sábado, 20 de agosto de 2011

AMOR - O INTERMINÁVEL APRENDIZADO


Criança, ele pensava: amor, coisa que os adultos sabem. Via-os aos pares namorando nos portões enluarados se entrebuscando numa aflição feliz de mãos na folhagem das anáguas. Via-os noivos se comprometendo à luz da sala ante a família, ante as mobílias; via-os casados, um ancorado no corpo do outro, e pensava: amor, coisa-para-depois, um depois-adulto-aprendizado.

Se enganava.

Se enganava porque o aprendizado de amor não tem começo nem é privilégio aos adultos reservado. Sim, o amor é um interminável aprendizado.

Por isto se enganava enquanto olhava com os colegas, de dentro dos arbustos do jardim, os casais que nos portões se amavam. Sim, se pesquisavam numa prospecção de veios e grutas, num desdobramento de noturnos mapas seguindo o astrolábio dos luares, mas nem por isto se encontravam. E quando algum amante desaparecia ou se afastava, não era porque estava saciado. Isto aprenderia depois. É que fora buscar outro amor, a busca recomeçara, pois a fome de amor não sabia nunca, como ali já não se saciara.

De fato, reparando nos vizinhos, podia observar. Mesmo os casados, atrás da aparente tranqüilidade, continuavam inquietos. Alguns eram mais indiscretos. A vizinha casada deu para namorar. Aquele que era um crente fiel, sempre na igreja, um dia jogou tudo para cima e amigou-se com uma jovem. E a mulher que morava em frente da farmácia, tão doméstica e feliz, de repente fugiu com um boêmio, largando marido e filhos.

Então, constatou, de novo se enganara. Os adultos, mesmo os casados, embora pareçam um porto onde as naus já atracaram, os adultos, mesmo os casados, que parecem arbustos cujas raízes já se entrançaram, eles também não sabem, estão no meio da viagem, e só eles sabem quantas tempestades enfrentaram e quantas vezes naufragaram.

Depois de folhear um, dez, centenas de corpos avulsos tentando o amor verbalizar, entrou numa biblioteca. Ali estavam as grandes paixões. Os poetas e novelistas deveriam saber das coisas. Julietas se debruçavam apunhaladas sobre o corpo morto dos Romeus, Tristãos e Isoldas tomavam o filtro do amor e ficavam condenados à traição daqueles que mais amavam e sem poderem realizar o amor.

O amor se procurava. E se encontrando, desesperava, se afastava, desencontrava.

Então, pensou: há o amor, há o desejo e há a paixão.


O desejo é assim: quer imediata e pronta realização. É indistinto. Por alguém que, de repente, se ilumina nas taças de uma festa, por alguém que de repente dobra a perna de uma maneira irresistivelmente feminina.

Já a paixão é outra coisa. O desejo não é nada pessoal. A paixão é um vendaval. Funde um no outro, é egoísta e, em muitos casos, fatal.

O amor soma desejo e paixão, é a arte das artes, é arte final.

Mas reparou: amor às vezes coincide com a paixão, às vezes não.

Amor às vezes coincide com o desejo, às vezes não.

Amor às vezes coincide com o casamento, às vezes não.

E mais complicado ainda: amor às vezes coincide com o amor, às vezes não.

Absurdo.

Como pode o amor não coincidir consigo mesmo?

Adolescente amava de um jeito. Adulto amava melhormente de outro. Quando viesse a velhice, como amaria finalmente? Há um amor dos vinte, um amor dos cinqüenta e outro dos oitenta? Coisa de demente.

Não era só a estória e as estórias do seu amor. Na história universal do amor, amou-se sempre diferentemente, embora parecesse ser sempre o mesmo amor de antigamente.

Estava sempre perplexo. Olhava para os outros, olhava para si mesmo ensimesmado.

Não havia jeito. O amor era o mesmo e sempre diferenciado.

O amor se aprendia sempre, mas do amor não terminava nunca o aprendizado.

Optou por aceitar a sua ignorância.

Em matéria de amor, escolar, era um repetente conformado.

E na escola do amor declarou-se eternamente matriculado.

Affonso Romano de Sant'Anna
Texto extraído do livro "21 Histórias de amor", Francisco Alves Editora – Rio de Janeiro, 2002, pág.11.

AZALÉIAS DE AGOSTO



Era agosto. Elas se abriam em meu jardim com essa obscenidade com que sempre se abrem as flores, cumprindo sua missão natural de flores. Quanto mais floresciam, mais fenecias. Todos as manhãs eu atravessava aquele festival orgíaco de vermelho, rosa, branco e roxo, rumo ao amarelo ictérico que começava a envelopar tua pele, essa pele que por tantas décadas acarinhei. "Onde estiver, vou sentir tua falta" - me disseste, com voz que jamais senti tão grave. Querendo afagar-me, suspeitando que pela última vez, te enganavas. Não estarás em parte alguma. Partiste para o grande nada, onde nada existe e ninguém sente falta de ninguém.

Quem vai sentir tua falta, todos os dias até o último deles, é este que fica e que em algum lugar sempre estará. Pelo menos até o dia em que não mais estiver. Quem parte descansa. Sofre quem fica. O que até me consola um pouco. Quem está sofrendo, pelo menos não és tu.

De novo é agosto e elas retomaram seu ritual exibicionista. Paranóicas, escondem-se nas primaveras e agora torturam meus invernos. Não apenas os meus, mas os de tantos outros cujos seres amados escolheram agosto para partir. Certa noite de setembro, eu conversava com jovens já contaminados pela resfeber, enfermidade nórdica que significa febre de viagens. Sedentos de vida, perguntaram a este ser tantas vezes acometido pela doença: qual é a mulher mais linda do mundo? Em que geografias pode ser encontrada?

Caí em prantos. A mulher mais linda do mundo, eu a conheci. E a tive. E agora não mais a tinha. Não a encontrara em distantes longitudes nem em países exóticos. Encontrei-a a meu lado, neste prosaico país, e nunca mais a abandonei. Quis a vida - ou talvez tenha quisto eu - que tivesse centenas de mulheres, algumas muitas queridas, outras nem tanto mas também desejadas, mais uma multidão de rostos mais ou menos anônimos, corpos sempre lembrados. Mentira da vida, mentira minha. Em verdade, tive só uma. Tu, que partiste no auge das azaléias.

"Eu não tenho medo da morte" - me disseste ainda, um pouco antes da passagem rumo ao nada. Mesmo desbotada pelo palor da vida que foge, estavas linda como nunca estiveste. Em tuas quase seis décadas, conservavas ainda aquele eterno rostinho de criança, que a passagem dos anos jamais conseguiu te roubar.

Sedada, já no torpor da morte, chamaste tuas últimas energias, te ergueste no leito. Levantando o dedinho, didática qual professora falando a seus pupilos, sussurraste com o que te restava de voz: "E se fizéssemos assim: eu assino um documento: eu, TKM, em pleno uso de minhas faculdades mentais, declaro que quero ter meus restos cremados no cemitério da Vila Alpina". Reuni minhas forças e consegui balbuciar: não te preocupa, Baixinha adorada, isto há muito está combinado, verme algum sentirá o gosto de tuas carnes. Tuas cinzas, vou jogá-las de alguma ponte em Paris, uma daquelas pontes que tanto amaste, para que saias navegando mares afora.

Passada a mensagem, te reclinaste em paz. Mas descumpri o trato. Não as joguei em Paris. Ficarias muito longe de mim, navegarias talvez por mares gelados e hostis, encalharias em geleiras e te perderias em fiordes, longe de meu calor. Com carinho, te plantei entre os rododendros e todas as manhãs passo entre ti e murmuro: adorada. É bom te cumprimentar. Mas como dói.

A vida nos foi pródiga, e isso é talvez o que mais machuque. Nestes últimos meses, tenho sentido uma secreta inveja de homens que casam com megeras horrendas. Quando elas partem, começa a felicidade. Se morrer feliz é o almejo de todo homem, esta graça não mais está reservada a quem um dia foi feliz. É duro conjugar certos verbos no passado. Dizia Pessoa:

Fazes falta? Ó sombra fútil chamada gente!
Ninguém faz falta; não fazes falta a ninguém...

Bobagens de poeta, que tanto influenciaram meus dias de jovem. Verdade que sem ti correrá tudo sem ti. Mas isto vale para as azaléias - seres insensíveis que sequer perceberam a ausência de quem as adorava tanto - e para o resto da humanidade. Para quem perdeu o ser mais lindo da vida, é mero jogo de palavras.

As azaléias em breve irão perdendo seu sorriso orgíaco, suas cores fenecerão e agosto que vem estarão de novo florescendo, despudoradas. Tuas cores feneceram agosto passado e pelo resto de meus agostos não mais te verei florir.

* in memoriam 20 de agosto de 2003
janer cristaldo

TELENOVELA: UMA REFLEXÃO SOBRE LITERATURA

“Literatura é profunda, tem seu tempo de preparo. Não creio que novela seja uma forma de literatura. Mas esta comunicação é permanente. E por dialogar com a literatura, a novela contribui muitíssimo para a educação da sociedade também” (Walcir Carrasco).

“Escrever literatura, para mim, entretanto, é um gesto simbólico que traz uma exigência: a de ser de qualidade” (Alcir Pécora).

“Já a literatura mediana não serve para nada. É a negação mesma da literatura, cuja primeira exigência é a de se justificar (justificar a própria presença) face aos outros objetos de cultura” (Alcir Pécora).

A literatura do autor de novelas Walcir Carrasco traz de volta o tema da pobreza, como qualidade. Digo literatura, apesar do próprio autor não considerar escrever novela como sendo literatura. Porém, se não for literatura, será o quê? Seria a negação da literatura, como salienta Alcir Pécora? Seria a novela literatura, pois se justifica pela contribuição para a educação da sociedade? Prefiro entender novela como literatura, simplesmente porque é expressão artística, por meio da palavra escrita. Tecnicamente, pode até não ser tão perfeita, mas a qualidade não está na sua justificação, mas na sua expressão de arte. E arte emociona ou não emociona, independente da melhor técnica.

A “literatura disfarçada”

Há uma frase interessante do escritor Gore Vidal que, além de romancista famoso, escreveu vários roteiros. Vidal afirma: “Cinema é roteiro. Uma coisa é certa: o roteiro é fundamental para o filme. Assim como para o corpo humano, uma boa e simétrica estrutura óssea é que vai permitir ao corpo ser bonito e atraente, no cinema isso é feito pelo roteiro” (Rubem Fonseca).

Cinema é roteiro. Cinema é literatura, assim como a novela.

“Erudito é também quem cultiva a terra. Ou o tocador de pífaros, que conheci em Cocorobo. Ou o romeiro do Padre Cícero. Buscar o diálogo é uma tarefa crucial no Brasil de nosso tempo, não há dúvida alguma. Ouvi uns poetas do Tadjiquistão, falando numa língua própria seus poemas. Não compreendi nada. Mas foi uma das grandes experiências de minha vida. Não entender é uma forma de entender. Era cultura popular. Eram poetas populares. Porque a cultura é eminentemente popular” (Marco Lucchesi).

“Há muita gente interessante pensando o contemporâneo e pensando literatura. Fico imaginando se essa não será uma forma de literatura disfarçada. Uma nova máscara da literatura” (Alcir Pécora).

Os teóricos não fazem arte, precisam da arte mesmo que mediana para construir a sua “literatura disfarçada”. Essa mesma “literatura” deixa de usar máscara quando emociona – agora, então, será expressão artística.

O caminho do trabalho honesto

“São duas linhas de texto que abalam minha autoestima: serei eu competente o suficiente para escrever um artigo? Acredito que sou, se comparado a estudantes do ensino médio, porém não devo ser tão bom ou experiente quanto alguém com doutorado. E agora? Meu texto é um artigo para uns e para outros não? Seria então um comentário?” (João Vicente Kurtz)

“Limitar o texto jornalístico às formas da teoria dos gêneros é cortar as asas do jornalista ou, na melhor das hipóteses, dizer para onde ele deve voar” (João Vicente Kurtz).

“Nas vanguardas não há uma separação de trabalho tipo `o poeta é poeta´, o `teórico é o crítico´. Assim, o poeta experimental é quem faz a melhor teoria da experimentação, enquanto faz a teoria, faz a sua verificação prática, e enquanto cria, faz suas elaborações teóricas” (Renato Barilli).

“Nesse sentido, pode-se lançar mão do conceito do new criticism norte-americano que dizia que a poesia válida é a `inclusiva´, que inclui o mais que pode, e não a `exclusiva´, que elimina as outras formas e linguagens” (Renato Barilli)

Retornando à reflexão, senão terei que mudar o tema. Os personagens pobres das novelas de Walcir Carrasco são leais, dignos e, na maioria, com sabedoria superior, ensinando aos ricos como viver melhor. Tanto em O Cravo e a Rosa, Alma Gêmea, Chocolate com Pimenta, Morde e Assopra como em Caras e Bocas. As protagonistas são pobres ou perderam tudo, porém o importante é a firmeza em reconquistar seus bens pelo caminho do trabalho honesto. É retratada, com muito orgulho, a origem humilde de seus personagens. Inclusive, com exaltação da linguagem peculiar dos personagens, devido ao universo em que vivem.

“O heroísmo de verdade”

Os ricos, na novela do autor Walcir Carrasco, são ridicularizados pelos seus defeitos mesquinhos, mostrados como fracos e dominados pelos vícios, principalmente, ao dinheiro. São os bárbaros. Existe um conflito claro entre as classes pobres e os poderosos. Quando muito, pobres que gostariam de viver como ricos são humilhados por estes. Esta divisão é marcante em suas obras, muito mais do que em qualquer outro autor de telenovelas. Não querendo dizer com isso que não haja personagens ricos e generosos. A maioria não o é. É como se estivéssemos assistindo a sermões de padres tempos atrás. Quando a igreja católica considerava os ricos indignos do paraíso.

Esse resgate da autoestima dos pobres, fazendo com que a pobreza não seja vista como defeito, com culpa ou vergonha por não estar na moda e nem poder participar dos bens de consumo, é socialmente relevante nos nossos dias e em nosso país, tão afeito às aparências e ao tudo posso quando tenho como comprar. Contribui para a educação, como dito no início da reflexão, pela própria declaração do autor Walcir Carrasco.

“A pobreza consiste também num compromisso, numa sociedade secreta, num juramento eterno e mudo. Os pobres não desejam apenas uma vida melhor, não, os pobres desejam autoestima, a consciência de que, por viverem uma grande injustiça, o mundo os respeita como se fossem heróis. E são heróis de fato; agora que envelheço, sei que eles são os únicos heróis, os heróis de verdade. Todo heroísmo diferente é ocasional, imposto ou vaidoso. Porém o fato de uma pessoa ser pobre durante sessenta anos e cumprir sem palavras todas as obrigações que a família, a sociedade, impõem a ela, e, ao mesmo tempo, continuar humana, reverente, quem sabe bem-humorada e piedosa, constitui o heroísmo de verdade” (do livro De Verdade, do húngaro Sándor Márai).

Precisamos reconquistar o sublime

Os valores da classe pobre precisam ser reafirmados como válidos, mesmo em um mundo capitalista. Não significando maldizer a riqueza, mas reconquistando a grandeza também da pobreza, pelos valores morais que ela tem para sobreviver em sociedade. Não estou tratando neste ponto de política, de luta entre classes. Mas, de moral, ética. Reassumir o papel dos pobres como diferencial, referência de viver com alegria, com menos pelo mais em sua fé.

Como glamourizar o ser e não o ter? A meu ver, como faz Walcir Carrasco.

“Quando um povo já não tem nenhum preconceito no sangue, só lhe resta como último recurso, a vontade de desagregar-se. Imitando a música, essa disciplina da dissolução, despede-se das paixões, da dissipação lírica, do sentimentalismo, da cegueira. A partir de então, já não poderá adorar sem ironia: o sentimento das distâncias será para sempre seu atributo” (Emil M.Cioran)

Precisamos resgatar o sentimentalismo? A consciência individual cega, necessário ter certa repulsa ao dinheiro, melhor ao seu excesso, ao vale tudo para obtê-lo. Olhar com menos respeito pelos ricos, sem pregar o preconceito, olhar mais com piedade do que com admiração. Caminhar de volta ao meio, deixar os extremos do antigo preconceito aos ricos ou do atual preconceito aos pobres. Conquistar o equilíbrio entre ter e ser.

“Toda refeição que ultrapassa em duração os escassos minutos e, em iguarias, o necessário, desagrega nossas certezas. O cristianismo apareceu: um só deus – e o jejum. E a era do trivial e do sublime começou…” (Emil M. Cioran)

Perdemos o trivial? Precisamos reconquistar o sublime.

***

[Kátia Ribeiro de Oliveira é advogada, Belém, PA]

ACONTECEU...

PALOCCI EXPULSO DE RESTAURANTE

Se esta moda pega......

Acreditem. Como as intituições não mereçem confiança, o povo toma as medidas necessárias.

Antonio Palocci, ilustre sanitarista e economista, confundindo esse curso superior com tráfego de influência junto ao PT, juntamente com familiares e amigos foram jantar no último final de semana em conhecido restaurante no bairro de V. Olimpia (R. Fidencio Ramos, 15), aqui na capital paulista, chamado Empório Ravioli.

Os demais comensais presentes começaram a reagir timidamente com a presença do espertalhão petista e, de mesa em mesa vieram nada elogiáveis apupos terminando em "Fora Ladrão!!", o que ele fez. Levantou-se e partiu com seu séquito de amigos e familiares.

E que toda a nação repita o feito, quando políticos corruptos frequentarem locais públicos. Se a população brasileira, ver-se cercada de grades em viritude da crescente violência, que forcemos aos políticos não sairem de casa.

Se, aparentemente triste pelos familiares, um simples raciocínio permite inferir do uso desses milhões por toda a família. Portanto: Bem Feito.
E que assim continue com todos os políticos picaretas.
Os paulistanos fizeram com Palocci o que toda a nação brasileira deveria fazer sempre que se apercebe lograda, roubada, ludibriada por políticos inescrupulosos, que se aproveitam do cargo público para tirar proveito para si mesmos.

CPI BRASIL

COMENTÁRIO

Realmente essa foi uma reação inédita de pessoas que preferiram fazer a sua refeição, num ambiente limpo e decente.
Não faz parte do comportamento do brasileiro atitudes desse tipo. Com toda a certeza, um indicador seguro de que alcançamos um nível de saturação, diante do cinismo e da desfaçatez dos que promovem a degradação da vida pública brasileira. Começamos a demonstrar uma intolerância com a escória da politicalha que se pratica nesse país.
Que essa intolerância possa crescer e se transformar em manifestação e passeatas cobrando medidas enérgicas do governo, para que dê um basta nessa doença que grassa no Brasil: corrupção.

QUANDO A FÊMEA SE PÕE MÍSTICA

No varejão das pequenas crendices e mandigas, homem e mulher revelam uma diferença lindamente patética: a fêmea se põe mística quando inicia o processo de abandono do seu marido ou namorado; o macho se torna o mais crente e supersticioso das criaturas de Deus apenas depois que a casa cai, depois de um belo chute no traseiro.

Quando a sua mulher ou namorada, amigo, começa a falar em retorno de Saturno, na simbologia do tarô, nos recados do feng shui etc, te liga, campeão: é pé na bunda à vista e na certa. Por trás de todo mapa astral ou de uma nova visita à cartomante há sempre um bom par de chifre à nossa espera.

Ai só nos resta chupar o frio chicabom da solidão, como me ensinou o tio Nelson. Só nos resta mascar o jiló do desprezo. Só nos cabe sentar à margem do rio Piedra e chorar, segundo a recomendação suspeita do mago Paulo Coelho, este sim um incansável místico globalizado.

Sim, amigo, a mulher é esotérica desde a véspera da tragédia. Nós batemos na porta da cigana mais vagabunda apenas depois que Inês é morta. Aqui me pego, agora mesmo, reparem no ridículo, lendo o destino e a sorte na borra de café, o velho método das Arábias.

Mais perdido do que um escoteiro nerd e lesado no Pico da Neblina, um homem é capaz de tudo. No mato sem cachorro ou GPS, o macho moderno, este cara carente de banco de praça, faz sinal de SOS até para náufragos piores do que ele. Ô vidinha-Titanic e miserável.

Opa, calma, calma, que vejo algo nos desenhos involuntários do fundo da xícara. Tento enxergar na borra do café o meu destino, a minha sorte e as escaramuças da pessoa amada, aquela maldita que nos parafusa na testa uma fantasia de viking.

Sério, amigo, como somos esotéricos depois que a casa cai.

Perai, epa, calma de novo que vejo algo bem definido no diabo da xícara. Parece uma fruta. Pera, uva, maçã? Limpo as lentes de quase dez graus de miopia e astigmatismo e finalmente decifro: uma cebola!

Retrato do meu choro e do abandono? Seria o mais óbvio e imediatista. Na dúvida, recorro ao “Guia da leitura no sedimento do café –arte milenar árabe de interpretar sua vida”, um livro da Batia Shorek e Sara Zehavi, que acabo de adquirir em um sebo carioca.

Opa, reparem só no significado da tal cebola: “Indica que a pessoa amada esconde algo do seu cônjuge e o assunto escondido é importante e pode machucá-lo”.

Neste caso nem escondia mais, já havia ido embora, estava da caixa-prego para a frente, mas reparem como funciona a leitura da borra! Como homem, apenas li atrasado o fundo da xícara. Uma fêmea mística teria sabido tudo de véspera.
xico sá


O TEMPO DA DOR


Quando senti a boca latejando, imaginei que o pior estava por vir. Havia mais de um mês o dente se quebrara quando, em vez de pipoca, mastiguei um milho. E eu protelava ao máximo a ida ao dentista.

Passava a língua e sentia a cratera formada. E tinha sempre a preocupação de dar uma boa escovada, como se isso bastasse para manter a casa limpa... Mas quando senti a gengiva pulsando, percebi que minhas festas de fim de ano poderiam ser tenebrosas. Nada como o incômodo e pontiagudo dedo do destino para me fazer caminhar.

A dor, quando não dói tanto, passa a ser muleta. Mas quando é dor doída, vira esteira, pois faz a gente sair do lugar. Assim é nas dores do corpo e da alma; tanto quanto maior o impacto e o sofrimento, maior a possibilidade de evoluir e se transformar.

Tinha também uma outra dorzinha que estava me incomodando já havia mais de ano; esta, no ombro. Mas era dor morosa, intermitente, que não me atinava a fazer coisa alguma. Só me servia de desculpa, e nunca de estímulo. Foram necessários doze meses até que eu fosse ao ortopedista me consultar. E mais um mês até que eu fizesse os exames necessários, e ainda outros dois até que eu os levasse ao doutor para escutar o diagnóstico: Tendinopatia Subescapular no ombro esquerdo. Receituário: antiinflamatório e fisioterapia. – “Não se preocupe, pois é um tratamento revolucionário, extracorpóreo”, disse o homem de branco.

O tempo passou sem que a dor o seguisse, preferindo o aconchego do meu ombro. Junto a mim, além de não ser incomodada, ganhara ainda a companhia da dor do dente quebrado.

Resolvi agir. Marquei a primeira das três sessões e descobri que o tratamento revolucionário era patenteado por um israelense sádico. Afinal, o que dizer de uma máquina que emite choques contundentes durante intermináveis 15 minutos? Não era nada comparado à via-crúcis de Cristo, mas não perdia em nada para um Rambo em mãos vietcongues.

Após a primeira sessão - não vou mentir - deu um alento danado! Fiquei feliz por perceber que as coisas mudam quando nos esforçamos para tal; até meti um sorriso na cara! E resolvi encarar o buraco no dente.

O sorriso logo se transformou em testa franzida ao escutar a avaliação da dentista: “- Ih... Quebrou até a gengiva e esse molar é muito grande; não tem como fazer nova obturação. Vou fazer um canal.”

Enquanto ela falava sobre canais e tais, não percebi o menor remorso em suas palavras. Ao contrário, senti que ela até se excitou com essa possibilidade. Com certeza era daquelas cedeéfes que gostavam de resolver cálculos complicados e que achavam História e Geografia “coisa de aluno vagal”. Era uma mineirinha feiosinha de uns 45 anos – daquelas com cara de quem sente muito prazer; de dia trabalhando; de noite gozando.

Coincidência ou não, foram necessárias três sessões para extirpar até o último nervo de meu ex-sólido molar. Ora estava na cadeira da dentista, entre anestesias e angústias, ora estava na cadeira do fisioterapeuta, entre eletro-choques e enfermeiras sorridentes. O doutor Roberpaulo parecia muito interessado na máquina de tortura israelense, pois olhava para ela com uma doçura que não dispensava às moças. Já na segunda sessão, me elogiou e disse, calmamente, que aumentaria a voltagem: - “Já podemos começar com o 'nível II', pois você resistiu bem!...”, exclamou! “Acho que dá para chegar ao quinto nível ainda hoje!”

- O senhor é de Minas?, perguntei.
- Não, mas fiz minha especialização em Belo horizonte. Nasci em Piracanjuba, no Goiaz...
- Conheço! Próximo a Caldas Novas. Tem uma pracinha bonitinha, com coreto e charrete para os turistas, não é? Ambiente tranqüilo...
- Já foi assim. Hoje tá cheia de maconheiro... Depois que a droga chegou lá, a meninada só que fazê fumaça.
- Normal...

De vez quando, a máquina se irritava e soltava uma carga elétrica duas, ou até três vezes mais potente! Aquilo doía. Dava vontade de bater em alguém, de tanta raiva. Mas o Doutor Roberpaulo olhava para sua máquina com tanto apreço que eu me compadecia e logo esquecia, voltando ao conversê sobre o fumacê.

Pensava em chegar ao fim do ano “novinho”, sem problemas de saúde, reciclado. Mas fatos novos apareceram para enaltecer minha provação.

Era dia de festa, churrasco e bebedeira. Música de qualidade. Pôr do Sol. Fotos lindíssimas de reflexos solares e sombras inebriadas. De repente, o som, o batuque na madeira, a excitação e um maldoso prego de ponta-cabeça na palma da mão. Sangue, decepção.

Hospital, espera, injeção.

Não há de ser nada. Ademais, eu havia de estar preparado e bem disposto para fazer a mudança. Dois amigos, no entanto, não foram suficientes para amainar o peso do fogão – um legítimo Brastemp, 6 bocas, de 35 primaveras. O mal jeito me pegou bem, e minha coluna amanheceu enferma. Logo a dor de alojou entre as costelas e bastava respirar para que eu visse estrelas. Sorte que o antiinflamatório do Doutor Roberval ainda fazia efeito: servia para o ombro bichado, para o dente estragado, para a mão perfurada e, agora, para a coluna entrevada.

Uma dor me fazia esquecer a outra. Mas esta nova, a da costela, me deixava triste, de querer chorar e chamar pela mãe. Logo eu, que sempre adorei dar um espirro gutural, não podia sequer pensar em bocejar! Parecia a seta do demônio rasgando minhas vísceras!

Logo, surgiu a idéia de que poderia ser gazes. O remédio que comprei era gostosinho – de framboesa – e me fez soltar um monte de puns. Mas a dor permaneceu ainda por uma semana. Perdi boas horas de sono por conta dela.

Então, de repente, não mais que de repente. Todas elas sumiram! O dente está restaurado, a mão curada, o ombro recuperado e a costela enjeitada.

Um novo ano se avizinha, e ainda que eu não tenha a mesma empolgação de menino, estou com o espírito renovado. Não somente em 2010, mas em 2000 e sempre, estarei presente; mais contente e resistente. Não por conta do corpo, que padecerá inexoravelmente, mas pela experiência vivida, pelas coisas passadas e aprendidas.

Viver dói, mas é gostoso demais.

Vislumbrado por O Maltrapa

DEYSI ESTELA CORI TELLO



Obviamente que o polonês Dariusz Swiercz não estava sozinho na premiação em Chennai, na Índia. No dia 16 de agosto também tivemos uma nova campeã do mundo de xadrez júnior (sub 20). Ela é... sul-americana.


Deysi Estela Cori Tello (Lima, Peru, 2/7/1993), detém o título de WMF (Grande Mestra Internacional), a mais jovem da América.


O maior orgulho do povo pensante andino, deve sua consagração unicamente ao próprio esforço, uma vez que no Peru, como no Brasil, o Estado (os patrunfos) é indiferente ao jogo ciência-arte, deixando ao abandono as suas crianças, tratando de empurrar somente futebol para distrair e empulhar a massa.


Não por acaso tem um irmão, Jorge Cori (30/7/95), o mais jovem Grande Mestre da história, aos 14 anos, superando a Bobby Fischer.


E têm boca. Após inúmeros sucessos no exterior, de deixar o mundo de queixo caído, mas sempre passando em branco em seu país (a imprensa é igualzinha a nossa, propriedade de patrunfos maus), ao se tornarem campeões mundiais, ela sub 16 e ele sub 14, recebidos no aeroporto por uma multidão (no xadrez 200 pessoas é multidão de arrepiar) deram bombástica entrevista.


Ela disse: “Espero que este éxito que acabo de lograr concientice a las autoridades del Perú porque tenemos buenos talentos que muchas veces se pierden por falta de apoyo. No todo es fútbol".
Jorge arrematou: "Quiero hacerle un llamado al presidente. Quisiera que nos reciba en Palacio de Gobierno. No lo hizo cuando gané la vez anterior. Seguro un Mundial escolar no era suficiente. Yo creo que ahora me lo merezco”!
Xeque-mate. O patrunfo Alan Garcia não teve alternativa.


Deysi é uma menina cuja maior emoção e recompensa é ouvir o hino nacional nas cerimônias de premiação. Nesses momentos, jamais esquece de agradecer aos pais o apoio e incentivo.


São os "Niños de Oro" do Peru. O nome Cori, em quéchua, casualmente é... ouro.


Salud, Niña de Oro. Bravo!