terça-feira, 18 de agosto de 2015

DA VINCI: O FUTURISTA DO SÉCULO XV

Mostra inaugurada em São Paulo dá vida aos desenhos de Leonardo da Vinci, que antecipam em muitos séculos diversas tecnologias essenciais ao mundo de hoje. 
Cientistas selecionam as principais obras da exposição e explicam seu significado para a ciência atual

Exposição 'Leonardo da Vinci: A Natureza da Invenção', no Centro Cultural Fiesp, em São Paulo(Divulgação/VEJA)

Em seus cadernos de desenhos, Leonardo da Vinci (1452-1519) anotou: "Nunca o homem inventará nada mais simples nem mais belo do que uma manifestação da natureza". 

Ao observar morcegos, tartarugas ou sementes, o italiano buscava compreender o cosmos e transformar seus princípios em tecnologias que ajudariam o homem. 

Por meio dessa mecânica sofisticada, inventou os ancestrais do helicóptero, avião, metralhadora ou de teares automáticos, que só ganhariam vida séculos depois de sua morte. Usando os desenhos do engenheiro, arquiteto, matemático e artista, o Centro Cultural Fiesp, em São Paulo, inaugurou na última semana uma mostra que coloca em prática cerca de 40 dessas ideias que, na época, não passavam de ficção.

"Da Vinci pensava na realidade e agia com base nas leis da natureza. Era um futurista do século XV", diz físico Vanderlei Salvador Bagnato, professor do Instituto de Física de São Carlos, da Universidade de São Paulo (USP).


Desenhos - Durante o Renascimento italiano, que floresceu entre os séculos XV e XVI, ainda não existia a ciência atual, baseada em formulação e investigação de hipóteses. 
A metodologia científica só seria desenvolvida nos séculos posteriores, com nomes como o francês Renée Descartes (1596-1650) e o inglês Isaac Newton (1643-1727). 
Da Vinci, no entanto, investigava a natureza de modo sistemático, criando mecanismos para provar seus conceitos, o que o tornou um precursor do método de criação e teste de teorias.

Uma das ferramentas mais importantes para essa investigação eram seus desenhos - que estão espalhados por toda a exposição. Da Vinci usou a perspectiva, técnica de geometria aperfeiçoada no século XV, para criar projetos que eram feitos e refeitos até que alcançassem a perfeição.

"O desenho permite elaborar conceitos e ideias, testar proporções e fazer cálculos. Ele esboçava todas as peças antes de executá-las, colocava medidas e investigava as possibilidades. Observava a natureza com o ímpeto de investigar, algo que está na essência da ciência moderna", afirma Ricardo Pisanelli, especialista em história e arquitetura e gerente do Catavento Cultural, museu do Estado de São Paulo dedicado à divulgação científica.

Mais que criar mecanismos que funcionassem na vida real, Leonardo da Vinci estava interessado em compreender a mecânica da natureza. Respeitando suas leis, ele criava engenhos que multiplicariam as capacidades humanas - fazendo-o voar, ter mais força, agilidade, velocidade ou produtividade.

"Ele tinha insights que foram precursores de tudo o que seria feito nos séculos futuros. Foi um dos primeiros a olhar para a natureza de forma racional", diz Pisanelli. "Imaginou uma quantidade surpreendente de coisas, mesmo que não pudessem ser executadas, pois não tinha as ferramentas matemáticas e materiais que teriam que ser inventados para que funcionassem."

"Cientista-artista" - As peças expostas vieram do Museo Nazionale della Scienza e della Tecnologia Leonardo da Vinci, em Milão, na Itália, e foram construídas de acordo com os desenhos do artista. 

Em 1952, os profissionais do museu interpretaram os esboços de Leonardo da Vinci e conceberam roupas de mergulho, teares, uma grua de 4 metros, aparatos de guerra ou de voo de acordo com suas indicações. 
Há dois anos, as obras viajaram até Paris para celebrar o centenário de nascimento de Da Vinci. No Brasil, elas ficarão até maio, na mostra gratuita.

Divididas em seções que buscam abarcar as diversas áreas do conhecimento exploradas pelo italiano, as obras demonstram o talento de Da Vinci para unir os campos do saber em engenhos que se tornaram essenciais para o mundo de hoje.

"Ele não era o melhor em todas as áreas do conhecimento, mas tinha uma capacidade única para reuni-las e criar algo novo. Aperfeiçoava o trabalho de outros homens de sua época e pensava como resolver os problemas de seu mundo: guerras, manufatura, arquitetura, transportes", diz o historiador italiano Claudio Giorgione, do Museo Nazionale della Scienza e della Tecnologia Leonardo da Vinci e curador da mostra brasileira.

Para Da Vinci, antes de tudo, suas obras deveriam refletir a verdade. Manivelas, alavancas, roldanas e sistemas de força espelhavam a mecânica do cosmos, refletida em cada pequeno elemento da natureza e em tudo que fosse criado. 

A beleza dessa estrutura primordial estava embutida não só em seus engenhos, mas era também o princípio de sua arte, que retratava suas investigações científicas. 
Como um homem do Renascimento, em Da Vinci, os atos de pintar, fazer projetos ou construir catedrais eram, essencialmente, a mesma coisa: revelar as leis universais.

"A arte que pretender ser fiel à natureza e sua beleza tem que ser científica. Afinal, a grande diferença entre a arte da natureza e a ciência é a linguagem. 

Neste sentido, Da Vinci foi um grande cientista," diz físico Vanderlei Salvador Bagnato, professor do Instituto de Física de São Carlos, da Universidade de São Paulo (USP).

As criações de Leonardo da Vinci: antepassados da ciência moderna


(Foto: VEJA.com/Divulgação)

Parafuso aéreo

Por meio da observação de sementes que se espalhavam pelo ar em movimento espiral, Da Vinci cria um mecanismo que antecipa em pelo menos cinco séculos a invenção do helicóptero. 
Ele é o primeiro a propor uma estrutura em hélice para o voo. Nos seus desenhos, ela tem 5 metros de diâmetro e é feita de bambu, linho e arame. Seria impulsionada por quatro homens que, girando o eixo principal, fariam a hélice subir. 

Na época, nenhuma propulsão seria tão poderosa para levantar a máquina, mas seu funcionamento é estritamente igual ao do helicóptero: transmite um movimento giratório que impulsiona o ar. “Esse protótipo certamente foi uma inspiração para a ciência posterior. 

Por meio da observação da natureza e de seus cálculos, Da Vinci imaginou que, um dia, seria possível voar com o auxílio de hélices”, diz Ricardo Pisanelli, gerente de conteúdo do Catavento

18 de agosto de 2015
Rita Loiola

OS GRANDES IMPOSTORES DA HISTÓRIA

Com o apoio da ciência, o pesquisador Jan Bondeson elucida alguns dos maiores mistérios de identidade do século XIX. 

Em seu livro 'Os Grandes Impostores' ele reúne alguns dos enigmas que assombraram a Europa, mas não resistiram ao avanço da medicina e dos modernos testes de DNA



Princesa Anastácia, filha do último czar russo Nicolau II: uma impostora que afirmava ser Anastácia e ter sobrevivido à execução da família real foi desmascarada por um teste de DNA (Reprodução/VEJA)


Nunca existiu uma criança alemã criada em uma masmorra, sem contato com seres humanos e alimentada a pão e água. 
Kaspar Hauser, o jovem selvagem celebrado no filme de Werner Herzog de 1974, realmente existiu no início do século XIX, mas inventou a própria história para conseguir dinheiro, conquistar a generosidade alheia e, quem sabe, alguma fama. 

Jan Bondeson, professor da faculdade de medicina da Universidade de Gales, na Grã-Bretanha, vasculhou bibliotecas e documentos históricos sobre o caso e, juntado a esses indícios os avanços da ciência moderna, descobriu que, por critérios hoje óbvios para a medicina, o garoto bem desenvolvido física e mentalmente jamais poderia ter um passado tão desolador.

Em seu livro Os Grandes Impostores, recém-lançado no Brasil, Bondeson narra casos como esse, fazendo uma análise minuciosa de episódios conhecidos como os maiores mistérios de identidade do século XIX. Como um narrador de livros de detetive, ele recolhe pistas, examina as relações e tenta desvendar seus enigmas.

"A ciência do século XIX era inútil para investigar esses casos. As modernas técnicas de DNA deram neles um golpe fatal", diz Bondeson.

Biblioteca

Os Grandes Impostores
livro os grandes 
impostores(Reprodução/VEJA)Jan Bondeson, professor da faculdade de medicina da Universidade de Gales, apresenta um estudo sobre grandes mistérios históricos do século XIX. 

Usando seus conhecimentos médicos e históricos e juntando a eles os resultados de testes de DNA dos últimos anos, tenta desvendar os enigmas, que ainda fazem parte do imaginário mundial.

Autor: BONDESON, JAN

Editora: DIFEL

A maior parte dessas histórias não sobreviveu ao desenvolvimento científico e, principalmente, aos testes genéticos, acessíveis desde os anos 1990. Essa é a principal ferramenta para os casos de identidade duvidosa abordados no livro. 

Qualquer cabelo, pedaço de roupa ou carta secreta pode ser submetida à análise e ter sua veracidade comprovada. Príncipes sumidos ou filhos bastardos, hoje em dia, são facilmente desmascarados pela ciência.

"Para muita gente, um impostor é um vigarista do século XX. Não engolimos mais essas histórias com facilidade", explica Bodenson, autor de outros 13 livros, dois quais apenas um, Galeria de Curiosidades Médicas, havia sido traduzido para o português, em 2000.


História romântica - Nas páginas do livro, o reumatologista nascido na Suécia se concentra em uma época em que a medicina e a ciência como conhecemos ainda não estavam desenvolvidas. 
Exames de sangue, testes psicológicos ou material genético contido em cromossomos ou mitocôndrias não eram sequer ideias da ficção. Por isso, avaliar a autenticidade de documentos, confissões ou verificar se uma pessoa era mesmo quem dizia ser era uma árdua tarefa. 

O poder político europeu do período, que deixava de ser fundamentado em linhagens consanguíneas e era balançado por revoluções populares, tampouco ajudava a verificar a verdade dos episódios. 
Era comum surgirem herdeiros desaparecidos, monarcas imortais, casamentos secretos ou pessoas simples depois identificadas como nobres sumidos.

Além disso, o imaginário desse tempo ainda era impregnado por histórias míticas e o pensamento mágico fazia parte do cotidiano.

Não havia a separação clara entre a história convencional, baseada em evidências, e sua versão romântica, feita por teóricos de conspirações ou intelectuais amadores. Ficção e fatos históricos reais se misturavam e ficavam à mercê do narrador.

"Muitas dessas lendas e mistérios históricos se incluem em um conjunto de lendas típicas, algumas das quais têm origens muito antigas. A lenda do herdeiro desaparecido, como a do francês Luís XVII, reflete a longa ausência de Ulisses e seu retorno como um pleiteante. 

A história do simplório misterioso que acaba se revelando um príncipe, caso do czar russo Nicolau I, remonta a histórias populares medievais", explica Bodenson. 
"Eles têm muitos aspectos míticos e essa é uma das razões por que se tornaram tão famosas."

Experiência médica - O autor começou a se interessar no início dos anos 1990 pelas histórias de identidade duvidosas, comuns no século XIX. 
Paralelamente a seu trabalho como pesquisador na Universidade de Gales, começou a ler sobre pessoas que pleiteavam ser filhos de reis ou herdeiros de grandes fortunas. 
Percebeu que faltava reunir todos os fatos históricos relacionados a elas, as conclusões científicas e, principalmente, os resultados dos testes de DNA feitos com esses personagens.

Usando sua experiência médica - que vê os indícios das doenças, analisa suas causas e faz as relações para descobrir sua solução - resolveu ir atrás de documentos da Biblioteca Britânica, da Biblioteca Nacional da França e da Alemanha para pesquisar sobre esses personagens. Visitou as cidades e os museus locais para conhecer o ambiente e passado de cada uma das histórias. Levou dois anos para juntar todas as informações e reuni-las em livro. 
O resultado é uma apresentação de todos os indícios históricos e científicos e um exame preciso do que levou esses personagens a, até hoje, permanecerem no imaginário mundial.

Confira abaixo os principais mistérios históricos que não resistiram ao avanço da ciência:

Os grandes impostores desmascarados pela ciência


(Foto: Reprodução/VEJA)
O enigma de Kaspar Hauser


Famoso pelo filme de Werner Herzog, de 1974, Kaspar Hauser foi um garoto real, de 16 ou 17 anos, que apareceu em Nuremberg, na Alemanha, em 1828. 
Ele dizia que havia vivido até então em uma masmorra, não havia tido contato com humanos e era alimentado apenas de pão e água. 
O jovem tornou-se o centro as atenções da cidade e, em pouco tempo, surgiram rumores de que deveria ser o príncipe herdeiro da família real de Baden, no sudoeste da Alemanha, que havia sido roubado do berço em 1812. 
Kaspar Hauser viveu com alguns tutores, mas foi assassinado em 1833. 

A bibliografia destinada a desvendar a real identidade Kaspar Hauser dispõe de pelo menos 400 livros e 2 000 artigos. Alguns são a favor da teoria do príncipe e outras, de que Hauser era um garoto pobre que foi abandonado na cidade e inventou a história da masmorra para despertar a generosidade alheia. 

A análise dos documentos históricos mostra que a história da masmorra é disparatada — o jovem teve um bom desenvolvimento físico e mental e tinha aprendizado ágil, algo que não poderia acontecer em uma prisão pequena e escura. Já desmentir sua procedência real é mais difícil. 

Em 1996, a revista alemã 'Der Spiegel' patrocinou um exame de DNA para comprovar a história. Uma mancha de sangue na roupa de Kaspar Hauser, guardada em um museu alemão, foi comparada à ao DNA da realeza de Baden: elas não têm relação. 

O mais provável, de acordo com os historiadores mais recentes, é que Kaspar Hauser fosse o filho ilegítimo de uma família respeitável, criado em alguma fazenda isolada e abandonado na cidade quando os parentes não queriam mais o manter. Contar uma história fantástica e comovente sobre como foi maltratado seria uma ótima estratégia para conseguir dinheiro, conquistar amigos e fama.

“A história de Kaspar Hauser tem alguns temas característicos dos contos de fadas tradicionais: o príncipe aprisionado, o ingênuo com poderes extraordinários, o órfão à procura de suas verdadeiras origens. 
Na literatura e nas artes, Kaspar Hauser adquiriu vida própria”, escreve Bondeson em seu livro.


18 de agosto de 2015
Rita Loiola

ATENDIMENTO FISIOLÓGICO EMERGENCIAL


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O que há de novo no Brasil é que as necessidades elementares têm um custo diferenciado



Como se pode ver acima, multiplicam-se nos dias de hoje os registros de estabelecimentos no interior do país que cobram pelo uso de instalações sanitárias, não estando claro se a medida afeta apenas aquelas pobres almas compelidas a satisfazerem suas necessidades fisiológicas em momentos e locais inoportunos ou também os fregueses dos bares e restaurantes(o que justificaria forte ação dos órgãos de defesa dos consumidores de cerveja).

A fim de colocar a questão no devido contexto histórico, cumpre lembrar que o pagamento pelo uso dos sanitários públicos– as famosas sentinas que acolhiam simultaneamente usuários de ambos os sexos – foi instituído há quase dois milênios pelo imperador Vespasiano diante da necessidade de reequilibrar as finanças romanas após as loucuras de Nero. A medida provocou fortes reações por parte dos cidadãos que já pagavam pelo banho, mas a nova cobrança deu origem, no direito tributário, ao princípio ainda vigente do non olet (não fede), significando que é válido taxar até mesmo as atividades menos nobres – como ainda ocorre com a prostituição na Alemanha. Não obstante, já houve tempos mais generosos em que o poder público atendia gratuitamente os necessitados mediante os elegantes pissoirs que tanto alívio trouxeram a nossos avós. Não contam, obviamente, esses cubículos que as autoridades fornecem hodiernamente por ocasião de grandes eventos e cujas características claustrofóbicas impedem o desfrute de alguns minutos de lazer e reflexão.



que há de novo no Brasil é que as necessidades básicas têm um custo diferenciado, aparentemente proporcional ao tempo que cada qual exige para ser atendida em condições normais. Entretanto, tendo em conta ser quase impossível cumprir o primeiro daqueles imperativos sem o acompanhamento do segundo, não fica claro se o usuário, pagando pelo mais caro, também será cobrado pelo outro, o que sem dúvida configuraria abuso de poder econômico.

De todo modo, mesmo não ocorrendo dupla cobrança, é controversa a forma pela qual essa nova classe de empresários do setor de “atendimento fisiológico emergencial” determina os valores a serem pagos pelo usuário. Em tese, tudo estaria resolvido caso existisse um odorímetro capaz de registrar a ocorrência do evento mais dispendioso e de transmitir a informação ao responsável pelo estabelecimento. É notável a façanha científica do pesquisador dinamarquês Povl Ole Fanger ao definir um olf como “o odor emitido por uma pessoa sentada que toma aproximadamente 0,7 banho por dia, trabalha num escritório e goza de boa saúde”. No entanto, não há consenso nos meios científicos com respeito a quantos olfs terá produzido aquele filho da mãe que me precedeu no banheiro do aeroporto, nem existe um aparelho capaz de resistir às exigências da função requerida.

Nessas condições, economistas de primeira linha foram consultados com vistas a fixar os parâmetros para a cobrança em questão, estando suas recomendações listadas abaixo juntamente com as objeções de outros economistas de escol (confirmando que essa gente não se entende nem nas horas de maior agonia):

1) Com base exclusiva na declaração do ex-necessitado ao sair. É bem sabido que, na iminência de um descontrole esfincteriano, parcela importante da população se mostra propensa a pagar o que for exigido pelo acesso imediato a um vaso sanitário; mas se sabe também que, aliviadas as tripas, a consciência consequentemente passa a pesar bem menos, com o que não seria digna de crédito a mera declaração do usuário.

2) Mediante a presença de funcionário que acompanhasse o cliente durante o processo; apesar de seguro, o método é pouco indicado devido à exiguidade do espaço utilizado, sendo que, no caso dos equipamentos em que a pessoa obra de pé (chamados em certas regiões de “privada de freira”), a presença de um observador se revela fisicamente impossível. Outro inconveniente de tal solução é o custo da mão de obra, sobretudo porque os encarregados da fiscalização sem dúvida reivindicariam na Justiça pesada taxa de insalubridade.

3) Pela supressão do papel higiênico, que só seria fornecido a pedido expresso do interessado. Tratar-se-ia de um método promissor caso não fosse tão prevalecente em tais situações o uso do dedo ou de retalhos de jornal, como se pode observar em muitas facilities espalhadas por todo o território nacional.

4) Instalando um sistema pelo qual a descarga só poderia ser acionada após uma inspeção visual para fins de determinação do preço; embora aparentemente viável, a solução se mostraria pouco eficaz na prática, pois é bastante comum faltar água na maioria dos banheiros dos estabelecimentos em causa, impedindo a confirmação da ocorrência mais recente.

Em conclusão, à luz de suas complexas implicações tecnológicas, trata-se de um problema merecedor de maiores investigações, mas que, numa primeira abordagem, parece justificar a arraigada preferência nacional por se mijar nos muros e cagar no mato.


18 de agosto de 2015
Jorio Dauster

SOBRE JESUS...

Análises apontam que papiro que menciona esposa de Jesus não é falso
Estudo mostra que o documento data do século VI ao IX


Papiro contém escritos na língua copta, que afirmam: "Jesus disse-lhes: 'Minha esposa...'" Papiro(Karen L. King/Harvard Divinity School/VEJA)

Um pedaço de papiro antigo que menciona certa "esposa" de Jesus não é uma falsificação, afirmam cientistas da Universidade Columbia, da Universidade Harvard e do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), que realizaram uma análise do documento, divulgada nesta quinta-feira no periódico Harvard Theological Review.

Acredita-se que o fragmento seja proveniente do Egito. Ele contém escritos na língua copta, entre os quais o seguinte trecho: "Jesus disse-lhes: 'Minha esposa...'". Outra parte diz: "Ela poderá ser minha discípula". Pelo fato de a tradição cristã afirmar que Jesus não era casado, o documento suscitou debates sobre o celibato e o papel das mulheres na Igreja.

O jornal do Vaticano declarou que o papiro era falso, juntamente com outros estudiosos, que duvidaram de sua autenticidade baseados em sua gramática pobre, no texto borrado e na origem incerta. Mas uma nova análise científica do papiro e da tinta, bem como da escrita e da gramática, mostrou que o documento é de fato antigo. "Nenhuma evidência de fabricação moderna foi encontrada", declarou a Harvard Divinity School em um comunicado. Os resultados mostraram que o papiro data de algum momento entre os séculos VI e IX

"A equipe concluiu que a composição química e os padrões de oxidação são consistentes com papiros antigos, ao comparar o fragmento do Evangelho da Esposa de Jesus (Gospel of Jesus' Wife, em inglês) com um fragmento do Evangelho de João", escrevem os pesquisadores no estudo.

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Origem desconhecida - A origem do papiro é desconhecida. Karen King, historiadora da Harvard Divinity School, conta que o recebeu de um colecionador - que pediu anonimato - em 2012. A pesquisadora ressalta que o fato de a ciência mostrar que o papiro é antigo não prova que Jesus era casado. "A questão principal do fragmento é afirmar que as mulheres que são mães e esposas podem ser discípulas de Jesus, um tema que foi muito debatido no início do cristianismo, num momento em que a virgindade celibatária era cada vez mais valorizada", explicou Karen em comunicado.

Leo Depuydt, professor de Egiptologia da Universidade Brown, escreveu um artigo, também publicado no Harvard Theological Review, descrevendo por que acredita que o documento é falso. "O fragmento do papiro parece perfeito para um esquete do Monty Python", declarou, citando o famoso grupo de comediantes britânicos.

Ele apontou erros gramaticais e a impressão de que as palavras "minha esposa" foram enfatizadas em negrito, recurso inexistente em outros textos coptas antigos. "Como um estudioso de copta convencido de que o fragmento é uma criação moderna, sou incapaz de fugir à impressão de que existe algo quase engraçado no uso das letras em negrito", escreveu. King publicou uma refutação às críticas de Depuydt, dizendo que o fato de a tinta estar borrada era comum e que as letras abaixo de "minha esposa" estão ainda mais escuras.

Oito perguntas e respostas sobre o Jesus histórico



1 de 8(Foto: VEJA.com/VEJA)

Os autores dos Evangelhos conheceram Jesus?

A maior parte dos historiadores concorda que nenhum dos evangelistas foi testemunha ocular da vida de Jesus. Os Evangelhos, na verdade, faziam parte de uma grande variedade de textos que circulavam nos primeiros séculos depois de Cristo e representavam o que algumas das comunidades cristãs pensavam (os Evangelhos que foram deixados de lado pela tradição católica se tornaram conhecidos como apócrifos). Os textos têm autoria anônima, e os pesquisadores possuem poucas informações sobre sua exata origem geográfica. O que se sabe é que eles foram criados a partir de relatos, 

memórias, tradições e textos mais antigos, que circulavam entre as primeiras comunidades cristãs. 

Eles teriam sido escritos entre o ano 60 e o 120, e só no século II é que seus autores foram atribuídos — o primeiro Evangelho a Marcos, e o último a João. Com o passar dos séculos — e com a ortodoxia cristã tendo relações cada vez mais próximas ao Império Romano — surgiu a preocupação de delimitar exatamente quais os textos que guardavam a memória verdadeira sobre Jesus. 

Por volta do século IV, depois de sérias disputas teológicas, a Igreja finalmente escolheu quais haviam sido inspirados por Deus — criando o cânone do Novo Testamento. "Decidiu-se assim quais textos seria destruídos e quais preservados, e quais tradições cristãs seriam perseguidas e quais aceitas pela Igreja", diz André Chevitarese, professor do Instituto de História da UFRJ e autor dos livros "Jesus Histórico - Uma Brevíssima Introdução" e "Cristianismos: Questões e Debates Metodológicos" (Editora Kline), em entrevista ao site de VEJA. 

Dentre os textos do Novo Testamento, aqueles que os historiadores atribuem, de fato, a alguém que conviveu com Jesus são as encíclicas escritas por Paulo — pelo menos sete delas teriam sido ditadas pelo apóstolo. "Na forma como o Novo Testamento está organizado, os quatro Evangelhos aparecem antes dos textos de Paulo. No entanto, as encíclicas foram escritas primeiro. 
O pesquisador tem de começar a ler por elas — assim fica mais fácil entender a evolução das primeiras comunidades cristãs."

2 de 8(Foto: Reprodução/VEJA)

Como era a família de Jesus?

A família de Jesus é citada em diversos pontos das escrituras, de Maria e José até seus irmãos e primos. No Evangelho de Marcos, o primeiro a ser escrito, seus parentes são mostrados de forma bastante distanciada. Em certo momento, eles tratam Jesus como maníaco, afirmando que suas atividades como pregador só poderiam ser fruto da loucura. Jesus se afasta, e passa a defender uma nova percepção de família, formada por aqueles que estão juntos dele, fazendo a vontade de Deus. 


Nos outros Evangelhos, no entanto, a família é mostrada como sendo muito mais próxima do movimento de Jesus — com destaque especial para a figura de Maria, presente em momentos-chave da história. Em Atos dos Apóstolos, o livro bíblico que narra o que acontece com os discípulos após a ressurreição, a família recebe ainda mais destaque: os parentes de Cristo estão entre os principais pregadores da nova religião cristã que passa a ser construída. 

Dessa vez, o destaque fica para Tiago, irmão de Jesus e um dos principais líderes do cristianismo primitivo. "Do primeiro texto, em que a família vê Jesus como um louco, ao último, onde são eles que levam adiante o cristianismo, parece haver uma contradição — mas não necessariamente. Pode ser que, com o passar do tempo, a família tenha se reaproximado de Jesus, e tomado seu lugar na Igreja", diz André Chevitarese. 
A citação bíblica aos irmãos de Jesus é alvo de grandes discussões entre acadêmicos e teólogos, pois pode afrontar uma das principais crenças da igreja católica: a da virgindade de Maria. 
Ao longo dos séculos, os teólogos católicos esboçaram possíveis explicações para isso. Uma delas diz que eles seriam, na verdade, meios-irmãos de Jesus, filhos de um primeiro casamento de José. Outra explicação afirma que o termo grego utilizado no texto bíblico original pode significar tanto primo quanto irmão, e teria havido uma confusão nas traduções. 

Essa segunda interpretação também pode estar correta. "A noção de família que se apresenta no contexto do século I mediterrâneo é muito diferente da atual. Ela é uma família extensiva, onde todos os parentes orbitam em torno de uma figura masculina mais velha. Nesse ambiente, o primo pode, sim, ser um irmão."

3 de 8(Foto: Hulton Archive/Getty Images/VEJA)

João Batista existiu?

Assim como Jesus, João Batista é um personagem histórico. Segundo diversas fontes da época, ele era um importante pregador judeu que viveu na Galileia durante o século I. O tipo de movimento messiânico comandado por João e Jesus era bastante comum na época. Esmagados pelo Império Romano, os camponeses judeus eram levados a esperar pela intervenção de um salvador que fosse mudar os rumos da história. O historiador judeu Flávio Josefo cita dezenas de candidatos a messias em seus textos. 

Segundo as fontes históricas, o movimento liderado por João Batista chegou a ser, por certo tempo, mais importante que o de Jesus. "O número de páginas que Josefo dedica a Batista é muito maior do que o dedicado a Jesus. O historiador narra como Herodes reconhece sua força e manda matá-lo. 
Isso mostra que era Batista quem realmente desafiava Roma em sua época", diz André Chevitarese. Na verdade, segundo os historiadores, Jesus pode ter sido um discípulo de João Batista — teria sido com ele que aprendeu a batizar, exorcizar e a desafiar as autoridades romanas. Acontece que, em algum momento, discípulo e mestre romperam. "As ideias dos dois eram muito diferentes. 
Enquanto João acreditava em preparar o caminho para um personagem divino intervir na história, Jesus dizia que essa personagem já veio, e era ele mesmo", diz o pesquisador. 
Os próprios Evangelhos podem servir para mostrar o quanto João Batista era importante em seu tempo histórico. Segundo os pesquisadores, a necessidade que os evangelistas demonstram ter de citá-lo em seus textos se deve ao fato de sua memória ainda continuar forte no século I. 
Assim, os autores precisam mostrar que esse personagem, que até então permanecia independente do cristianismo, poderia ser amarrado à sua própria teologia. "Os cristãos tiveram a necessidade de mostrar que João Batista enxergou em Jesus o Messias. Assim, eles conseguiram demonstrar ainda mais o valor de Jesus."


4 de 8(Foto: Reprodução/VEJA)

Jesus sabia ler?

Jesus demonstra saber ler em dois momentos da Bíblia. O primeiro deles acontece no Evangelho de Lucas, quando ele entra em uma sinagoga na cidade de Nazaré e começa a ler textos escritos pelo profeta Isaías. O segundo é mostrado no Evangelho de João, onde Jesus aparece escrevendo. 
Logo depois de intervir no apedrejamento de uma mulher — usando o conhecido desafio de "quem nunca tiver pecado que atire a primeira pedra" — ele se abaixa e começa a escrever no chão. O problema é que ambos os trechos apresentam problemas. Não existe nenhum indício de sinagoga em Nazaré e, mais importante, o verbo grego para ler é o mesmo para memorizar — Jesus poderia simplesmente ter decorado a passagem de Isaías. 
Ao mesmo tempo, o trecho tirado do Evangelho de João (capitulo 8, versículo 8) é bastante discutido entre os pesquisadores. 
Muitos deles vêm a passagem como uma alteração tardia feita à Bíblia, adicionada já no século V. A verdade é que as estimativas dos historiadores mostram que entre 95% e 98% da população que vivia naquela região do mediterrâneo era analfabeta. 
Seria natural que Jesus, um camponês pobre que nasceu e nunca saiu daquele ambiente, estivesse dentro dessa estatística. "Na verdade, o maior incômodo com o fato de Jesus ser analfabeto vem do mundo contemporâneo. Hoje, se assume que uma liderança — politica, religiosa ou econômica — precisa ter feito até faculdade, quanto mais saber ler. Mas essa não era uma demanda dos discípulos."


5 de 8(Foto: Thinkstock/VEJA)

Qual era a religião de Jesus?

"Jesus nasceu judeu, viveu judeu, e morreu judeu", responde André Cheviterese. Foi só nos séculos seguintes à sua morte que a Igreja começou a se distanciar do judaísmo e a se aproximar do Império Romano. Nesse processo, a teologia cristã vai se tornando cada vez mais arredia aos judeus, resvalando até no antissemitismo — o que transparece nos Evangelhos, principalmente no de João. "Acho que a base para se entender isso está na tensão que é criada entre a comunidade cristã joanina [que se pretendia seguidora do apóstolo João] e a religião judaica. A partir da década de 80 do século I, seu proselitismo se torna tão agressivo que eles são expulsos das sinagogas. 

A partir daí, se tornam muitos hostis", diz o pesquisador. Assim, no Evangelho de João (capítulo 8, versículo 44), Jesus se refere aos judeus como Filhos do Diabo, adoradores de um Deus homicida e mentiroso. Do mesmo modo, a narração deixa de mostrar Jesus sendo morto de forma sumária pelos romanos. 
Segundo os textos, ele é assassinado a pedido dos judeus — Pôncio Pilatos até lava as mãos. "Essas passagens não deixaram de ser repercutidas desde então, e foram usadas, inclusive, para perseguir os judeus. Por sorte, a Igreja se desviou dessa visão nas últimas décadas", afirma o historiador.


6 de 8(Foto: Reprodução/VEJA)

Jesus seria casado com Maria Madalena?

Maria Madalena é uma das figuras mais importantes e disputadas de todo o cristianismo. Ela costuma ser usada como a prova de que Jesus teria apóstolos e apóstolas — o que contraria a doutrina religiosa de só permitir padres do sexo masculino. 
Mais que isso, ela é uma personagem central dos Evangelhos, pois é a primeira a visitar o sepulcro de Jesus e perceber que seu corpo não estava lá — e a primeira a reconhecer o Cristo ressuscitado. Do século I ao IV, houve uma grande disputa dentro do cristianismo para decidir se mulheres poderiam ou não assumir funções de proeminência nos ritos religiosos. "No ano 591, o papa Gregório Magno proferiu uma homilia onde juntava duas personagens diferentes citadas no Evangelho de Lucas. 
Ele afirma que uma mulher vista como pecadora (uma prostituta) e Maria Madalena eram a mesma pessoa. Desse modo, sugere que as mulheres são demoníacas", afirma Chevitarese. No século XIX, a Igreja finalmente voltou atrás: Maria Madalena deixa de ser prostituta e é promovida a santa. 
Mesmo assim, sua imagem como pecadora continua entranhada no imaginário cristão. Quanto às teorias que defendem seu casamento com Jesus, elas têm origem em uma passagem do Evangelho de Felipe, um dos livros apócrifos, onde os dois personagens aparecem se beijando. "Analisando esse trecho com os olhos de hoje, alguns pesquisadores enxergaram um elemento erótico na cena. Mas no mesmo evangelho Jesus beija seus apóstolos homens. Isso não tinha nada de anormal. Usar isso para afirmar que Jesus tinha um caso com Maria Madalena passa longe de fazer história."


7 de 8(Foto: Reprodução/VEJA)

Jesus foi traído por Judas?

Os pesquisadores costumam concordar que Jesus foi traído e entregue por um de seus discípulos para o exército romano. Mas o traidor é desconhecido. A figura de Judas — desde seu nome até seus trejeitos — parece ter sido criada sob medida para objetivos teológicos. "Ele é fruto de uma teologia evidentemente antijudaica. Seu nome remete a Judá, a Judeia. 

Suas características também vêm das caricaturas que se fazem dos judeus: ele ama o dinheiro, é traidor e ladrão. Do século 2 em diante, isso vai, de novo, ser usado como ferramenta antissemita. Quando pensado em seus efeitos de longo prazo, isso é muito cruel. 

É só lembrar da malhação de Judas, por exemplo", diz Chevitarese. As próprias narrativas da morte de Judas servem como exemplo de que o personagem é mais fruto da teologia do que de história. No Evangelho de Mateus, ele se enforca. No Ato dos Apóstolos, ele tropeça, rasga a barriga e morre. E nos textos de Papias, um autor cristão contemporâneo ao Evangelho de João, ele come até explodir.


8 de 8(Foto: Fred De Noyelle/Godong/VEJA)

Jesus foi crucificado?

A crucificação é, sim, um fato histórico. Já o contexto que a cerca, como o julgamento de Jesus e a via-crúcis, não é. Ser pregado em uma cruz era a penalidade aplicada pelos romanos aos escravos que matavam seus senhores, aos escravos que se rebelavam e aos rebeldes políticos — categoria onde Jesus poderia ser facilmente incluído. 

O historiador Flávio Josefo, por exemplo, cita uma cena onde milhares de judeus foram crucificados após uma rebelião em Jerusalém. Quanto à Via Crúcis e ao julgamento, eles dificilmente seriam realizados pelo governo romano naquelas circunstâncias. Jesus foi preso em Jerusalém, na sexta-feira que antecede a Páscoa. Acontece que nessa época do ano a cidade estava lotada de judeus de todos os cantos, desde o Mediterrâneo até o Oriente Médio, vindos para as festividades. 

Além disso, a Páscoa judaica não é uma festa apenas religiosa, mas também política — ela celebra a passagem dos hebreus da escravidão para a liberdade. "Nesse ambiente explosivo, é claro que as autoridades romanas não iam prender uma liderança judaica, fazer um julgamento público e colocá-lo para desfilar de forma humilhante pela cidade, arrastando uma cruz. Isso seria uma provocação desnecessária, um tiro no pé", diz Chevitarese. 

Pôncio Pilatos é um personagem histórico. Os pesquisadores sabem, a partir de escavações arqueológicas da década de 1960, que ele realmente foi um procurador romano radicado na região da Judeia. Mas não existe nenhum registro dos ritos seguidos pelo personagem na Bíblia. As autoridades romanas, por exemplo, nunca se ofereceram para soltar um prisioneiro judeu, a gosto do público. "Essas passagens foram colocadas para reforçar o caráter messiânico de Jesus. Elas são baseadas em profecias do Antigo Testamento, mas sua plausibilidade histórica é zero."



(Com Agência France Presse)

18 de agosto de 2015

O QUIBE DA JANDIRA






O delivery da deputada comunista



Os quibes, quentinhos, foram postos à mesa diante da dona do restaurante Líbano Rio Express. Era hora do almoço, e os salgados vinham bem a calhar. O pequeno estabelecimento de comida árabe, inaugurado há seis meses, fica no 2º andar de uma movimentada galeria comercial de Copacabana, entre lojas de bijuteria, confecções de biquínis fosforescentes e vendinhas de artigos para turistas.

Os quatro quitutes, dispostos com capricho no prato, como um trevo de quatro folhas, vinham acompanhados de um simples limão, já partido. A dona do estabelecimento achou pouco, e mandou trazer também o molho de alho. Parecia preocupada com a opinião do cliente potencial. “Tá fininha a massa? Crocante?”, quis saber. “Repara como o recheio é úmido, temperadinho. Não está macio? Não está bom?” Estava. A descrição que ela fazia era precisa, e o quibe não faria feio nas melhores casas de comida árabe da cidade. Não havia razão para a ansiedade da proprietária, a deputada federal Jandira Feghali.

Além de neófita no ramo da gastronomia, Jandira é um dos principais quadros do Partido Comunista do Brasil, o PCdoB, cujos militantes, visando a uma sociedade sem classes, lutaram e foram massacrados pelo Exército brasileiro na região Norte, durante a guerrilha do Araguaia, nos anos 70.

Jandira entrou no partido mais tarde, no início da década de 80, época em que concluía seus estudos de medicina. Com 1,79 metro de altura e quadris largos, ela se espremeu num Voyage “sem ar-condicionado”, em 1986, e rodou o estado do Rio de Janeiro atrás de votos para ocupar uma cadeira na Assembleia Legislativa. Ganhou um problema de coluna desbravando as estradas fluminenses, o que a obrigou a interromper a campanha por alguns dias. Ainda assim, Jandira se elegeu.

Em 1990, deu novo passo e chegou à Câmara dos Deputados, em Brasília. Cumpre hoje o quinto mandato federal. Tem um eleitorado fiel, e sua atuação legislativa se destaca por projetos nas áreas da saúde e da cultura. Fisicamente, Jandira é reconhecível, sobretudo, pelos cachos volumosos de seu cabelo castanho-alaranjado.

Apesar do sucesso na carreira política, a mandatária comunista passou a considerar alternativas profissionais, de uns tempos para cá. “Queria deixar alguma coisa para os meus filhos, para o meu final de vida”, disse a deputada numa quinta-feira escaldante de janeiro, numa pequenina sala anexa à sua loja. “Sempre tive, também, a vontade de valorizar culturalmente a minha ascendência.”

Seu pai veio do Líbano para o Brasil em 1948, aos 18 anos de idade. Pretendia apenas passear, contou Jandira, mas se apaixonou pela filha de uma família de conterrâneos que vendia tecidos em Curitiba, e por aqui ficou. Foi na capital paranaense que Jandira nasceu, em 1957. Mas logo pegou a estrada, com os pais. Perseguindo oportunidades comerciais variadas, o casal viveu em Londrina e São Paulo, antes de se estabelecer na Baixada Fluminense.

Foi lá que seu irmão, Ricardo Feghali, descobriu o talento para a música. Ricardo é guitarrista e tecladista do grupo Roupa Nova, que nos anos 80 fez sucesso com canções como Donae Whisky a Go Go. A própria Jandira toca bateria, e participou do grupo embrião do Roupa Nova, nos anos 70. Com o restaurante, ela e o irmão voltaram a se reunir num empreendimento comum. O multi-instrumentista é seu sócio na casa de comida árabe.


A deputada ainda falava do passado familiar quando o garçom apareceu, de repente, trazendo o produto mais famoso do Líbano Rio Express: o quibe de peixe, pièce de résistance da casa. Jandira explicou que herdou a receita do pai. Em uma de suas empreitadas comerciais, Albert Feghali começou a vender o quitute, com grande sucesso, no interior de São Paulo.

Seguiu-se um novo momento de apreensão. Numa das primeiras críticas gastronômicas que a loja recebeu, o jornalista reclamou do exagerado ponto do sal no quitute. Jandira atribuiu o problema ao tempo que o quibe provado pelo crítico passara no mostruário. “Ficou desidratado”, justificou-se. Esse que havia sido servido agora, recém-saído do fogão, estava equilibrado. A carne do peixe, finamente desfiada, compunha um recheio suculento envolto pela leve farinha do quibe, crocante no ponto ideal.

A casa serve in loco os clientes que aparecem no balcão. Mas sua especialidade mesmo é a entrega por encomenda, limitada aos bairros em torno de Copacabana. Há planos de expansão. Jandira e o irmão se uniram a um terceiro sócio, empreendedor antigo no ramo da gastronomia carioca, e com ele pretendem abrir, em breve, um restaurante maior, também em Copacabana. Vislumbram ainda uma terceira casa, no Leme. “Teremos novos pratos e uma carta de vinhos”, anunciou. Quando esse dia chegar, será possível ampliar a área de entrega para cobrir toda a Zona Sul da cidade.

Além das ambições comerciais, a deputada faz planos políticos para 2014. O partido lançou, no final do ano passado, sua pré-candidatura ao governo do estado. Naquela tarde, em sua loja, Jandira disse que, passadas mais de três décadas da filiação ao PCdoB, ela ainda crê no triunfo do socialismo. “Não acredito no capitalismo como solução para os problemas da humanidade”, explicou. “Nunca, nele, você vai superar a desigualdade, a má distribuição de renda. A marca do capitalismo é a exploração do trabalho e a concentração.”

Perguntei se a revolução significaria a transferência para o Estado de todas as propriedades e empreendimentos. Jandira argumentou que não, que há muito tempo já não se pensa assim. “Até Cuba está liberando os táxis para a iniciativa privada”, lembrou. “Pequena e média propriedade, não se discute. O que se fala hoje é em planejamento nos meios de produção maiores, estratégicos.” Afinal, com um sorriso no rosto, deu o exemplo que mais importava. “Essedelivery aqui, por exemplo, ninguém ia tomar.”



18 de agosto de 2015
Rafael Cariello

AMIGOS DE CAMINHADA...









Eu nunca trocaria os meus amigos surpreendentes, a minha vida maravilhosa, a minha amada família por menos cabelo branco ou uma barriga mais lisa. Enquanto fui envelhecendo, tornei-me mais amável para mim, e menos crítico de mim mesmo. Eu tornei -me o meu próprio amigo... Eu não me censuro por comer um cozido à portuguesa ou uns biscoitos extra, ou por não fazer a minha cama, ou para a compra de algo supérfluo que não precisava. Eu tenho direito de ser desarrumado, de ser extravagante? e livre.

Vi muitos amigos queridos deixarem este mundo cedo demais, antes de compreenderem a grande liberdade que vem com o envelhecimento.

Quem vai me censurar se resolvo ficar lendo ou jogar no computador até às quatro horas e dormir até meio-dia? Eu Dançarei ao som daqueles sucessos maravilhosos dos anos 60 & 70, e se eu, ao mesmo tempo, desejo chorar por um amor perdido... Eu vou.

Vou andar na praia com um calção excessivamente esticado sobre um corpo decadente, e mergulhar nas ondas com abandono, se eu quiser, apesar dos olhares penalizados dos outros no jet sky. Eles também vão envelhecer.

Eu sei que às vezes esqueço algumas coisas. Mas há mais algumas coisas na vida que devem ser esquecidas. Eu me recordo das coisas importantes. Claro, ao longo dos anos meu coração foi quebrado. Como não pode quebrar seu coração quando você perde um ente querido, ou quando uma criança sofre, ou mesmo quando algum amado animal de estimação é atropelado por um carro? Mas corações partidos são os que nos dão força, compreensão e compaixão. Um coração que nunca sofreu é imaculado e estéril e nunca conhecerá a alegria de ser imperfeito.

Eu sou tão abençoado por ter vivido o suficiente para ter meus cabelos grisalhos, e ter os risos da juventude gravados para sempre em sulcos profundos em meu rosto.

Muitos nunca riram, muitos morreram antes de seus cabelos virarem prata.

Conforme você envelhece, é mais fácil ser positivo. Você se preocupa menos com o que os outros pensam. Eu não me questiono mais. Eu ganhei o direito de estar errado. Assim, para responder a sua pergunta, eu gosto de ser idoso.

A idade me libertou. Eu gosto da pessoa que me tornei. Eu não vou viver para sempre, mas enquanto eu ainda estou aqui, eu não vou perder tempo lamentando o que poderia ter sido, ou me preocupar com o que será. E eu vou comer sobremesa todos os dias (se me apetecer).
Que nossa amizade nunca se separe porque é direto do coração!



18 de agosto de 2015
anônimo
(Recebido por email)

http://umaraposanaestrada.blogspot.com/2015/08/amigos-de-caminhada.html