pena.

Pergunta-se, obviamente: "Qual é a lógica desse aparente absurdo? Porque tantos benefícios a assassinos condenados por crimes bárbaros? Não seria um caso de privilégios para criminosos?
Vamos para algumas considerações históricas. Essa redução da pena surgiu na Inglaterra do século XVIII, com o objetivo de estimular o bom comportamento na prisão. É uma realidade, até hoje, na maioria dos países democráticos.

Do Código Penal comentado (Delmano Junior, criminalista): "O preso precisa de um estímulo para se comportar bem. Sem a recompensa, fica insustentável administrar uma penitenciária." Outro argumento dos defensores da redução na pena é "a necessidade - num país sem prisão perpétua, como o Brasil - de reinserir os criminosos recém-libertados na sociedade."
Mesmo os reincidentes por crimes hediondos têm o direito de cumprir uma pena reduzida.
O direito a redução da pena está na Constituição, no Código Penal e na Lei de Execuções Penais.
Na Europa, o prazo vai de 30% a 40% da pena. "O Brasil, que exige 40%, está entre os mais rigorosos", diz o jurista Luiz Flávio Gomes.
Em outros países, a lei não é tão branda para os crimes graves. Na Espanha, os presos por terrorismo são obrigados a cumprir a pena até o final. Nos Estados Unidos, há penas dura como prisão perpétua e até pena de morte. E no caso de liberdade condicional, o agente da lei estabelece claros limites para que o detento usufrua do benefício.

Há um risco na redução da pena; há riscos em devolver criminosos ao convívio social, apenas porque agem e se comportam bem na cadeia, mas reincidem quando ganham a liberdade. E esses riscos não podem ser facilmente avaliados, de modo que garantam um comportamento adequado quando em liberdade.
“É preciso avaliar cada caso”, diz o coronel José Vicente da Silva Filho, ex-Secretário Nacional de Segurança Pública. “Não se pode usar como critério apenas o tempo de pena já cumprido.” (Humberto Maia Jr. Revista Época)

COMO É A PROGRESSÃO DE PENA
Do regime fechado para o semiaberto
Réu primário > crime comum >> 1/6 da pena
Réu primário > crime hediondo >> 2/5 da pena
Reincidente > crime hediondo >> 3/5 da pena

DO SEMIABERTO PARA O ABERTO
Todos os casos >1/6 do restante da pena

LIBERDADE CONDICIONAL
Réu primário > crime comum >> 1/3 da pena
Réu primário > crime hediondo >> 2/3 da pena
Reincidente > crime doloso >> 1/2
Reincidente > crime hediondo >> NÃO TEM DIREITO
(Revista Época)

M. AMERICO